Por um Estado Nacional Brasileiro do qual possamos nos orgulhar e pelo qual todos devemos lutar

  • Por Ricardo Guerra

A permanente crise do sistema capitalista, escancarada pela sua incapacidade de resolver problemas como desigualdade social, pobreza, desequilíbrio entre desenvolvimento e preservação ambiental, e uma absurda (cada vez maior e imoral) concentração de renda, é percebida de forma ainda mais evidente nos países do capitalismo periférico.

Nos países em estágio de desenvolvimento recente do capitalismo, aqueles correspondentes ao por Marx denominado capitalismo tardio, não se conseguiu – ou melhor não se teve a pretensão – ao menos de estabelecer condições mínimas para a promoção do desenvolvimento de forças produtivas e remuneração capazes de garantir uma estabilidade para gerar possibilidades para o próprio aperfeiçoamento do sistema, como ocorreu nos países capitalistas centrais, durante o período de mais ou menos 30 anos – após a Segunda Guerra mundial e o início da década de 1970 (a denominada Era de ouro do Capitalismo).

A “Era de Ouro do capitalismo” determinou grande prosperidade econômica, alcançada com a adoção da política econômica keynesiana,  quando então, o capitalismo entrou em crise sistêmica. Aí veio o colapso dos acordos de Bretton Woods (em 1971), e sucessivas crises, como as do petróleo em 1973 e em 1980, o“crash” da bolsa em 1973-1974a crise financeira na Rússia e suas consequências no Brasil em 1998. Uma interminável sequência que inclui a “bolha” no ano 2000, passa pela crise financeira de 2007/2008 e perdura até os dias atuais e estabelece estreita relação com a especulação financeira e as condições de incerteza que ela gera.

O processo de criação de riqueza financeira fictícia, oriundo da transição do período de prosperidade econômica (sob uma esfera real de produção) para a financeirização do capitalismo, tornou a especulação mais importante que a própria produção real da riqueza. Essa separação é um imenso e potencializador fator gerador de crises e vem acelerando a condução do sistema capitalista para sua autodestruição, conforme previu Marx.

Como, em sua essência, o capitalismo é um sistema instável e propenso a crises, os donos do capital transnacional recorrem às instituições políticas e ideológicas para manter e exercer seu poder e controle sobre a sociedade sempre pregando um falso e fracassado discurso de uma prometida estabilidade, que sempre está por vir e nunca chega.

Mas a realidade é que o sistema capitalista é insustentável, sabota a si mesmo e não resolve nenhum dos seus problemas fundamentais, fato que – por si só – já seria suficiente para que fosse empreendido um esforço para impulsionar a criação de alternativas e sua consequente superação.

Contudo, ao invés de uma natural e esperada abertura para outras possibilidades, cogitando-se perspectivas para essa superação, o que se percebe é uma constante tentativa de esconder a realidade e a proposição de vias para reorientar o processo sem mudar seus paradigmas e assim se conseguir manter o domínio e narrativa dos fatos. O que é pior, é que, apesar de cada vez mais o capitalismo vir mostrando a sua face intrínseca moralmente degenerada e insustentável em termos de plano humano, o Estado, refém de uma arquitetada aliança entre os ricos e a classe média, virou ao mesmo tempo seu refém e cúmplice.

Agindo como uma espécie de Robin hood às avessas, o Estado atua constantemente para tentar garantir a manutenção desse moribundo sistema, que a cada dia agrava e perpetua as desigualdades sociais, tendo nos países do capitalismo periférico, as classes dominantes como suas aliadas no processo de destruição das bases produtivas e entrega do patrimônio financeiro, público e estatal, determinando imenso prejuízo ao desenvolvimento do próprio país e a melhoria na qualidade de vida da população, como é o caso do Brasil.

Assim, de crise em crise, o dinheiro fácil, gentilmente fornecido pelos bancos centrais, vai ao encontro do capital para socorrer o sistema (sem nunca ser direcionado em favor do trabalho), incentivando o investimento especulativo em demérito do capital produtivo e promovendo o “socialismo” para os ricos (1% da população, que no Brasil estima-se ser 0,1%) e o capitalismo selvagem e predador para os pobres.

Após a Grande Depressão e no período subsequente aos intensos conflitos e guerras em escala mundial, os países desenvolvidos decidiram que o sistema econômico internacional necessitava de uma ação intervencionista do governo e a administração pública da economia passou a tratar como prioridade políticas públicas de emprego, estabilidade e crescimento. O Estado assumiu  a responsabilidade de garantir aos cidadãos bem-estar econômico e social, sendo vivenciada uma situação com elevadas taxas de crescimento econômico e grande redução da desigualdade e estabilidade financeira, até o início dos anos 1970.

Então veio a crise do petróleo e houve uma redução das taxas de crescimento e lucro no início da década de 1970, nada que tenha levado a uma crise com as proporções da Grande Depressão ou a atual crise financeira global, mas logo os dois países desenvolvidos de pior desempenho econômico nesse período (os EUA e o Reino Unido) – trataram de arquitetar e organizar um novo arranjo econômico e político para o mundo, em busca de recuperar as elevadas taxas de crescimento anteriormente obtidas, mas não mais com base na produção real.

Foi estabelecida, para isso, uma coalizão visando não só propagar ideias, mas principalmente alçar ao poder rentistas e financistas que defendiam o neoliberalismo e a prática da financeirização. Dessa forma, o modelo keynesiano foi substituído pela pela política econômica neoclássica e os modelos de crescimento substituíram a chamada economia do desenvolvimento.

Com a gigantesca hegemonia econômica e militar adquirida no período pós-guerras, mas com uma dívida pública que aaumentava, em grande parte impulsionada pelos gastos com a guerra contra o Vietnã, os EUA romperam unilateralmente os acordos de Bretton Woods – decretaram o fim da conversibilidade do dólar ao ouro – e aí começou a se desencadear a exponencial financeirização do sistema, a contrarrevolução neoliberal ou neoconservadora que nos conduziu a atual situação na qual nos encontramos.

O Banco Central dos Estados Unidos começou a imprimir moeda em grandes quantidades e, para desovar o excesso de liquidez de moeda podre, impulsionou empréstimos a taxas de juros baixas aos países periféricos do capitalismo, com uma grande armadilha: os juros flutuantes, cujas condições para flutuação – como, quando e quanto – seria definida de acordo com os interesses (é lógico) deles, os credores.

Quando os juros explodiram, um forte trabalho de “convencimento” mundial foi realizado para se impor a reacionária ideologia do neoliberalismo, cujo objetivo explícito era reduzir os salários indiretos por meio da “flexibilização” das leis de proteção ao trabalho, tanto as que representavam custos diretos para as empresas, quanto as que envolviam a redução de todos os benefícios sociais proporcionados pelo Estado.

Dessa forma, negando a importância do conceito de interesse público e exaltando a adoção do individualismo como política de Estado, deixaram os cidadãos órfãos do papel regulador e protetor do Estado, contexto no qual se insere a falácia do conceito de meritocracia (ver aqui, aqui e aqui). Ademais, investiram fortemente na ideia de redução do porte do aparelho do Estado e na desregulação (principalmente dos mercados financeiros) e, de olho na ampliação de oportunidades de investimentos para suas empresas e capitais, se lançaram mais vorazmente ainda sobre o nosso patrimônio estatal martelando a ideia de que a salvação do sistema estava na privatização das empresas públicas.

Assim, contando sempre com traidores locais (ver aqui, aqui, aqui, aqui , aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) vão avançando sobre o nosso patrimônio financeiro, público e estatal e assim vão-se recursos naturais, pré-sal, soberania energética e estratégica, nossa capacidade de produzir tecnologias avançadas e inovação: até a soberania de nosso território está sendo perdida.

O discurso de supremacia do capitalismo burguês de há muito só funciona à base de muita mentira, manipulações e violência física e comunicacional e, como era de se esperar, na prática, o oposto do que sempre é prometido nos permanentes ciclos de crise do sistema capitalista ocorreu: as taxas de crescimento foram diminuindo enquanto a instabilidade financeira foi aumentando.

Nos anos de convivência com o neoliberalismo a desigualdade cresceu vertiginosamente, sendo privilegiado – como sempre – o ínfimo percentual dos mais ricos de cada sociedade e  Estado Nacional e assim abriram-se possibilidades para que pudessem ser trilhados caminhos, até então não cogitados ou permitidos pelos senhores do capital e as classes dominantes que lhes representam em âmbito local.

Cegamente apoiados por uma visão geopolítica predatória e perspectivas de economia e política geoestratégica agressivas, os países imperialistas, no nosso caso específico os EUA, em busca de assegurar a expansão de seu domínio, levou toda a América Latina e o Brasil a uma posição subalterna e condicionou o desenvolvimento desses países a uma conformação dependente e vinculada à capacidade, quase que exclusiva, de investimentos privados. Estratégia que também serviu para assegurá-lo como principal credor desses países e, é claro, para abrir mais mercados para exploração econômica e expansão de suas empresas.

No entanto, a dependência e o subdesenvolvimento, diferente daquilo que entoa o canto da sereia do neoliberalismo, são os marcos não só da condição sistêmica da crise do capitalismo sobre nós, mas representam a sua condição terminal – sob constante processo de estagnação – e exige que cada Estado Nacional reflita sobre a necessidade e possibilidade de sua substituição por outra forma de organização social e um modo próprio de desenvolvimento orientado para a superação e não mais a uniformidade.

Sem perder o foco nas características e necessidades locais, é preciso pensar na humanidade como um todo para ter condições de ver que o problema da superação do capitalismo está colocado e pode ser resolvido, mas apenas sob a perspectiva de uma visão solidária e cooperativa de economia, em contraposição à posição dominante – individualista e predatória. E não é abdicando da possibilidade de construirmos nossas próprias variantes de organização social que isso será possível.

As variantes ideológicas criadas com o objetivo de dar uma sobrevida às economias periféricas submetidas às propostas neoliberais e o protocolo de usurpação definido pelo Consenso de Washington, o social-liberalismo e o novo-desenvolvimentismo (que são o máximo que o grande capital é capaz de nos conceder) sequer foram plenamente vivenciados no Brasil.

E o mais grave, é que na curta experiência que tivemos de algo mais ou menos parecido com isso, mesmo com os rentistas e representantes do capital financeiro nacional e internacional sendo amplamente beneficiados, nada  foi feito contra o assalto perpetrado contra o patrimônio nacional, quando meio Brasil foi entregue a troco de nada na década de 1990. Ao contrário, apesar de menos agressiva a investida imperialista nunca cessou e as ações de entreguismo continuaram a acontecer (ver aqui sobre o umbrella dealo caso Banestado e O Doleiro).

As nossas classes dominantes desde sempre operam para garantir para si e para o capital transnacional acesso privilegiado aos nossos recursos e bens públicos, em detrimento dos mais pobres e miseráveis, mas não toleram que o Estado exerça a mínima ação reparadora contra as injustiças cometidas contra a maioria da parcela mais vulnerável da população: sequer consentem que seja realizada uma reforma administrativa estatal, com o objetivo de adaptar o Estado às suas  fundamentais e necessárias funções de regulação econômica e atuação nas lacunas e falhas do mercado.

Compreendido isso, a sociedade brasileira precisa ter clareza que, independente da opção que desejarmos tomar para conduzir o nosso processo de desenvolvimento, a soberania é a questão que deve se apresentar como principal fator e, sem um Estado Forte, nenhum país consegue estimular o seu desenvolvimento, nem tão pouco afirmar sua soberania.

O sentimento de pertencimento a uma Nação depende da efetividade de um Estado Forte que garanta direitos e cumpra com suas obrigações perante o povo que representa, sendo a justa redistribuição da riqueza material produzida um aspecto fundamental para a construção e o fortalecimento do Estado.

A força estatal é que determina a realidade nacional e só ela pode ampliar e garantir as possibilidades para a solidificação de bases físicas para a autodeterminação de uma sociedade – o seu desenvolvimento. No entanto, sem domínio e capacidade de aplicação da tecnologia nuclear e sem uma reorientação nacionalista no âmbito das nossas FFAA, pouco ou nada avançaremos.

“Exército Brasileiro: retire da bainha vossa espada e resgate do algoz a Nação. Livrai-nos das garras imperialistas e pela glória que em vossa farda rebrilha, extirpe de vosso seio a traição. Em seu valor é que se encerra a esperança de que o Brasil recupere a pujança e retome o seu destino às mãos! …Como é sublime saber amar, com a alma adorar a terra onde se nasce!” (Poema/paráfrase que escrevi, usando como texto fonte o Hino do Exército. Publicado originalmente aqui).

Aos pacifistas (e eu estou entre os incluídos neste grupo), é preciso destacar que a necessidade de capacitação para construir armamento nuclear aumentará o nosso poder de barganha em negociações internacionais e o nosso poder dissuasório frente a investidas hostis de países, inclusive abordagens imperialistas de caráter colonizador, como as que estamos e somos submetidos desde sempre, mas em nada mudará a postura ou o caminho preferencial pela paz sob os quais nossa sociedade é comprometida.

Por exemplo, a China e a Rússia, por dominarem essa tecnologia, puderam fazer suas escolhas quanto a forma de organização social e o modelo econômico e de desenvolvimento por eles a ser seguido, sem sofrer ameaças que os obrigassem a se desviar do caminho por eles decididos, o que, com toda certeza, é algo praticamente impossível de acontecer com o Brasil e demais países latino americanos sem que haja interferência dos EUA. Além do mais, o uso bélico é apenas uma das aplicações tecnológicas da energia nuclear, a qual se encontra presente em diversas áreas de importância para o desenvolvimento nacional.

É indispensável, portanto, nos voltarmos para nossa realidade e a partir dela pensarmos a elaboração de um projeto de (re)construção nacional soberano, alçado de acordo com nossas necessidades e interesses e sobre os fundamentos culturais de nosso país, como o fizeram, por exemplo, a China, os EUA e a Rússia.

Mas sem soberania para decidir o nosso destino, projetos de interesses nacionais, independentes de suas características mais ou menos ousadas ou mais ou menos arrojadas, jamais terão vida longa em nosso país, haja vista a voracidade com que o imperialismo estadunidense  as combateram e agiram (e ainda combatem e agem) para desmontar os legados das experiências a partir deles vivenciadas, com o Nacional Desenvolvimentismo Trabalhista de Vargas, o Nacional Desenvolvimentismo Militar de Geisel e o Novo Desenvolvimentismo Neocorporativista de Lula e do PT.

O movimento histórico demonstra que os processos de desenvolvimento não foram os mesmos em toda parte e precisamos compreender que a diferença é um processo ativo de criação e recriação no qual podem estar contidas as sementes do futuro, seja ela pela via do neokeynesianismo, do novo desenvolvimentismo ou do socialismo do Século XXI.

Um Projeto de  Desenvolvimento Nacional livre de qualquer vinculação com o ideário proposto pelo capitalismo laissez-faire, a falácia do Liberalismo Econômico e suas variantes – neoliberalismo e ultraliberalismo – com agressivo potencial de aprofundamento ao assalto perpetrado ao estado e imposição de  permanente condição de subdesenvolvimento e dependência aos países em estágio de desenvolvimento recente do capitalismo, deixando-os fora do padrão tradicional de desenvolvimento capitalista e determinando a sua inserção nesse contexto subordinada às diretrizes colonizadoras dadas pelo imperialismo.

Não existe um modelo único, inquestionável e hegemônico a ser seguido, e muito menos devemos nos submeter a imposição ditada por quem quer que seja e reconhecer a diversidade de opções é que abrirá espaço para a construção de um Estado Nacional Brasileiro do qual todos possamos nos orgulhar: soberano e que priorize a integração nacional e a justa distribuição da riqueza aqui produzida.

Não podemos mais continuar “eternamente deitados em um berço tão esplêndido”, enquanto as rédeas do nosso próprio destino nos são furtadas do comando exclusivo das nossas mãos!

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