Expresso da Meia-Noite / Caderno Mensal (01.06.2020)

Caros Expressonautas,

Essa é a segunda edição do Caderno Mensal do Expresso da Meia-Noite. Na presente publicação, apresentamos um artigo formatado a partir de abordagens e publicações sugeridas pelos participantes do Grupo D.E. no Telegram quanto a possibilidades de desenvolvimento e alternativas para a organização da vida social em países capitalistas periféricos. 

Esperamos que façam uma boa leitura.

MARX, A  ORGANIZAÇÃO DE UM MODO PRÓPRIO DE DESENVOLVIMENTO E A TRANSIÇÃO PARA O SOCIALISMO NOS PAÍSES CAPITALISTAS PERIFÉRICOS

Por Ricardo Guerra; Jobson Lopes; Felipe Alves

Nenhuma sociedade humana deixou de sofrer com a investida da expansão europeia em busca de novos mercados comerciais no final do século XV e início do século XVI.

Nesse período, sob a égide da ideia de progresso, a burguesia europeia assumiu como legítimo o papel que exerceu como emissária e promotora de transformações (auto) proclamadas de caráter universal e sociedades foram sendo desestruturadas em decorrência dessa necessidade de busca por um polo fornecedor de matérias primas e força de trabalho, para dar sustentação a essa expansão. 

Ao se expandir para as demais regiões, o sistema de produção de mercadorias (que já existia antes do modo de produção capitalista) foi se generalizando e o produto do trabalho humano (antes destinado apenas ao uso do produtor, na maioria das regiões) começou a escapar ao seu controle. 

Dessa forma, a mercadoria, entendida como o que se produz para a venda e não mais para o uso imediato, fez o processo de produção passar a dominar as pessoas e a ampliação do mercado, para as mais diversas áreas, levou a própria vida humana a ser mercantilizada e a mercadoria a se transformar no princípio organizador da vida social. 

Compreendendo isso, Marx estabeleceu que o ponto de partida para entender a sociedade deveria ser a própria mercadoria, e, analisando os fundamentos relacionados ao seu valor, desenvolveu o conceito da forma-mercadoria, que seria a chave necessária para esse entendimento.

De acordo com o conceito da forma-mercadoria, as potencialidades das contradições entre o valor de uso das mercadorias (seu valor natural enquanto objeto de uso) e que representa o que Marx chama de “trabalho concreto” e o seu valor de troca (valor de uso social dessa mercadoria), que representa o por ele denominado “trabalho abstrato” deram bases de sustentação a esse processo de investida expansionista, visto que, o valor de toda mercadoria é representado pelo “trabalho abstrato” empregado na sua produção e não mais se caracteriza apenas pelo trabalho realizado pelos indivíduos. Representa, também, o trabalho alienado pelo capitalista, através da destituição do trabalhador do controle do trabalho e do produto gerado por esse trabalho.

O entendimento desse processo conduz a compreensão que ele só pode ser concretizado a partir da opressão de uma classe detentora dos meios de produção (a burguesia capitalista) sobre outra, que vende sua força de trabalho para produzir as mercadorias (os trabalhadores). 

A força de trabalho, ao ser vendida, torna-se também uma mercadoria e isso cria a possibilidade para a acumulação de capital por parte do capitalista, decorrente da disparidade entre o valor pago ao trabalhador e o valor produzido pelo seu trabalho. Ou seja, o capitalista ganha a medida que o trabalhador perde. 

Portanto, pensar  na possibilidade de surgimento de uma nova dinâmica de convivência humana, implica, necessariamente, que o componente organizador da vida social não seja mais – ou pelo menos, não seja apenas -a acumulação de capital e, tão pouco, permaneça baseado na alienação econômica do trabalho.

Nesse sentido, ao propor a realização de um debate sobre o advento de uma nova sociedade, precisamos questionar a necessidade de aumento incessante na quantidade de mercadorias e de ampliação de espaço geográfico em busca de mais riquezas e mais populações para consumir, originada da expansão do Capitalismo Europeu. Essa permanente obrigação pela criação de novos bens e, consequentemente, de novas necessidades, fazem as mercadorias transcenderem o seu caráter real e serem revestidas de um atributo fantasioso que realimenta todo esse processo, que é estruturado a partir de uma relação desigual de poder orientada pelo e para o lucro, e desencadeou um dos mais terríveis e perturbadores componentes sociais na relação humana: a desigualdade social. 

A contradição indissociável do capitalismo, caracterizada pela sua capacidade de fomentar condições para um alto desenvolvimento das forças produtivas mas não conseguir promover a eliminação da desigualdade social e da pobreza, é a questão em torno da qual o debate sobre a possibilidade de transformação social precisa tramitar, e, no caso do Capitalismo periférico, que é o foco da nossa atenção nesse artigo, essa contradição se torna ainda mais evidente pelo fato de, nesse contexto, não se ter conseguido estabelecer condições para a promoção do desenvolvimento de forças produtivas e remuneração capazes de garantir uma estabilidade e gerar condições para seu aperfeiçoamento, como ocorreu nos países centrais.

Na periferia do Capitalismo, grande parte da população sequer foi absorvida no quadro do proletariado industrial e uma enorme massa de despossuídos permanece imersa em uma constante luta pela sobrevivência, o que denota a incapacidade do Sistema em generalizar os avanços alcançados no centro. E é essa inaptidão estrutural do Sistema Capitalista – de generalizar suas promessas de homogeneização entre o centro e a periferia – a fissura por onde a possibilidade do novo poderá emergir. 

E superar a visão eurocêntrica de homogeneização é o primeiro passo rumo à transformação. 

O princípio organizador da vida social baseado na acumulação de capital e na forma-mercadoria, não consegue mais responder às necessidade da humanidade e o desafio está posto: alterar estruturalmente a correlação de forças entre as classes sociais, de forma a se edificar uma nova lógica de funcionamento da organização social. Uma lógica, que não gere riqueza em favor apenas de uma minoria e exclua a maioria, a força de trabalho que proporciona a possibilidade da acumulação capitalista – Uma lógica Socialista. 

A luta de classes é o componente necessário para criar condições para a superação do Sistema Capitalista e eliminação do processo de exploração no contexto do trabalho. E a história revelou duas importantes possibilidades de superação desse modelo econômico, baseadas na visão eurocêntrica.

De um lado, nos países centrais do ocidente, os trabalhadores se organizaram a partir de um modelo pautado na ideia de que o sistema pode ser superado através de reformas e baseado numa luta, essencialmente pacífica: A Social Democracia. Por outro lado, surgiu um modelo que apostou no confronto entre as classes, no qual um lado impôs ao outro a própria vontade: A Revolução. 

De acordo com os parâmetros da Social Democracia, as reformas iriam produzir uma transformação processual direcionada à transição do modelo econômico, dentro das regras do sistema democrático e regulado pela competição eleitoral, que, associada à pressão sindical, faria prevalecer os interesses da maioria. Essa estratégia se mostrou limitada, pois não conseguiu produzir uma sociedade nova, sem exploração, visto que as reformas nem sempre geram avanços cumulativos e facilmente podem ser revertidas.

No caso da Revolução, a estratégia de enfrentamento como uma “variante de guerra” inicialmente vitoriosa, ao se estabelecer em torno de um modelo de organização, formatado nos parâmetros de Capitalismo de Estado como uma proposta de oferecer resultados melhores que o Capitalismo de Mercado ofertava, caiu. Assim, a Revolução, quando enfrentou a possibilidade de uma crise estrutural, perdeu a força que a sustentava (a mobilização popular) e a burguesia burocrática que se formou a partir desse modelo se viu obrigada a ceder e capitular, como visto na antiga URSS.

Dessa forma, os caminhos da Reforma ou da Revolução, até então propostos para superar o modelo capitalista de economia alicerçados numa visão eurocêntrica de mundo, mostraram-se limitados e/ou problemáticos e não foram capazes de resolver a crise do sistema, promover uma transformação social consistente e contínua, nem conseguiram realizar a desejada transição para o Socialismo.

Nesse contexto, o que se revela claro é que o futuro para a transformação social não passa pela subordinação ao sistema Europeu. 

É necessário imaginar o futuro da organização da vida social pela ótica da superação e não mais da uniformidade. Só pensando na humanidade como um todo é que teremos condições de ver que o problema da superação do capitalismo está colocado e pode ser resolvido. E não é negando a possibilidade de que outros povos construam suas próprias variantes de organização social que isso será possível. 

O próprio capitalismo nos mostra essa necessidade produzindo contradições e tendências diferentes que surgem entre centro e periferia, nas quais a situação de dependência se auto-reproduz e configura-se como um círculo vicioso, mas não como uma fatalidade, pois há, maior ou menor, chance para o desenvolvimento autônomo de um país de acordo com a orientação antiliberal e a agenda dirigida pelo Estado em situação dependente. Taiwan, Coreia do Sul e o Brasil já nos deram exemplos dessa possibilidade.

Portanto, reconhecendo que o movimento histórico não foi o mesmo em toda parte, é preciso compreender que a diferença é um processo ativo de criação e recriação no qual podem estar contidas as sementes do futuro. Argélia, Cuba, Coreia do Norte, China, Venezuela, com seus erros e acertos, indicaram que existe a possibilidade de se investir nesse caminho.

Um caminho, no qual o processo histórico da reorganização da vida humana  seja orientado para a superação do predomínio da esfera econômica dominada pelo valor de troca e abra espaço cada vez maior, para a diversidade na experiência do existir humano.

Uma experiência que garanta aos povos que representam a maioria da humanidade, a oportunidade de construção de suas próprias variantes históricas, sem interferências externas, no sentido da transformação social e transição para a nova sociedade, como a queremos. No nosso desejo – Socialista!

Referências: 

Estratégias dos Estados Nacionais frente ao processo de globalização

Marx e a Transformação Social

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