O Sistema da Dívida e as manobras do governo/burguesia nacional para ocultar os mecanismos financeiros da criminosa dívida pública do Brasil

Por Alejandro Acosta e Ricardo Guerra

Representado por uma burguesia entreguista e culturalmente cooptada, que majoritariamente se coloca a serviço do imperialismo e dos interesses do capital transnacional (ou é chantageada para isso), o governo brasileiro vem realizando continuamente, ao longo da história, inúmeras manobras para promover e ocultar a corrupção oficializada da dívida pública nacional.

De acordo com Maria Lúcia Fatorelli, auditora fiscal, coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida e membro da CAIC (Comissão para a Auditoria Integral da Dívida Equatoriana) no Equador em 2007-2008, muitos são os artifícios utilizados com o objetivo de aliviar a apresentação dos números da dívida, não deixando transparecer a gravidade do problema do endividamento público no Brasil.

Para começar, o montante da dívida pública amplamente divulgado pelo governo e grande mídia é, em geral, bem inferior ao que consta dos próprios dados oficiais que pesquisamos. Isso decorre da utilização do artifício denominado “dívida líquida”. Na verdade, essa definição tem como objetivo ocultar a realidade de que os “juros nominais” efetivamente pagos, são calculados e pagos sobre a dívida bruta. As amortizações idem. Portanto, o termo “dívida líquida” tem sido usado nesse contexto, apenas para gerar uma grande confusão e ilusão.

Além disso, no cálculo da dívida externa, sempre omitem a parcela da dívida do setor privado, sendo que toda ela tem como fiador o governo, constituindo-se numa obrigação pública caso as empresas privadas não a honrem: historicamente, em inúmeras ocasiões, dívidas externas do setor privado foram assumidas pelo setor público, devido a essa garantia.

Mas não fica por aí, quanto ao montante destinado ao pagamento dos juros e amortizações, outros artifícios são utilizados:

  • Não são informados os juros nominais efetivamente pagos pelo Governo Federal. A conta dos juros indica apenas a parcela dos juros que supera a atualização monetária medida pelo IGP-M;
  • Omissão do efetivo montante do serviço da dívida. Consideram unicamente a parcela paga com recursos orçamentários e excluem a parcela paga com os recursos advindos do leilão de novos títulos;
  • Divulgação errônea de que emissão de nova dívida para pagar dívida anterior seria mera troca ou “rolagem”. Na realidade, cada emissão de títulos é autônoma, passa pelo processo de leilão através dos privilegiados dealers, com custos não transparentes, e fica sujeita à reação do mercado. Portanto, não existe a tal mera troca.
    • *Adicionalmente, as investigações técnicas durante a CPI da Dívida comprovaram que parte dos juros está sendo contabilizada como rolagem, portanto, deve ser computado esse montante.

Ilegal, ilegítima e repleta de fraudes: a atual e cruel realidade da dívida

De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida, conforme é possível observar no quadro abaixo, em 2019, o pagamento de juros da dívida consumiu R$ 1.037.563.709.336, o que corresponde a quase 40% dos recursos do Orçamento Federal e a um gasto de 2,8 bilhões por dia.

Estes dados observados comparativamente com os recursos utilizados por exemplo para Saúde, Educação e Previdência Social, como é possível ver no gráfico a seguir, dão uma dimensão da gravidade do Problema.

Mas, apesar de todas as pessoas arcarem com o seu pagamento, sequer se sabe exatamente que dívida é essa, pois além da ausência de transparência, nunca foi feita a auditoria prevista na Constituição Federal: sequer sabemos para quem estamos pagando os elevados juros, pois os credores são sigilosos, apesar de a Constituição determinar a publicidade de todo ato público.

A Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado os graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes descobertas pela CPI da Dívida Pública, concluída em 2010, mas tudo isso é deixado de lado.

O estoque da dívida interna alcançou R$ 4,509 trilhões em dezembro de 2016 e seu crescimento brutal nos últimos anos (R$ 732 bilhões em 2015 e R$ 636 bilhões em 2016), deveu-se à destinação de recursos para cobrir operações ilegais:

  • pagamento de juros extorsivos, mediante artifício de contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização ou rolagem, burlando-se o Art. 167, III, da Constituição Federal, o qual impede a emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes, tais como salários e juros;
  • remuneração da sobra de caixa dos bancos, por meio das chamadas Operações Compromissadas realizadas pelo Banco Central, que superam R$ 1,1 trilhão, ou seja, cerca de 17% do PIB, e são remuneradas diariamente;
  • prejuízos do Banco Central com operações de swap cambial, consideradas ilegais, conforme representação de auditor do Tribunal de Contas da União (TC-012.015/2003-0).

Vários esclarecimentos sobre os macabros mecanismos relacionados com o parasitismo da dívida pública podem ser acessados aqui, aqui e aqui.

Os economistas oficiais, defensores da especulação financeira e do saque ao Brasil, põem o grito no céu com a mera possibilidade de que a “sacrossanta” dívida pública seja sequer questionada. Um exemplo pode ser lido no Infomoney.

Novos esquemas: ainda mais fraudulentos

Recentemente, mecanismos ainda mais sofisticados de geração de dívida pública estão sendo criados. Trata-se de esquema semelhante ao que operou na Grécia e quebrou aquele país. Funciona mediante a utilização de empresa estatal não dependente que emite debêntures com garantia pública, a exemplo da PBH Ativos S/A em Belo Horizonte e a CPSEC S/A no estado de São Paulo. Já existem mais de cinquenta empresas desse tipo operando no País.

A PBH Ativos é uma sociedade anônima, criada por Lei, pelo Município de Belo Horizonte, que se diz independente do Tesouro Municipal e que tem como objetivo o lucro: um modelo implantado para promover, de maneira rápida, a privatização do patrimônio público e foi criado em 2010, com um capital inicial de R$ 100 mil, cujo maior acionista é o município de Belo Horizonte.

Essa empresa foi formada com o objetivo de fazer Parceria Pública Privada, principalmente em obras de infraestrutura. Ela também irá captar recursos financeiros (com lançamento de debêntures lastreadas em créditos tributários) dentre várias outras atividades constantes na Lei de sua criação. Para exercer tais atividades, usa a estrutura da Secretaria de Finanças e recebe recursos do Município, entretanto, afirma-se que essa empresa não está sujeita ao controle por parte da população e é independente do tesouro municipal.

Infelizmente esse “modelo” está sendo “vendido” para grandes cidades brasileiras como sendo “muito eficaz”, o que não é verdade e simplesmente privatiza a Administração Pública. Empresas nesse modelo são construídas sob a orientação de mecanismos internacionais, vinculados à especulação financeira e com o propósito de direcionar os recursos públicos para a iniciativa privada, fora os casos de corrupção.

No caso da PBH Ativos S/A, com o desenrolar dos aportes de capital com recursos do município, o capital inicial, de 2010 até o final de 2014, aumentou mais de 2.800 vezes.

Ou seja, houve uma grande transferência de bens e direitos do município de Belo Horizonte para esta empresa – através de crédito do Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS: transferência de imóveis pelo valor mínimo, “contratação de pessoal”, mas que na verdade são servidores cedidos de forma onerosa pela prefeitura, doação de terrenos públicos do município à empresa para fins de alienação, são alguns exemplos do que aconteceu. E ainda, a emissão de debêntures, que seriam colocadas no mercado pelo BTG Pactual, com a finalidade de captar recursos, acabaram sendo adquiridas pela própria instituição e remuneradas a juros altíssimos.

Ademais, com a emissão de debêntures, há uma tentativa de burlar a própria Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Código Tributário Nacional, inclusive, com o ex-presidente da PBH Ativos, Sr. Ronaldo Eduardo Nascimento, colocando que era um modelo muito vantajoso e por ele considerado uma realidade em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul.

  • Na publicidade, ele dizia que Belo Horizonte foi a primeira capital do País a emitir debêntures e cita que os bancos JP Morgan e City Corpore estão ressuscitando o mercado de títulos de dívidas municipais no Brasil, encontrando brechas nas restrições em vigor há 15 anos só que a publicidade é do ano de 2015 e as restrições se referem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
  • O documento de publicidade estava no site (retirado do ar depois da denúncia da Auditoria Cidadã da Dívida): “vendido por meio de empresas, os governos locais conseguem securitizar o fluxo de caixa futuro” e denuncia, entre outras coisas, o engodo da securitização.

Em resumo esse modelo:

  • Não oferece ao cidadão e/ou aos movimentos sociais a possibilidade de controle. Não há acesso a vários documentos importantes, como os documentos oficiais como balanços, contratos e atas, etc;
  • Promoveu em BH a transferência de bens e imóveis da cidade por valores irrisórios que chegaram a menos que 10% do valor real. Bens e imóveis que poderiam ser usados para fazer escolas, parques, áreas de lazer, cultura, etc, com o impacto mais sério do município abrir mão de R$ 880 milhões de créditos tributários parcelados para a PBH Ativos emitir debêntures com garantia real, com um custo financeiro muito alto para o município;
  • Através de manobras jurídicas, como foi o caso da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), debêntures dessa natureza podem ser considerados como operação de crédito;
  • Tem um agravante, caso alguém deixe de pagar dentro de noventa dias o crédito parcelado, o município é obrigado a dar outro crédito em garantia. Dessa forma, o município, quando cedeu os R$880 milhões, recebeu títulos (papéis) chamados “debêntures subordinadas”. Subordinadas, porque a garantia é o capital da PBH Ativos S/A, ou seja, se a empresa quebrar, os papéis viram pó . Em suma, quem vai garantir é o município.

Assim, mais uma vez a custa do patrimônio público e do sacrifício do nosso povo os abutres do sistema financeiro vão criando mecanismos de saques ilegítimos, ilegais e fraudulentos, que retiram a capacidade administrativa do Estado de atuação em benefício da própria população e da promoção de ações voltadas para o desenvolvimento econômico e social, sem sequer as pessoas saberem por que, para quem e como estamos pagando essa dívida.

Tudo isso acontece com a anuência de nossos próprios agentes representativos, que ao invés de  defenderem os interesses daquilo que se define como “coisa pública”, agem para promover e ocultar a corrupção oficializada da dívida pública nacional em benefício dos interesses privados do grande capital – nacional e transnacional.

E a tendência é só piorar, pois o imperialismo vem impondo o fim dos superpoderes dos antigos caciques da nossa política, aqueles que ainda poderiam ter força e alguma postura de enfrentamento a essa vergonhosa situação, substituindo-os por uma nova geração, mais jovem e muito mais manipulável, escolhendo a dedos, a composição do novo MDB da ditadura – uma “oposição” frágil, moderada e, o mais importante, consentida.

No novo MDB da Ditadura (a Frente Ampla da “esquerda” Bolsonarista), o espaço para figuras como Lula, Ciro, Requião e Flávio Dino ficou muito mais reduzido e o direitismo (vide a entrega da Base de Alcântara, o avanço nas privatizações e na retirada dos direitos trabalhistas e sociais, e a manutenção e ampliação de todos os “acordos” impostos pelo imperialismo) vem avançando através de manipulações jurídicas e midiáticas, fake News, pseudo operações de combate a corrupção, lawfare, kompromat e “programação mágica” das urnas, entre outros mecanismos:

“agora é a vez dos ‘identitários’ que gostam dos “Senhores da Guerra” e estão iludidos com essa farsa da luta política pela “democracia” nos EUA, na qual o ‘Partido Democrata’, como bem se sabe, é assessorado pelo que há de mais reacionário e poderoso no seio do imperialismo ianque e recebe apoio dos especuladores financeiros e que são a favor do fortalecimento das forças repressivas!”.

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