A infame Lava Jato agora como política penal
Por Maria Eduarda Freire, para o Duplo Expresso
O ex-juiz, Sérgio Moro, no discurso de posse como ministro da Justiça e da Segurança Pública, deu algumas pistas sobre as propostas que pretende aprovar no Congresso Nacional com conteúdo claramente autoritário, ideológico e populista.
Uma das propostas é tornar lei a execução provisória da pena em segunda instância, afirmando o ex-juiz “beneficiar toda a população com uma justiça célere, consolidando tal avanço de uma maneira mais clara na lei. Processo sem fim é justiça nenhuma”.
O discurso autoritário do ex-juiz que pretende extirpar de vez cláusula pétrea do texto constitucional que assegura o direito fundamental a presunção de inocência não é novo. O bom e velho discurso autoritário sempre apela para a ideologia da “defesa social” que se expressa na falsa dicotomia “interesse coletivo versus interesse individual”.
Basta darmos uma rápida lida na virulenta exposição de motivos do Código de Processo Penal de 1941, assinada por Francisco Campos, que também ocupou o cargo de ministro da Justiça na ditadura estadonovista, e foi o principal articulador do pensamento autoritário no país, para que nos deparemos com a seguinte frase “urge acabar com a primazia do interesse individual sobre a tutela social”, e que “as garantias processuais são favores do Estado”, ou seja, o costumeiro maniqueísmo legitimador de regimes de exceção.
Não nos esqueçamos que a nossa legislação processual foi a base jurídica para o Estado de Exceção Varguista, inspirada no “Código Rocco” italiano do governo fascista de Mussolini, cujo redator, Manzini, considerava a garantia da “presunção de inocência” algo “irracional”, assim como todo ditador que quer dispor arbitrariamente das liberdades, considera.
O discurso do ex-juiz serve à Estados de Exceção e também está presente no nazi-fascismo que introduziu o conceito de “comunidade do povo” que tinha o compromisso ideológico de anular as garantias liberais, destituir o individuo de direitos contra o Estado. O indivíduo passou a ser meio para fins estatais – Você não é nada, seu povo é tudo – Era o lema dos nazistas, o que conduziu que não houvesse direitos humanos e do cidadão na Alemanha de Hitler.
Portanto, a ação ideológica, dissimulada e autoritária, sempre se coloca em defesa de uma sociedade abstrata, impessoal e transcendente em detrimento dos direitos individuais concretos.
A nossa Constituição de 1988, elegeu a pessoa individual, portadora de direitos, como centro da ordem jurídica, e dispõe no seu artigo 1 a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o Direito brasileiro proíbe que se use uma pessoa como instrumento à serviço de ídolos que transcendam a pessoa mesma. Infelizmente, o caráter consuetudinário das práticas autoritárias impediu que o nosso sistema de justiça descolasse da tradição jurídica fascista e absorvesse os postulados constitucionais de garantia dos direitos humanos e do sistema acusatório.
O ex-juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça, como também o ex-juiz Wilson Witzel, atual governador do Estado do Rio de janeiro são o símbolo do fascismo e da violência institucional do Judiciário brasileiro avesso à legalidade e aos direitos humanos. Recentemente, o ex-juiz Wilson Witzel (sobre quem já escrevi no texto “A Autocracia Genocida de Wilson Witzel”) disse que “Precisamos ter a nossa Guantânamo!”. Ele declara publicamente, mais uma vez, o seu “desejo de matar”, e a necessidade de satisfação dessa pulsão sádica na criação de uma Guântanamo particular, não satisfeito com as “Guantânamos” já existentes. Ou melhor, as penitenciárias brasileiras, onde seres humanos já são torturados, decapitados, estuprados e degradados de todas as formas possíveis.
O juiz “combatente do crime” é a expressão máxima desse autoritarismo contínuo. A “Justiça Policial” brasileira se assemelha à justiça da Alemanha Nazista, onde os juízes nazistas declaravam que seriam “duros com o crime” e que “os prisioneiros não estariam em situação melhor que os desempregados alemães”. Ora, se o juiz existe para prender é prescindível a existência da figura do próprio juiz, basta a polícia. A subordinação do processo penal a esfera política do poder punitivo é a instauração do Estado Policial que vitima todos os dias a população pobre brasileira nos nossos presídios ilegais, população esta, que nunca conheceu o processo como proteção da cidadania contra o arbítrio Estatal, garantido na Constituição.
Os conceitos “celeridade” e “eficiência” da Justiça presentes no discurso do ex-juiz transporta conceitos privatísticos do processo civil para o processo penal que é matéria de direito público, por excelência. A proteção do réu é pública, em matéria penal os interesses do réu, superam e muito a esfera do privado, porque se situam na dimensão dos direitos e garantias fundamentais, portanto, público, de todos e de cada um de nós. A administrativização do processo penal substitui as garantias processuais por garantias de eficiência repressiva.
O ex-juiz Sérgio Moro também quer “transplantar” para o nosso sistema jurídico de tradição romano germânica – ou Civil Law –, uma “anomalia” imoral do sistema jurídico estadunidense – de tradição Common Law –, chamada “plea bargain” para, segundo ele, “desafogar a justiça”. Um eufemismo para “amontoar os presídios com pobres e negros”. O “plea bargain”, seguindo a tendência nefasta de privatização do processo penal, é um contrato privado entre acusação e réu, e além de ser incompatível com o nosso sistema jurídico que tem como base a legalidade é o principal fator que tornou os EUA, o país com a maior população carcerária do mundo, onde muitas pessoas inocentes são coagidas pela acusação a declararem-se culpadas, ou assumir a culpa de crimes que não cometeram para não sofrerem uma retaliação ou mais grave penalidade por querer ser levado a julgamento.
O “plea bargain” não é um “acordo”. Quem está com a liberdade e a vida em jogo? O “plea bargain” é coação unilateral contra o individuo por parte do Órgão Ministerial hiperemponderado, que detém o monopólio da violência repressiva do Estado e que não se submete aos limites da legalidade. O “plea bargain” é o responsável por uma série de acusações e imputações infundadas contra pessoas, verdadeiras incriminações políticas que não passam pelo controle jurisdicional. Não existe “acordo” entre partes desiguais, existindo uma enorme disparidade de forças entre as partes, onde o réu se encontra encurralado pela força do Estado Policial em seu paroxismo com a prova do inquérito “inquisitorial”, contrário ao sistema acusatório que tem como fundamento o principio dispositivo da prova produzida em contraditório e não a preponderância dos elementos do inquérito.
O “plea bargain” suprime uma séria de garantias fundamentais, como o direito à presunção de inocência, ao devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. O Ministério Público está disciplinado pela lei e não pode escolher, discricionariamente, que acusações fará ou não. O agigantamento do Ministério Público é correlato ao amesquinhamento dos direitos de defesa e da cidadania.
A infame operação Lava Jato virou política penal estatal.
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