A crise brasileira se aprofunda
Texto originalmente publicado em Tiempo Argentino, em 06/01/2018 e reproduzido aqui com autorização do autor (tradução de nossa redação).
Por Eduardo Jorge Vior*, da Redação do Duplo Expresso
Jair Messias Bolsonaro gosta de ser reconhecido como “o Trump dos Trópicos”. Ele admira a figura e o desempenho de seu colega, mas sua política está mais para uma reminiscência da República Oligárquica (1889-1930) do que para o imperialismo plebeu de Trump.
Encerrado entre tecnocratas ultra-liberais, pastores evangélicos pró-Israel e militares conservadores, o presidente recém-ungido muda de posição todos os dias. Por exemplo, sobre a reforma previdenciária. Essa [posição com maior] moderação contrariaria a demanda por fundos de investimento, mas atenderia à opinião da maioria. No entanto, o presidente anunciou na mesma entrevista que analisa a eliminação da justiça do trabalho. Durante a entrevista, Bolsonaro também confirmou que vai privatizar aeroportos, portos e ferrovias e não descartou a possibilidade de discutir “no futuro” a instalação em território brasileiro de uma base militar estadunidense.
Desde que assumiu o cargo, o presidente também mudou sua posição sobre a fusão da Embraer com a Boeing, que ele promovia durante a campanha eleitoral. As objeções da Força Aérea parecem tê-lo convencido da necessidade de moderar essa dita associação.
Distância similar entre a retórica eleitoral e a prática presidencial pôde ser observada na sexta-feira, na declaração do Grupo de Lima, que retirou de seu comunicado a ameaça de invasão da Venezuela. O documento aprovado por 13 dos 14 membros (o México se opôs) ignora a eleição de Nicolás Maduro como presidente e pede que ele não assuma este 10 de janeiro, mas omite referir-se à intervenção militar. É que o exército brasileiro respalda as pressões contra Caracas, mas se recusa a intervir ali.
O realismo também prevaleceu na suspensão da transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. De fato, Benjamin Netanyahu participou da cerimônia de posse de Bolsonaro para simbolizar a parceria privilegiada com o novo governo, mas os países árabes compram 40% das exportações de carne bovina brasileira. Um negócio de cerca de 7,1 bilhões de dólares anuais que a ministra da Agricultura – Tereza Cristina (lobista dos grandes conglomerados agrícolas) – não estava disposta a perder… e ganhou.
Tampouco será tão fácil romper o Mercosul, como pretende o ministro Paulo Guedes. O ministro das Relações Exteriores – Eduardo Araújo – pretende voltar à diplomacia de 1900, quando o Brasil favoreceu a aliança com os Estados Unidos e Chile para isolar a Argentina, mas ao Brasil não será fácil impor suas fantasias hegemônicas de seus vizinhos sul-americanos.
Entretanto, em uma entrevista à Folha de São Paulo, o general Edson Leal Pujol, que em 11 de janeiro assumirá o comando do Exército, considera negativa a participação dos militares na política, e rejeitou o seu envolvimento na luta contra a criminalidade.
O programa e a coalizão governamental de Jair Bolsonaro apontam um retorno à República Oligárquica, baseada na exportação de mercadorias e sem direitos trabalhistas nem sociais. Sem dúvida, cada uma das forças heterogêneas participantes tem seus interesses e projetos próprios. Se Bolsonaro quer sobreviver e até ser reeleito, deverá ceder as pressões conflitantes, saltando de crise em crise. Se não fizer concessões e pretender impor sua visão ideológica, ele apenas apressará a fratura. O Brasil entrou em um curso ziguezagueante que afetará todo o continente.
* Eduardo Jorge Vior é graduado em História pela Universidad de Buenos Aires (1977), mestre em Ciências Políticas pela Ruperto-Carola-Universität Heidelberg (1984), doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2011) e doutor em Ciências Sociais pela Justus-Liebig-Universität Giessen (1991). Ex-professor adjunto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA –, na área de Ciência Política e Sociologia. Ele comenta regularmente no Duplo Expresso às quintas-feiras abordando as complexas ligações que envolvem as nações-irmãs Brasil e Argentina com seus vizinhos no Cone Sul.
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