A Autocracia Genocida de Witzel

Por Maria Eduarda Freire, para o Duplo Expresso

No Rio de Janeiro, o governador eleito, Wilson Witzel, solicitou uma pesquisa às tropas das polícias do Estado que apresente o número de atiradores de elite a disposição para trabalhar no que ele chamou de “abate de criminosos”. Wilson Witzel pretende autorizar a policia a assassinar pessoas nas favelas que estejam portando fuzis, sem que os policiais respondam penalmente por homicídio, mas enquadrados na legítima defesa, resgatando a proposta de segurança pública feita pelo presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, que é “metralhar a favela inteira”.

O artigo 25 do Código Penal define que age em legitima defesa quem “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. O simples fato de alguém portar uma arma não configura agressão iminente ou em vias de ocorrer, mas mera presunção. O código penal não admite a legítima defesa presumida, há necessidade de verificar, concretamente, se há uma agressão imediata.

Imagine um atirador de elite, posicionado em um ponto da favela, onde não possa ser visto a olho nu por alguém que ilegalmente porta um fuzil. Na proposta de Wilson Witzel, o atirador, poderia “abater” tal indivíduo. A política de segurança pública homicida do governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, promete impunidade para policias que “abaterem” quem estiver portando um fuzil e determina que a policia civil enquadre esses casos como legitima defesa.
Essa “licença para matar” dada pelo governador é a ponta do Iceberg de uma Política de Extermínio subterrânea e institucionalizada contra a população brasileira jovem pobre negra, construída como “inimiga”.

A guerra contra essa população mata a cada 23 minutos um jovem negro que totalizam 23 mil vidas perdidas pela letalidade policial por ano, com 63 mortes por dia, conforme destacado pela campanha Vidas Negras, lançada pelas Nações Unidas no país em 2017. Na estatística do genocídio está Rodrigo Alexandre da Silva, garçom de 26 anos, assassinado com três tiros disparados por policiais militares no dia 17/09/2018, enquanto aguardava a mulher e os dois filhos na favela Chapéu Mangueira. Ele segurava um guarda-chuva fechado, que os policiais supostamente confundiram com uma arma. Outro homem, Jonatas da Silva Ferreira, de 21 anos, que estava perto do garçom, também foi baleado pela Policia Militar, mas sobreviveu.

No sistema jurídico brasileiro temos repressão ao crime de genocídio em nível constitucional e infraconstitucional. A lei 2.889/56 recepcionada pela constituição de 1988, aborda expressamente o crime de genocídio, tipificando penas e condutas relacionadas à “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

A Constituição, portanto, no marco do Estado de Direito, proíbe o crime de genocídio, mas como se constrói a habilitação do uso da força policial no patamar do genocídio? A fulanização do poder policial é uma armadilha que oculta o papel político de outras agências executivas, o Ministério Público e o Judiciário na legalização do genocídio.

A autocracia genocida de Wilson Witzel não poderá isentar policiais de responsabilização penal quando matam civis por supostamente estarem portando arma de fogo de uso restrito. A palavra final não ficará a cargo do soberano “desejo de matar” de Wilson Witzel que pretende oficializar a política de extermínio, já institucionalizada nos “Autos de Resistência”, um procedimento que constrói execuções sumárias como legítima defesa e que na prática funciona como excludente de ilicitude para o crime de homicídio praticado por policiais contra civis. A palavra final é sempre exercida através da ação política do Ministério Público que pede o arquivamento dos inquéritos que apuram as condições e circunstâncias do homicídio praticado por policiais e do Judiciário que homologa a versão policial. Dessa forma, o poder executivo ordena, a policia mata, mas é o Ministério Público e o Judiciário que sempre enterram.

O discurso homicida de Wilson Witzel que em recente declaração afirmou “A polícia vai mirar na cabecinha e… Fogo” irá aumentar exponencialmente as execuções sumárias contra a população alvo da política de extermínio estatal, os jovens negros pobres, associados a uma condição histórica de não-cidadania, os “inimigos” dessa guerra, moradores do “recanto dos vencidos”, as favelas do Rio de Janeiro. E irá aumentar as fraudes processuais, isto é, as execuções sumárias forjadas pela polícia como legitima defesa para incriminar o cidadão assassinado. Uma vez não se encontrando a arma de fogo de uso restrito em posse do indivíduo, poderá plantar-se uma no local do crime, a fim de caracterizar suposto confronto seguido de morte.

A opção política pelo proibicionismo de determinadas drogas cria o mercado ilegal das drogas tornadas ilícitas e consequentemente, essa atividade econômica por ser criminalizada, precisa se valer de armas. A “guerra as drogas”, como toda guerra, se dirige contra pessoas e por debaixo de toda a ideologia moralista proibicionista que artificialmente constrói drogas lícitas como ‘boas” e drogas ilícitas como “más”, se esconde a criminalização e estigmatização de um grupo social inteiro pela sua associação às drogas arbitrariamente selecionadas como ilícitas e que tornou possível a fabricação do novo “inimigo interno” da sociedade “de bem”, encarnado na figura do “traficante de drogas” que está associado a um ser “violento” e “cruel”, identificado com o estereótipo do jovem pobre negro morador da periferia.

A opção política pelo proibicionismo é o pretexto para justificar a “guerra aos pobres” que se estabelece nas favelas brasileiras, ceifando a vida da juventude pobre negra, e dentro dos tribunais de Justiça, onde se aplica o direito penal do inimigo, subtraindo esses indivíduos da proteção jurídica constitucional.

Wilson Witzel, ex-juiz federal, é um representante do Judiciário brasileiro que se comporta ideologicamente como uma extensão do braço repressivo e punitivo do Estado, responsável pelo encarceramento em massa dos jovens pobres negros, os presos políticos da política criminal proibicionista.

 

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