Robotização é desemprego? Não (necessariamente!): tecnologia é problema político, não econômico

Por Gustavo Galvão,[1] para o Duplo Expresso

“A grande disputa geopolítica do século XXI: mobilidade, meio ambiente e inteligência artificial – série em 4 partes”

Parte 2: “Já diziam os soviets: tecnologia é um problema político, não econômico”

  • Não há relação direta entre a taxa de crescimento da produtividade e o desemprego. Portanto, não faz sentido, em princípio, temer pela perda de empregos. Os problemas relacionados ao rápido avanço da produtividade não são econômicos, mas políticos. Se o avanço tecnológico gera concentração de poder político ou, pelo menos, não melhora situações de muita concentração de poder político, pode gerar problemas sociais – e até mesmo militares – gravíssimos.
  • O artigo anterior, por exemplo, sobre a geopolítica do carro a gasolina, mostra como os EUA e outros países desenvolvidos resolveram o problema do desemprego após a Segunda Guerra Mundial, quando milhões de soldados voltaram para casa. O problema então não é econômico, mas sim político.
  • Entre 1945 e 1980, os trabalhadores contaram com a colaboração dos governos porque as elites temiam o alastramento do comunismo. Hoje, as elites não têm nenhum medo de deixar milhões desempregados passando fome, mas bovinamente entretidos com redes sociais, fake news, futebol, TV, etc.
  • O medo de revolução faz milagres. Mas se a tecnologia afasta o risco da insubordinação à tirania e à desigualdade, ela pode ser realmente um grande desafio para os anseios de liberdade, igualdade e fraternidade.

Existe sempre o risco do rápido avanço tecnológico gerar muito desemprego e miséria. Na Primeira Revolução Industrial isso aconteceu de forma muito clara.

Esse é um problema antigo. Marx tratou dele em muitas passagens, como quando criticou o movimento ludista.

 

Ao longo do tempo, prevaleceu o entendimento do termo ‘ludismo’ como um movimento de reação ao progresso técnico – à industrialização, à automação, à informatização ou a novas tecnologias em geral.

Mas, como Marx e outros mostraram, não há relação direta entre a taxa de crescimento da produtividade e o desemprego e não faz sentido temer pela perda de empregos se tudo o que queremos é não sermos obrigados a fazer trabalhos chatos e repetitivos que as máquinas podem fazer, mas sim fazer algo inspirador ou prazeroso.

De fato, a história mostra que não há uma relação direta entre a tecnologia que poupa trabalho e o desemprego.

Poucos sabem, mas a taxa de aumento anual da produtividade durante a segunda revolução industrial foi muito maior do que hoje e provavelmente será maior do que os avanços incríveis que devem acontecer na próxima década. Imagine-se o que é implantar, ao mesmo tempo, água encanada, luz, saneamento, telefone, fogão, geladeira e veículo motorizado. Ter que buscar água na cabeça todo dia não era mole…

Acho que não preciso nem falar dos avanços da automação na agricultura e indústria. Trator, colheitadeira, plantadeira, máquinas automáticas de manufatura, linha de montagem… Todas essas tecnologias foram implantadas ao mesmo tempo!

  • EUA:

 

 

  • URSS:

 

Mesmo assim foi possível acomodar os trabalhadores e chegou-se a longos momentos de baixo desemprego no auge da implantação dessas tecnologias. Apesar de alguns percalços ou a ajuda de alguns problemas como a grande depressão e o extermínio de dezenas de milhões de trabalhadores na Segunda Guerra…

(sendo maldosamente irônico para ilustrar a importância do aspecto político do avanço tecnológico)

O que é importante entender é que os problemas relacionados ao rápido avanço da produtividade não são econômicos, mas políticos. Se o avanço tecnológico gera concentração de poder político ou, pelo menos, não melhora situações de muita concentração de poder político (ou no espaço em razão de concentração regional ou dentro do mesmo espaço em razão da perda de poder político da maioria), ele pode gerar problemas sociais ou militares gravíssimos.

Mas de um ponto de vista estritamente econômico, os países que conseguem ter o domínio das novas tecnologias podem resolver facilmente o problema do desemprego de origem tecnológica através da política de crescimento exatamente como essa publicada no artigo da última terça feira:

 

Daremos detalhes de como funciona uma política de geração de emprego e a ausência de limites a ela em outro artigo, no futuro. Ao contrário do que dizem os neoliberais, não há limites ao gasto público e dívida pública enquanto existir desemprego.

O último artigo, sobre a geopolítica do carro a gasolina, é uma explicação sobre como os EUA e outros países desenvolvidos resolveram o problema do desemprego após a Segunda Guerra Mundial quando milhões de soldados voltaram para casa e ainda tiveram que enfrentar o desemprego decorrente do fechamento de milhares de fábricas que produziam para a máquina de guerra.

Como enfrentaram esse grande desemprego de homens exatamente no momento em que as mulheres entravam em massa no mercado de trabalho? E quando as tecnologias que geraram a maior taxa de aumento da produtividade da História eram implantadas em grande escala? Maior até mesmo do que no momento atual?

 

A solução dos EUA, copiada em todo mundo desenvolvido foi o fordismo urbanístico descrito no artigo anterior. Nesse período, graças a esse fordismo urbanístico, entre 1939 a 1979 a participação da indústria no emprego passou de aproximadamente 55% para menos de 18% e da agricultura passou de pouco menos de 30% para menos de 5%. Nem podemos imaginar o quanto de serviços e obras para se construir foram inventados nessa época – NB: por isso que as cidades de países desenvolvidos são belas – para empregar todas as pessoas desempregadas em razão da desmobilização da Guerra, do avanço da produtividade, da entrada das mulheres no mercado de trabalho e ainda absorver o grande crescimento populacional . Essa também foi a época de maior crescimento populacional da história!

O babyboom do pós-guerra:

 

Ou seja, se puderam resolver o problema de emprego entre 1945 e 1980, hoje e na próxima década seria mamão com açúcar de um ponto de vista econômico. Em termos simples, basta que o governo tenha uma meta de emprego e busque alcança-la com uma política fiscal e monetária. Aumenta-se os gastos públicos até que a demanda por trabalho alcance a oferta de trabalho. Se a produtividade for muito alta, a meta será alcançada com um PIB per capita muito alto.

Temos que lembrar que as demandas do ser humano são infinitas, sempre serão criados novos serviços e novas coisas para serem construídas para satisfazer “quem tem dinheiro para gastar”. Seja pessoas, empresas ou governos. Cabe ao governo rodar a máquina de fazer dinheiro e dar um jeito de ele chegar às pessoas que querem consumir.

O problema então não é econômico, o problema é político. Entre 1945 e 1980, os trabalhadores contaram com a colaboração dos governos porque as elites temiam o alastramento do comunismo.

Hoje, as elites não têm nenhum medo de deixar milhões desempregados passando fome, mas bovinamente entretidos com redes sociais, fake News, futebol, TV e sejumoros.

  • Panis et circenses (1)

 

  • Panis et circensis (2.0):

 

De fato, podemos dizer que o medo de revolução faz milagres. Ao menos em termos de aproveitamento social dos avanços tecnológicos. Mas se a tecnologia afasta o risco da insubordinação à tirania e à desigualdade, ela pode ser realmente um grande desafio para os anseios de liberdade, igualdade e fraternidade.

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  1. Doutor em economia pela UFRJ, economista do BNDES licenciado, assessor parlamentar e comentarista do Duplo Expresso.

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Romulus Maya:

Cenário de futuro distópico – i.e. para o 99% – do filme “Elysium” (2013).

 

Certamente utópico – no nível “sonho molhado” – para o 1%:

 

Mais sobre esse cenário – 99% distópico – no artigo:

 

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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