O Tripé do Bem: A bala de prata do próximo governante será usada?

Por Gustavo Galvão, para o Duplo Expresso

Diagnóstico

A economia está estagnada. Não há nenhuma perspectiva de acabar o alto desemprego.

economia brasileira não poderá reagir a menos que os gastos e investimentos públicos reajam, o que é impossível com a insana PEC do congelamento dos gastos públicos.

dívida e déficit públicos devem continuar aumentando em decorrência do baixo crescimento e dos juros elevados com baixa inflação.

tripé macroeconômico perdeu a credibilidade e a utilidade. Ele funcionava como uma camisa de força que impedia os governos do PT fazerem políticas sociais e econômicas mais progressistas. Uma vez que a direita volta ao governo, a meta de superávit primário deixa de ser seguida e ninguém se importa. No governo Dilma, um milésimo de déficit a mais era motivo para os jornais entrarem em histeria, dizendo que o mundo ia acabar. O patético é que quanto mais déficit público melhor para as pessoas e empresas, porque o déficit é a diferença entre os impostos retirados do bolso das pessoas e a renda enviada do governo para o bolso das pessoas pelas transferências e compras de bens e serviços. Ou seja, quanto maior o déficit, melhor para os cidadãos, mais ricos eles serão.

Os juros abusivos no Brasil fazem a dívida pública crescer exponencialmente e a economia estagnar com falta de desejo de investir e consumir. Eles estão matando as chances do governo Temer e de seus possíveis sucessores “bem comportados”.

A crise econômica já está pressionando os bancos para aceitarem mais reduções de juros, pois, se a dívida pública iniciar uma trajetória explosiva, o mercado financeiro internacional não vai resistir a especular com o câmbio brasileiro e arrasar o frágil equilíbrio que sustenta a política econômica da “ponte para o futuro”.

De fato, os juros da dívida pública já caíram bastante, desde que Temer assumiu. E os bancos ainda estão se sentindo compelidos a reduzir os juros do crediário para não matar a galinha dos ovos de ouro, o consumidor/trabalhador/contribuinte e as empresas.

Os bancos vão deixar de ganhar dinheiro com juros tão altos? Vão manter sua índole de escorpião e matar a galinha dos ovos de ouro, ou vão reduzir as taxas de juros, fazendo por si mesmos uma política que consideravam proibida nos governos do PT?

O endividamento das famílias continua muito alto. Exceto os altos funcionários do judiciário e alguns poucos privilegiados, ninguém mais tem crédito e disposição para investir e consumir. O consumo de automóveis e eletrodomésticos é muito menor do que no período Dilma. No primeiro trimestre deste ano, apesar dos fogos de artifício lançados por justificativa de uma suposta recuperação econômica, o licenciamento de automóveis ainda estava 34% abaixo do que era há 5 anos atrás, no primeiro mandato da Dilma. No resto do mundo é o inverso. As taxas de crescimento mundial tem sido muito altas nesse período.

construção civil é uma fração do que era naquela época. Tanto a pesada, obras públicas, quanto a construção de residências.

A dificuldade de fazer propostas econômicas

Existem várias formas de sair da crise. Devemos focar nas que já foram aplicadas com sucesso em outros países. Mas mesmos essas já testadas e aprovadas podem ser mais rápidas e ousadas ou mais moderadas. Todavia, mesmo as moderadas serão consideradas “radicais” pelos golpistas e seus patrões no setor financeiro. Todos que não lhes são servis são considerados “radicais”. Infelizmente, ser classificado de “radical” ainda é suficiente para fazer qualquer propositor ser visto como alguém sem credibilidade para a grande maioria dos consumidores de fake news da grande imprensa.

Outro problema que atrai aqueles que fazem propostas econômicas é definir o que é essencial. Se criarmos um programa de cem propostas para fazer a economia voltar a crescer e gerar empregos, muito provavelmente, podemos garantir que tal conjunto de medidas deverá ser bem sucedido, caso seja integralmente aplicado. Mas podemos garantir também que ninguém seria capaz, por razões políticas e administrativas, de colocar em prática um programa de cem propostas de forma minimamente efetiva em termos de impacto.

Um terceiro problema se refere à dificuldade de prever todas as consequências e resistências que podem tornar suas propostas política ou economicamente inviáveis. Todas propostas de mudança econômica geram um grande conjunto de resistências, especialmente quando tais propostas beneficiam os menos favorecidos, que não possuem poder, organização e, às vezes, até mesmo consciência para se defenderem. Poucos líderes tem habilidade, popularidade e poder para avançar propostas inovadoras contra interesses pré-estabelecidos.

A bala de prata

Por esses motivos, a história dos planos econômicos para superação de crises sempre dependeu do que o ex-presidente Collor chamou de “a única bala de prata capaz de matar o lobisomem”. Ainda assim a maioria das quais foram mal sucedidas, incluindo as “balas de prata” do Collor, pois não foi apenas uma.

Quando se fala em bala de prata isso nunca significa que será a única medida que será aplicada e nem mesmo a única medida que seja necessária para o sucesso. A bala de prata não é uma única medida. Ela é na verdade uma regra, um padrão de comportamento, uma lei de ação e reação, que orienta toda a atuação das políticas macroeconômicas.

Essa lei de ação e reação cria uma segurança aos agentes políticos sobre o que esperar, como agir e, principalmente, onde ceder e onde não ceder, quando tiver que enfrentar as pressões políticas e econômicas. Dessa forma, a lei de ação e reação mantém o governo coeso e evita que os ratos pulem fora do navio na primeira marola, assim como na primeira tempestade, pois sabem que enquanto a lei de ação e reação estiver sendo cumprida, o governo não estará à deriva no mar revolto.

Além disso, ela diminui as pressões contrárias ao governo. Uma vez que as forças políticas e econômicas sabem onde e quando podem sofrer resistência tenaz e coesa por parte do governo e onde e quando podem ter espaço para negociar, elas não vão gastar energia contra a lei de ação e reação instituída pela política macroeconômica. Isso facilitará a vida do governo, ao menos enquanto a lei de ação e reação, a bala de prata, estiver gerando resultados razoáveis.

Para funcionar, a bala de prata tem que dar resposta a alguns problemas básicos para a sociedade e os donos do poder em determina conjuntura política. Não pode deixar uma grande questão, um importante variável, sem controle.

A estrutura política ficará minimamente satisfeita, se ao menos a bala de prata definir uma meta para as variáveis indicadoras dos problemas que estão recebendo mais atenção. Por exemplo, se o problema que tem recebido mais tem atenção da sociedade for inflação, o governo pode acalmar a sociedade incluindo uma meta de para algum índice de inflação como parte da sua lei de ação e reação.

Todavia, o governo deve ter cuidado com a definição de metas. Por uma questão matemática, não é possível garantir o atingimento de mais de uma meta com apenas um instrumento à disposição do governo. Instrumentos sobre seu controle significa poder na sua mão. Nada mais escasso para um governante do que poder. Por mais que tenha muito poder, sempre será visto como insuficiente. Deve, portanto, ser usado com muita parcimônia. Se definir muitas metas, terá que ter muitos instrumentos sob seu controle, o que exige muito poder.

Se o governo conseguir satisfazer as classes políticas com apenas uma meta, o governo estará no melhor dos mundos. Mas isso é muito difícil. As classes sociais diferentes geralmente veem problemas diferentes e exigem objetivos diferentes.

O Executivo inviável

Nenhum presidente na nossa história terá tanta dificuldade de governar de forma democrática ou ao menos ser popular quanto o próximo.

O executivo federal no Brasil não tem mais poder nenhum. Estamos efetivamente em uma ditadura de juízes e donos de jornais. Ambos interessados em servir apenas à classe dos banqueiros e bucaneiros estrangeiros espoliadores de riquezas naturais.

O presidente não tem mais nenhum poder. Temer não tem poder. Ele consegue se equilibrar apenas mostrando o máximo de diligência em entregar de graça patrimônio público e direitos sociais. É só um serviçal, um capataz tentando servir a mais de um desses dois donos. Um cachorro com dois donos tem ainda alguma liberdade, ao menos enquanto esses dois donos não brigam entre si e não exigem mais do que ele pode oferecer.

O próximo presidente não terá mais tanta coisa para entregar aos patrões. E os donos do novo Brazil do Golpe vão continuar exigentes e sedentos por mais riquezas, mais direitos e mais poder. Um passo fora da linha resultará em escândalos, impeachment, Moros, Dallagnois  e TCUs obedientemente alucinados.

Sem contar que estaremos de cada lado da corda bamba em uma sociedade rachada tentando empurrar o presidente para um lado ou outro.

Mas como as sereias do neoliberalismo sabem encantar todos os novos presidentes com as falsas esperanças do caminho de menor resistência, o presidente eleito deve iniciar fazendo mais do mesmo até perceber que sua popularidade começará a tender para Temer, ou seja, para zero. Quando isso acontecer, não terá mais a chance de levantar a cabeça.

A popularidade é o único chão que um novo presidente poderia ter, porque não há mais nenhuma institucionalidade republicana. O judiciário e o legislativo já instituíram o “vale tudo”. Aliás, o “vale tudo por dinheiro” como presenciamos na votação do impeachment, segundo os próprios vazamentos seletivos da Lava-Jato. A seletividade é o “vale tudo”.

O TRIPÉ DO BEM – O tripé keynesiano-desenvolvimentista 

Isso não significa que não tenha saída. Existem sim várias balas de pratas que poderiam ser usadas. Provavelmente, a mais eficiente que ainda pode ser considerada dentro dos padrões de uma política macroeconômica aceitável pelos bancos e grandes empresários é o clássico tripé keynesiano-desenvolvimentista:

1)    Meta de câmbio nominal fixo e desvalorizado em termos reais (ou seja, câmbio real desvalorizado)

2)     Meta de emprego ou de crescimento (o que dá no mesmo) alcançável por política fiscal ou monetária

3)    Liberdade para utilização de instrumentos diretos (heterodoxos) para manutenção das metas anteriores

Esse tripé significa que o governo terá apenas 2 metas, e não se absterá de usar muitos instrumentos para mantê-las, além dos dois principais: política fiscal e monetária. Ou seja, há consistência, pois teremos mais instrumentos do que metas.

O câmbio fixo manterá a inflação baixa e sob controle sem nenhuma dúvida ou risco. O câmbio fixo pode fazer isso com juros baixos em determinadas condições. Isso seria sustentável com saldo comercial e em transações positivo e boas ofertas de investimentos produtivos no país. Assim não seria preciso vender reservas em momentos de calmaria, reservando-as para momentos de crise.

O câmbio real desvalorizado permite tudo isso, especialmente, se a economia estiver crescendo. O câmbio flutuante e volátil é o horror dos investidores estrangeiros sérios, ainda que seja o maná dos especuladores.

Esses fatores se somariam ao cambio fixo para tornar o investimento estrangeiro no Brasil muito seguro. Isso permite que as taxas de juros sejam mantidas baixas e mesmo assim o país não sofreria com fuga de capitais e perdas de reservas cambiais. Como dizem os ex-ministros Simonsen e Delfim: câmbio mata.

A meta de crescimento (emprego) manterá o povo satisfeito. Manterá também um crescente fluxo de recursos para investimentos públicos e a dívida pública decrescente. É importante também frisar que o PIB e arrecadação crescentes também manterão uma boa taxa anual de solução de problemas sociais, políticos e econômicos específicos. Problemas que nunca se resolvem exasperam o povo. Sem recursos para investimentos públicos abundantes é muito difícil resolver problemas sociais e políticos relevantes. Por último é bom frisar que o crescimento mantém classes empresariais ganhando dinheiro, o que reduz um pouquinho sua propensão a golpes.

Os instrumentos heterodoxos de atuação direta deverão buscar principalmente manter a taxa de câmbio real desvalorizada através de políticas de redução de custos, de rendas cartoriais, de tarifas e preços. Esses instrumentos, políticas industriais, também mantém as exportações crescendo e o coeficiente de importações caindo ou pelo menos estável.

Sem esses instrumentos todo o sistema ruiria, pois, em um regime de câmbio fixo, se as reservas cambiais começarem a cair, cria-se um movimento irresistível de ataque cambial especulativo. Isso derruba a lei de ação de reação e todo arcabouço de sustentação política e econômica do governo perante a sociedade, o mercado e as forças políticas, inclusive, dentro do congresso.

Esse foi o modelo adotado de forma bem sucedida em todos os regimes econômicos chamados de milagres: milagre alemão, milagre japonês, milagre italiano, milagre coreano, milagre asiático, milagre chinês, milagre mexicano e milagre brasileiro… Em economia não é necessário inventar a roda. Basta fazer o óbvio e não fazer o que obviamente nunca deu certo. Infelizmente muitos foram convencidos no Brasil que o que obviamente nunca deu certo é o “muderno”. Não é Miriam?

Os donos do poder e seus lacaios odeiam crescimento acelerado em países colonizados. Eles adoram a paz dos cemitérios, onde só cresce a miséria e a subserviência. Eles mal podem conter a empolgação com os “sucessos” de Temer.

A saída é foco. A soberania popular e nacional não devem ser buscadas em nada que seja complexo e incompreensível. Elas devem ser buscadas na bala de prata: a lei de ação e reação do crescimento. É isso que vai empoderar e orientar o poder do estadista, o condutor do povo, e criar recursos para a prosperidade.

Mas quem será esse que vai tirar o doce da boca deles e entregar pro povo?

 

Gustavo Galvão é Doutor em economia, economista do BNDES licenciado, assessor parlamentar e comentarista do Duplo Expresso.

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