Diários da Pandemia: quarentena e reflexão (1)
Agora temos tempo para pensar
Por Laryssa Barduzi.
Esses dias de isolamento social permitiram que eu desse uma desacelerada nas minhas atividades habituais, então o que mais tenho feito é pesar. Mas não um pensar qualquer, um pensar reflexivo sobre o que vem acontecendo e o que pode acontecer.
O que mais vejo é o desejo das pessoas de que tudo “volte ao normal”. Mas o que tem sido o “normal”?
O normal tem sido cada dia mais a competição sendo acirrada. Cada vez mais vejo pessoas tentando viver um ideal de vida que não é o seu e, por isso, são frustradas.
O normal é a busca desenfreada pelo “crescimento pessoal” a qualquer custo, pregando a máxima maquiavélica onde os “fins justificam os meios”.
O normal são as famílias cada vez mais distantes, porque o nível de felicidade tem sido medido pelo “ter”. Uma criança só é feliz se tiver tal brinquedo ou tal coisa. Um pai só é feliz e bem-sucedido no seu papel de pai se puder proporcionar o “ter” ao seu filho.
Não temos paciência com nossos filhos, não porque somos pais ruins, mas porque desaprendemos esse papel e é mais fácil relegar a educação de nossas crianças a terceiros, mesmo que sejam meios eletrônicos.
A adultização precoce de nossas crianças leva a adultos mais amargos, porém mais adequados ao sistema.
Fica fácil compreender como a necessidade do isolamento social trouxe consigo o aumento nos casos de violência doméstica contra mulheres e crianças.
O normal fica muito claro quando vemos pessoas aplicando a máxima do “farinha pouca, meu pirão primeiro” e a ida desenfreada a mercados e farmácias para comprarmos medicamentos e insumos que não precisamos só para poder “garantir a autossuficiência”.
No nosso país, o mercado se aproveita do desespero gerado e a outra máxima, da procura e da oferta, ganha vida!
O normal tem sido cada vez menos o pensar reflexivo e cada vez mais o “se eu li na internet, então está certo”.
Realmente essa ferramenta é fantástica, pois nos permite conhecer muitas coisas que antes não tínhamos acesso, mas transformar informação em conhecimento não é tarefa fácil, uma vez que demanda trabalho, pesquisa e estudo, e a nossa sociedade imediatista não nos permite muito esse tipo de coisa.
Assim, é mais fácil aceitar e acreditar no que vem pronto, no que já está mastigado, e não temos nos dado o trabalho de simplesmente refletir sobre o que recebemos como informação.
O normal tem sido a busca de Deus aplicando a ele a lógica mercadológica: “o que eu faço hoje para me trazer uma benesse futura?” e deixamos assim de viver Deus no nosso dia-a-dia, enxergando Ele no próximo, sem nos importarmos qual ganho teremos com isso.
“Só ajudo se eu for ajudado”, “só faço se receber em troca”. O interesse vem antes do ato.
Você pertencer a uma ou outra religião não te faz uma pessoa melhor se você não aplicar na prática os “ensinamentos” passados.
Vejo muitos ateus que são mais cristãos que muitos que vejo frequentarem instituições religiosas e se dizem “verdadeiros Cristãos”.
O normal tem sido a busca por “messias” para que resolvam os nossos problemas, sem que pesemos as atrocidades que possam vir atreladas a essas crenças cegas.
O normal é a culpa ser sempre do outro e nunca nossa sobre os acontecimentos que nos cercam.
Por exemplo, quando eu defendo o desmonte do SUS, a privatização desenfreada e acontece algo como está acontecendo, eu não posso EXIGIR saúde pública de qualidade, que o Estado arque com a proteção da população, sendo que cada vez mais o quis enfraquecido.
Os mais pobres é que sofrem com isso, pois não terão a quem recorrer no auge do desespero.
É entre essas e outras questões que eu gostaria mesmo que as coisas não voltassem ao “normal”.
Que pudéssemos ao sair disso pensar um pouco mais no próximo e não só em nós. Que fôssemos mais reflexivos em nossas atitudes e pensamentos. Que fôssemos mais humanos.
Aqueles que têm o privilégio de ficar em casa, que fiquem. Agradeço aos que estão trabalhando arduamente para que possamos passar o mais rápido possível por essa provação. Isso depende da ajuda de tod@s.
Mas eu não gostaria que voltássemos ao “normal”.
Não venho aqui cogitar ser a dona da verdade, isso é apenas uma reflexão minha nesses dias de tormento sobre os quais temos passado. Tantas outras coisas que gostaria de escrever, mas não tenho capacidade.
Não pretendo discutir com ninguém, apenas desabafar. Espero ter sanidade mental quando tudo isso acabar.
Que possamos sair dessa melhor do que entramos como seres humanos.
Laryssa Okom Barduzi, professora, observadora da sociedade e eterna estudante. Vive em S. Gonçalo (R).
ver também:
Diários da Pandemia: na linha de frente (2)
Diários da Pandemia: num condomínio de alta classe média
Diários da Pandemia: Pesquisa e Desenvolvimento na luta pela saúde
Diários da Pandemia: o Brasil não vai falir
Diários da Pandemia: na linha de frente
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