As violações do Regime Temer (Parte III) – O avanço da violência cultural
Por Wellington Calasans, para o Duplo Expresso
Esta é a Parte III (Leia a Parte I aqui e a Parte II aqui) da série que visa promover um debate sobre o trabalho de células da justiça, do Regime Temer e outras esferas públicas e privadas brasileiras no aprofundamento de uma histórica ofensiva racista (com requintes de nazismo) que tem como meta principal o Holocausto dos Nordestinos Pobres. Nesta terceira parte vamos falar sobre a violência cultural como parte da construção da “Limpeza Étnica” no Brasil.
Como foi anunciado na Parte II, trataremos aqui da violência cultural. Esta que é considerada a mais sutil, indireta e perene das violências ao longo da história. Alguns seguidores do Duplo Expresso sugeriram o que estava indiretamente anunciado sobre a perseguição às religiões e tradições afrodescendentes como forma de “matar” culturalmente a autoestima de grande parte dos pobres brasileiros, sobretudo porque a escravatura não foi abolida na prática. As diferentes formas de exploração apenas ganharam novas leis que legitimam, como no Século IXX, esta prática desumana.
As crenças e costumes africanos, principalmente aqueles transmitidos de geração em geração, são alvo de uma ofensiva brutal de alguns setores fascistas que ocupam as instituições públicas, cargos políticos e concessões públicas da comunicação social. Difícil de ser identificada, pois trabalha na ténue esfera simbólica, esta ofensiva (aqui chamada de violência cultual) se utiliza e se apropria das crenças e costumes, manipula a sua essência e os reduz a estereótipos. Com isso, cria uma espécie de “fato consumado” (através da repetição da mentira – tática nazista) de que a distorção sobre essas mesmas crenças e costumes é a imagem real que a sociedade deve ter sobre esse arcabouço cultural e/ou religioso. Tudo isso ajuda a tornar distante dos verdadeiros artífices a visível perseguição a que são submetidos os cidadãos que herdaram valores e costumes que – de alguma maneira – representam um “empoderamento”, um poder de reação.
No Regime Temer, as práticas racistas têm sido legitimadas através das perdas dos direitos trabalhistas, descaso ao combate do trabalho escravo e parceria direta com a “bancada da bíblia”. No entanto, antes de falarmos sobre as religiões, como sugerido pelo nosso público, gostaria de resgatar duas outras maneiras utilizadas pelos opressores (maioria composta de brancos, descendentes de europeus) que se utilizam dos poderes do Estado ou econômico para a promoção da, aqui denunciada, “Limpeza Étnica”. São eles: as produções audiovisuais – com ênfase para as novelas e séries da TV – e o uso de afrodescendentes assimilados como forma de terceirização da prática opressora.
O sucesso da novela “A escrava Isaura”, por exemplo, a despeito do sucesso internacional que conquistou, de um modo geral, se dá muito menos pelo sofrimento da escrava branca. Recordemos que no início dos anos dois mil, esta produção foi reeditada pela TV Record, num momento em que as políticas dos Governos Lula buscavam – através da política – assegurar o respeito às tradições e costumes afrodescendentes.
Isto não ocorreu por um acaso do destino ou mero oportunismo de mercado. As frases racistas e desrespeitosas contra os “escravos” eram – do ponto de vista subliminar – muito mais marcantes para os telespectadores do que o choro e resignação da escrava branca. Esta observação não é original do autor deste texto. Eu estava em Angola e integrei uma equipe de debates sobre “a influência da parabólica na sociedade angolana”, uma série de debates extraoficiais com autoridades e intelectuais daquele país, onde tratávamos – entre outras coisas – do papel secundário dos negros nas produções brasileiras e a forma desrespeitosa como os afrodescendentes eram tratados nelas.
Filmes como “Faroeste Caboclo”, “Cidade de Deus” e as duas versões de “Tropa de Elite”, por exemplo, denunciavam poeticamente a existência de um “sistema”, mas eram ricos em detalhes no reforço do estereótipo atribuído aos afrodescendentes brasileiros. Estas “sutilezas” são mais facilmente identificadas pelo observador distante – como é o caso do autor deste texto – visto que a rotina (que possui grande poder de contaminação das análises) que normaliza esta violência cultural no Brasil não faz parte do seu universo de percepção acerca dos avanços contra diferenças culturais e étnicas que são praticados a todo instante contra tudo o que seja genuíno e caracterize como um povo organizado os afrodescendentes do nosso país.
A apropriação da palavra “holocausto”, por exemplo, em si é uma forma de excluir os milhões de negros que foram vítimas do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. O brasileiro, que na sua maioria possui descendência africana, é muito mais empático com o sofrimento do povo judeu (e tem que ser empático, sim) quando comparado aos seus semelhantes. A cor da pele num país de mestiços como o Brasil é ainda utilizada como argumento, por exemplo, para justificar a “meritocracia”, abismo entre salários, quem é o bandido e quem é o mocinho, criminalização prévia dos afrodescendentes e todas as formas utilizadas para estigmatizar pessoas e grupos sociais.
Graças à concentração da comunicação social entre famílias de brancos ricos, no Brasil sabemos menos sobre Martin Luther King do que sobre as práticas da organização racista Ku Klux Klan. Numa realidade mais “brasileira”, ignorar o percentual de afrodescendentes assassinados e presos é também uma maneira de consolidar o estereótipo a eles atribuído. É necessário, portanto, que tenhamos mais atenção quando formos avaliar a origem e o combate à violência. Como vimos na Parte II desta série, a “Segurança Pública” é parte da engrenagem de criminalização dos afrodescendentes, na sua maioria nordestinos pobres (mesmo em periferias dos grandes centro urbanos de outras regiões mais ao Sul).
Sobre o papel dos “assimilados”, Darcy Ribeiro no seu livro “O povo brasileiro” é cirúrgico na sua pesquisa. É possível constatar nesta obra como o poder econômico e a “disparidade de armas” entre opressores e oprimidos impõem a determinados extratos do universo de descendentes africanos no Brasil a submissão que chega a culminar com a reafirmação do pensamento do opressor. Como podemos ver neste trecho em destaque:
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.
Sobre a perseguição no Brasil às religiões africanas e afro brasileiras, temos vasto material na internet. Nunca é demais lembrar que a moria dos brasileiro se declara católica e uma segunda camada “cristã” (membros de outras igrejas que derivam, na sua maioria, do Protestantismo). No ínfimo universo que resta aos afrodescendentes que tentam a manutenção de tradições e costumes, temos aqueles que o fazem através da fé. Como sabemos, a fé é algo intangível, algo que está em quem a possui. Daí a necessidade da radicalização por parte dos opressores em relação aos que praticam esta fé. Neste artigo da EBC, de 2015, temos um bom retrato da violência cultural relacionada às religiões africanas. Entre outras informações, destaco deste texto esta aqui:
Embora sejam praticadas por 0,3% da população, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as religiões de origem africana são as que mais sofrem discriminação. De acordo com os dados do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), de 2011 a 2014, do total de 504 denúncias, 213 informaram a religião atacada. Em 35% desses casos, trata-se de religiões de matriz africana.
Ainda sem uma data precisa ou ordem definida, nas duas últimas partes desta série de artigos sobre o “Holocausto dos Nordestinos Pobres”, pretendemos trazer para o debate dois pontos já mencionados neste terceiro artigo: o papel da comunicação social e a população carcerária. Veremos como – assim como a escravatura era prevista por Lei – nos dias de hoje estamos a normalizar práticas inaceitáveis em uma sociedade civilizada do Século XXI.
O debate é o que fortalece uma democracia. Defendemos no Duplo Expresso o contraditório e estamos abertos às sugestões que visam tratar cientificamente e, posteriormente, através de denúncias nos Tribunais Internacionais, a construção de uma “Limpeza Étnica” no Brasil, aprofundada como nunca antes nos últimos dois anos de vigência do Regime Temer. Os seus comentários e observações – desde que feitos com o necessário zelo às regras de convivência social – são importantíssimos.
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