Marcelo Neves: A Instituição Supremo pode ter jeito, mas a composição atual é triste
Da redação do Duplo Expresso
O programa Duplo Expresso de Domingo no dia 22 de abril de 2018 recebeu como convidado o professor Marcelo Neves. Na entrevista, Neves analisa o desequilíbrio de forças entre o Parlamento e o Congresso, em que o “Supremo passa a ocupar o centro do sistema político quando deveria ser o Parlamento, distorção que depende muito de um Congresso, que poderia eventualmente, ser eleito na próxima eleição se, a gente conseguisse um Congresso mais forte com maior capacidade de decidir politicamente”. Um Supremo caracterizado “pela corrupção sistêmica, não a corrupção no sentido penal”, mas de “subordinação aos interesses do poder, da economia e dos interesses concretos de agentes. […] ele perdeu toda a dignidade de um órgão que tem a postura da racionalidade humana, ele está numa luta interna de vaidades, lutas internas por poder e pouco ou quase nada disso tem a ver com o Direito, com a aplicação do Direito com certa correção”.
Confira a transcrição na íntegra…..
Transcrição realizada pela colaboradora voluntária, professora da Rede Pública de Educação de SP, mestra e doutora em Educação, Maria Aparecida da Silva Damin.
O Professor Titular de Direito Público da Faculdade de Direito de Universidade de Brasília, Marcelo Neves comenta: “O STF ainda tem jeito?”
Wellington Calasans: O STF tem jeito?
Marcelo Neves: A Instituição Supremo pode ter jeito, mas a composição atual é triste. E por que ela é triste? Porque não há orientação das expectativas dos destinatários das normas. O direito visa estabilizar as expectativas normativas. Nós precisamos saber o que é lícito e o que é ilícito, o que é certo e o que é errado juridicamente. O Supremo não fornece isso, o que ele tem feito é confundir a sociedade sobre o que é correto juridicamente ou não. E as decisões são ad hoc, o que na linguagem jurídica é aquela coisa concreta, que a cada caso modifica a jurisprudência. E modifica de acordo com os interesses concretos, de políticos que estão vinculados aos membros do Supremo. Este é um problema muito sério. O Supremo é caracterizado pela corrupção sistêmica, não a corrupção no sentido penal, mas é a forma de subordinação aos interesses do poder, da economia e dos interesses concretos de agentes diversos. Esse é o ponto básico, o Supremo não tem uma orientação, que sirva para o cidadão saber onde ele está pisando. Quem é quem no ponto de vista jurídico. Isso é o mínimo que se possa exigir de um tribunal de nível Supremo, de nível Constitucional. Isso é o ponto de partida para a nossa discussão. Depois a gente vai dar nome aos bois, como é bom sempre dar.
Romulus Maya: Professor, a gente percebe uma falha das instituições brasileiras da Constituição de 1988, que não resistiram a um teste de stress, digamos assim, da democracia. No tocante, especificamente ao Supremo Tribunal Federal, o que o senhor consideraria: se nós pudéssemos livremente fazer uma reforma constitucional e redesenhar, o senhor é partidário de uma corte exclusivamente constitucional de mandato? Como nós poderíamos tornar o Supremo Tribunal Federal à prova da idiotice, da vaidade e da pequenez humana? Porque a gente vê que as nossas instituições funcionaram, enquanto os ocupantes estavam minimamente à altura, mas a partir de um momento se passou a ter a mediocridade generalizada em todos os poderes, não só no STF. Como blindar a Instituição STF dessas fraquezas humanas que vitimaram a Institucionalidade de 1988?
Marcelo Neves: O primeiro ponto é que o sistema de escolha em si mesmo não é tão diferente do americano. Porém, na prática, o que se realizou foi uma dependência muito grande de certas lideranças políticas, que são lideranças altamente sem um caráter público, republicano. Todo o período pós-88, mesmo durante o governo Lula, a escolha do ministro do Supremo sempre passou por um beijar a mão de Sarney, ou beijar a mão de Renan. Se não beijasse a mão de Sarney, não teria a indicação do Executivo, porque ele bloquearia no Senado, na sabatina. Todos os ministros ficam nessa dependência, esse é um problema muito grave na prática constitucional. Eu entendo que, talvez para reduzir esse processo poderia haver um mandato, não com recondução, porque na recondução o cara está dentro e tem que fazer política para ser reconduzido. Poderia ser um mandato até amplo cinco ou dez anos, mas que crie um limite, o que já seria algo positivo, porque a pessoa ao voltar para a sua vida normal, dependendo do como exerceu suas funções no Supremo, ela poderia ter uma grande rejeição.
O outro ponto, eu acho que deveria ampliar o convite para instituições públicas, como a Universidade, com a presença de alguns catedráticos para participarem da sabatina, e representantes da sociedade civil. Não deveria ser uma sabatina só do Senado, mas com membros da sociedade civil e das universidades tendo, no limite, a possibilidade de propor o veto. Um veto contra a escolha de pessoas totalmente comprometidas com o que tem de mais baixo na política brasileira. Então, nesse sentido, o que eu penso: certas escolhas, como a de Alexandre de Moraes, que se houvesse a participação da sociedade civil com poder de veto, com representantes realmente respeitáveis da sociedade civil e da Universidade, ele não teria chance. Porque ele não tem as condições morais, nem a formação jurídica, a não ser o manual do mais elementar, para estar na Suprema Corte. Entendeu?
Então, esse é um problema muito sério. E outros não tem as condições morais – como o Gilmar (Mendes) –, para estar num órgão desse tipo. É pessoa que está negociando: agora ele dá uma de liberal, no caso de Lula, mas é claro que não é por convicção, ele muda o voto, porque ele está preocupado com o que vem depois… Aécio, Temer e todo o grupo que está chegando agora e pode ser condenado por um tribunal comum, caso termine o mandato e não consigam um novo. Evidentemente, que o voto dele é correto, porque é o voto de 2009. É o correto porque é uma Regra Constitucional do Artigo 283 e não caberia muita discussão, mesmo que a gente discorde, como disse Celso Mello, o sistema exige que seja definido a partir do trânsito em julgado a culpa, e complementado pelo Código do Processo Penal, o Artigo 283 fala mesmo em prisão e deveria se respeitar a regra. Se, estão contra isso partam para uma emenda, partam para mais uma constituinte, o que não se pode é desprezar o que está determinado como regras, que é um caso fácil. Regras implicam caso fácil, não precisam de tanta discussão. Se, cada um vai defender de acordo com sua subjetividade é um caos. Porque alguns são a favor dessa regra, outros são contra, mas essa não é uma questão do Direito. O Direito, nós não estamos no campo da mera moralidade, das crenças pessoais, que a moral é fragmentada hoje em dia. O Romulus pensa uma coisa, o Wellington pensa outra, e eu penso outra. O direito construído democraticamente é para filtrar e criar algo, que nós temos de ceder e se, queremos mudar, ou reformamos mudando a lei, ou emendamos a Constituição, ou no limite, partimos para uma nova constituinte. O que não pode é o juiz desprezar elementos claros diáfanos da própria Constituição. Aí, nós temos um debate que foge dos parâmetros jurídicos e fica apenas nas influências concretas de interesses particulares. E eu penso que em todo o caso caberia, nessa situação, se interpretar pela noção de que só cabe a prisão, se não houver motivos para o preventivo para provisória, de acordo com a lei, caso haja o trânsito em julgado, porque aí você não corre o risco de prender alguém, que depois se descobre – no final do processo – que ele não praticou crime.
E no caso de Lula é muito delicado. Por que é delicado? Porque o processo é todo nulo. E por que ele é nulo? Vejam bem porque ele é nulo. Em primeiro lugar é nulo, por isso claramente, o juiz Moro é um homem envolvido politicamente (vocês sabem a história mais do que eu, da mulher dele, que esse Tacla Durán deu muita informação aí) é um homem envolvido com esquemas da pesada no Paraná. Nós todos sabemos disso. E o que é que ocorre? Esse homem se manifestou antes sobre o processo. O Artigo 36 da Lei de Organização da Magistratura Nacional diz que: “é vedado ao juiz se manifestar publicamente sobre o processo que ele está julgando”. Esse dispositivo é complementado pelo Artigo 145, inciso 5º, do Código do Processo Penal que diz: “se um juiz tem tendência, mostra ligação, inclinação para uma das partes, ou contra uma das partes, ele é suspeito, é parcial e não pode julgar”. Toda a jurisprudência e doutrina diz que esse dispositivo ocorre por ser parcial, quando você se manifesta antes sobre o processo. O que ocorre? O Moro fez isso, ele se manifestou até indo para filmes, que pré-condenavam Lula e era homenagem a ele. Ele não foi para o filme como um cidadão ali na plateia, que ninguém sabem quem é. Ele foi homenageado. Ele foi dar autógrafo no lançamento do livro que deu origem aquele filme da Netflix (DE1), então ele se manifestou publicamente sobre o julgamento, que ainda teria que avaliar conforme as provas, ele pré-julgou. Como ele pré-julgou, ele não poderia julgar no final, ele tem a suspeição. Então, de acordo com o Direito Brasileiro esse processo é nulo. É claro que eu penso até que vão declarar nulidade, mas daqui a um ou dois anos, quando a eleição já passou. O problema é impedir Lula de participar da eleição, quando chegar ao Supremo não é possível que não se declare a nulidade. Aí é o fim de tudo, mas eles não têm problema de declarar a nulidade, depois que alcançarem o fim político que é excluir Lula. Mas agora eles querem manter Lula preso, dificultar sua candidatura, e o Supremo faz parte desse golpe. É uma figura central desse golpe. Esse Supremo na composição atual é realmente, sem esperança. Eu não tenho esperança que ele possa ter jeito, como vocês perguntaram.
Wellington Calasans: Professor, diante do que foi colocado, a minha pergunta é a seguinte: a própria Constituição que tem sido interpretada ao bel prazer – cada juiz interpreta de um jeito, sem essa preocupação mencionada na sua primeira resposta, de tentar normalizar para que todos possam seguir a mesma lei – a Constituição é clara em duas coisas: a primeira que “todo poder emana do povo e por ele deverá ser exercido”. O povo segundo todas as pesquisas de opinião pública, a despeito da prisão de Lula, ele até cresce na preferência popular diante da evidente injustiça, que tem sido denunciada internacionalmente, nas últimas semanas. A outra coisa é que a baderna está no poder, a baderna está instituída. Na Constituição o povo tem direito a se manifestar contra a baderna e restaurar o que chamamos de Constituição, de Leis do Estado Democrático de Direito. Como poderíamos informar o cidadão brasileiro sobre a importância que ele tem e entre nesse momento crítico vivido no Brasil e transforme essa situação para melhor?
Marcelo Neves: Veja bem. Na teoria democrática sempre houve um argumento sobre resistência e desobediência civil. Isso é uma discussão antiga, alguns autores não admitem para a manutenção, mas evidentemente, quando as próprias instituições estão corrompidas, as próprias práticas institucionais do Judiciário, do Legislativo estão desmoralizadas e há descumprimento da Constituição pelos próprios órgãos públicos, você pode imaginar e pensar na ideia de desobediência civil. Por que a desobediência civil em certo caso se torna legítima? Porque no processo democrático como você falou, a ideia básica é de que todo o poder emana do povo. No caso brasileiro, o poder vai ser exercido, basicamente, pelos representantes do povo, mas se esses representantes desrespeitam o próprio mandato, dentro dos limites constitucionais e legais, isso se torna, não algo excepcional – que pode levar a uma punição de um ou outro –, mas os diversos órgãos públicos estão participando numa proteção recíproca, encobrindo suas falhas, aí cabe ao povo se organizar e tomar medidas de desobediência civil. É legitima a desobediência civil.
E aqui fica claro. Por exemplo, no meu caso pessoal, nós entramos com um antes, não porque eles soltam ou não soltam gente, não era essa a questão. Mas contra o ministro Gilmar Mendes, que tinha conversa com o Aécio por telefone pra pedir voto lá, do Flexa Ribeiro, do Anastasia e de outros para votar, numa lei. Ele participava de política partidária, é contra a Constituição isso. O que, que ocorre? Nós entramos com o impeachment, veja a desmoralização das instituições – para ministro do Supremo, o impeachment não vai para a Câmara, vai direto para o Senado e no Senado ao contrário do de presidente na câmara, a recepção é pela mesa completa, até para dar mais apoio e o ministro não ficar dependendo de uma pessoa. O Renan, sem ouvir a mesa, engavetou. Ele engavetou, arquivou, na linguagem correta juridicamente, ele não poderia, porque teria que ser um arquivamento pela mesa. Além disso, ele era réu com o Gilmar, e o Código de Processo Penal diz: um juiz que vai julgar alguém, do qual ele é réu de outro juiz, não pode julgar. Ele tem suspeição. O Renan naquele caso era um juiz atípico, e ele não poderia estar arquivando, ele tinha que passar para outra pessoa e não houve isso. Então o que nós temos nesse caso do Supremo é uma decisão absurda sem ser da mesa. Mesma coisa: entramos com o segundo impeachment de Gilmar com novos fatos graves, até mesmo encontro com Joesley no IDP, dinheiro que foi de financiamento do Joesley. Também por postura de linguagem inadequada contra o PT, contra Lula, chamando de chefe de uma quadrilha, que ele era um bebarrão, tudo isso implica crimes e, é contra o decoro. Entramos com um segundo, e o atual Presidente do Senado, Eunício (Oliveira), também o arquivou imediatamente.
Nós entramos com mandato de segurança no Supremo, mas o Fachin (que a turma aqui já chama do fraquinho) começou a enrolar e terminou não encaminhando e está parado lá. Entramos com segundo mandato de segurança, contra o segundo pedindo de impeachment, mas também ficou com Celso Mello para pedir informação, mas fica tudo paralisado. Então, há uma proteção recíproca e nesse contexto, a própria presidente do Supremo – que nós entramos com a reclamação contra Gilmar – ela engaveta há mais de um ano. Ela poderia até responder, dizendo que ela não concorda, mas ela não tem condições. Então ela deixa lá, parado, e isso desrespeita os prazos previstos no Regimento.
Nós não temos a quem recorrer. Os órgãos internacionais têm poucos poderes, têm valor simbólico nesse caso. Alguns dias atrás encontrei um representante da ONU, que me procurou para saber sobre aquilo tudo que faziam. Eu expliquei todas as falhas processuais a ele, mas ele mesmo disse “os órgãos internacionais tem pouca capacidade de uma intervenção, a não ser ilegalmente, como faz os Estados Unidos, que invade tudo e desrespeita as leis internacionais”. Mas para atuar dentro do modelo é muito difícil, porque, ainda tem uma forte tradição do princípio da Soberania. Nesse caso, quando o próprio Supremo participa do jogo do golpe, da quebra da Constituição, do desrespeito à Lei, e os outros órgãos estão mancomunados com o Supremo, (quando) o presidente da República é um dos maiores corruptos do país, está com uma quadrilha no poder, todos sabem disso e a ministra do Supremo vai visitá-lo na casa dele para fazer acordos políticos, o ministro Gilmar frequenta permanentemente a casa dele, nós temos uma total decadência, descaracterização dos princípios do Estado de Direito e da democracia. E aí tem que retomar o povo. O povo está meio letárgico ainda, mas eu penso que já se inicia uma tendência de insatisfação que pode levar a manifestações mais fortes. Porque nós estamos perdendo também na área social. O IBGE diz que mais de um milhão e quinhentos mil voltam da pobreza aceitável para a pobreza extrema, que significa a fome, a subnutrição. Nós tínhamos uma queda a 5,4% da pobreza extrema e está subindo novamente a fome e a subnutrição. Nós alcançamos um patamar e talvez essa população não esteja disposta a retornar ao patamar anterior. Eu penso que cabe, em determinado momento, pensar na desobediência civil se as coisas não tiverem nenhuma modificação, especialmente o grande perigo de eles nem sequer realizem eleições. E o perigo de não realizar eleição, num esquema montado, que o professor, como o José Eduardo Faria ligado ao Itaú, mais assessor do Itaú do que professor, ele já disse que talvez não dê para realizar eleição. Ele está falando por quê? Ele é assessor do Itaú. Quem mandou ele falar isso no jornal? É claro que é o Itaú que está a favor disso. Então, nós temos realmente uma situação muito grave no país, com perigo até mesmo de uma intervenção militar e a sociedade civil tem que estar bem organizada para reagir a isso.
Romulus Maya: Muito bem professor! Tem uma pergunta aqui do público e eu vou pegar uma carona. A Ivete Ribas pergunta “como trazer o Supremo para o caminho da correção e da aplicação da Constituição Federal?” E eu vou acrescentar: você falou que tem pessoas ali que não tem nem o saber técnico para estar lá como o Alexandre de Moraes que você mencionou, e eu incluo a própria ministra Rosa Weber que veio da Justiça do Trabalho, uma justiça muito especializada. Mas, por outro lado, se, nós pensarmos teve ministros que chegaram há muitos anos, chegaram muito festejados como grandes Constitucionalistas, inclusive meu ex-professor de Direito Constitucional Luís Roberto Barroso, que chegou com as maiores expectativas e acho que foi a frustração maior até do que desses de quem não se esperava muito. Em outra resposta, se falava da questão dos poderes constituídos extrapolarem o mandato do poder constituinte e, que nesse caso caberia desobediência civil e retomar.
Marcelo Neves: Perfeito!
Romulus Maya: No caso específico, muitas vezes esses órgãos não eleitos do Judiciário, o fundamento da autoridade deles é a Constituição, porque eles não foram sequer eleitos. E eles estão claramente extrapolando esse mandado, seguidamente legislando, e o ministro Barroso hoje é o que mais exagera nessa tendência no Supremo Tribunal Federal, e ele capitaneia essa tentativa de tutela do poder político por um órgão não eleito, que é o Judiciário. E, aí eu pergunto: como levar isso de volta à correção? Relacionando isso a outra reposta sua com relação ao impeachment – acho que já vai para o 3º em relação ao Gilmar Mendes –, por que há esse tabu do poder político em não retirar um ministro do STF? Se fosse o primeiro, um só, como exemplo, eles iam entender que da maneira que está, hoje em dia, em que atuam completamente sem nenhuma restrição, sem nenhum temor com relação a repercussões. Porque há esse tabu, de um proteger o outro. Por que você acredita que há, professor, essa resistência do poder político, esse tabu ao único órgão de 1988 até hoje, que não houve destituição? já destituíram presidente da República, senadores, deputados. Por que não se destitui ministros do Supremo Tribunal Federal?
Marcelo Neves: Veja bem Romulus, a pergunta da telespectadora, evidentemente está muito ligada com a sua. Eu vou falar também do Barroso, depois. Parece-me que só vai modificar isso se, nós tivermos um Congresso mais forte. O Congresso atual é muito frágil, e essa fragilidade torna o Supremo muito forte, em termos de poder. O Supremo passa a ocupar o centro do sistema político quando deveria ser o Parlamento. Então essa distorção depende muito de um Congresso, que poderia, eventualmente, ser eleito na próxima eleição se, a gente conseguisse um Congresso mais forte com maior capacidade de decidir politicamente. Se nós tivermos um Congresso mais forte, isso implicaria uma pressão e poderia levar a uma mudança de postura dos membros atuais. Eles poderiam ficar mais cuidadosos, mas como eles veem, atualmente, esse Congresso totalmente submisso, medroso, inseguro; subordinado tanto ao executivo nas compras, por exemplo, para que não houvesse a denúncia de Temer (tem muitos elementos que foram comprados, membros do Congresso com dinheiro mesmo, bruto, há muitos indícios disso). O Supremo se torna muito forte nesse contexto. Nós precisaríamos de uma formação nova do Congresso para talvez conseguir na atual conjuntura, na atual formação/composição do Supremo, uma melhora e um cuidado maior deles. Mas como ele não tem nenhum freio – na teoria dos freios e contrapesos tradicionais –, ele se sente o último poder, capaz de realizar o que bem entender. Esse é o ponto que eu acho, não só do Congresso, é claro, mas se a sociedade civil se organizasse e exigisse uma postura mais Constitucionalista do Supremo. Você tem toda a razão. O poder constituído não pode romper com o Constituinte. Isso é um dos elementos que justificam a desobediência civil.
Quanto ao ministro Barroso, é uma grande decepção (tanto ele como o Fachin, que aparece até mais, em certa medida, porque afirmava-se como um homem ligado aos setores progressistas). O Barroso sempre teve um discurso liberal com uma retórica muito apurada, ele não é bom na parte do conteúdo jurídico. Nós que somos do meio acadêmico, vemos que ele tem um poder de retórica muito forte, mas ele não é aquela pessoa mais aprofundada, mas tem uma capacidade muito grande de colocar aquilo de uma forma acessível. Nessa retórica que ele tem, ele se apresentou de uma forma muito interessante, quando ele era advogado. Ele fazia pro bonos para as questões do politicamente correto, e o escritório dele divulgava esse material no marketing. Ele atuava pela anencefalia proponte. Ele atuava pela homoafetividade proponte. Essas questões que não envolviam interesses econômicos ele atuava muito corretamente, mas ao mesmo tempo era advogado da TV Globo. E ele pela TV Globo, (iriam) impedir que tivesse um programa desses como o nosso agora, dizendo que isso que a gente não poderia ler Le Monde, nada no Brasil e venderam isso com a Globo para bloquear, porque isso é empresa estrangeira. Então ele era o típico advogado da Globo. Ele foi advogado do amianto. Ele deu parecer para o amianto, um parecer caríssimo, mas ele deu. Ele foi advogado do tabagismo mais radical da Souza Cruz, Philip Morris, tudo. Foi advogado da CBF e de todo esse pessoal, que está envolvido. Ele tem uma postura na parte altamente conservadora e altamente ligada a interesses escusos. Quando ele assume o Supremo não dá para esconder mais isso e ele assume a postura de defender os poderosos. Tem uma decisão recente dele sobre o Itaú, que ele reduziu de milhões e milhões o valor de uma dívida, porque exatamente ele tem uma visão de um neoliberalismo mais radical. E ele impressionava porque ele só se apresentava como homem das causas, mas não é difícil hoje em Wall Street, o mais reacionário neoliberal ser a favor de banheiro para LGBT, ser a favor da anencefalia, isso é uma coisa que todos concordaram. Por exemplo, no caso da homo afetividade, a família, todo o Supremo concordou, até pessoas tradicionais (como o Belluzzo em termos morais). É muito difícil hoje, no nosso meio, quem ficará contra. No meio de uma certa intelectualidade de classe média é muito improvável, a não ser alguns fundamentalistas ligados a grupos evangélicos, e alguns grupos católicos. No geral, homoafetividade, anencefalia são projetos que não desgastam ninguém. Agora, no enfrentamento dos interesses econômicos o Barroso é o que tem hoje de mais reacionário. Eu diria a figura mais reacionária em termos políticos, econômicos dentro do Supremo, que ele dá coches à Constituição para justificar qualquer ampliação de valores liberais. Ele escreveu um artigo contra a própria Universidade Estadual que você estudou, defendendo a privatização. Mas vejam bem o perigo da privatização da Universidade no Brasil: o que está ocorrendo com algumas privadas que são compradas por empresas americanas, são empresas com fins puramente lucrativos. Não são aquelas fundações como a da Harvard, que são privadas, mas tem interesse público. Quem está comprando no Brasil são empresas que tem fins puramente lucrativos e a qualidade do ensino cai muito. Imagine a Universidade de Brasília, que tem uma infraestrutura histórica estabelecida, você vende por uma bagatela para uma empresa dessa e ela vai reformar todo o quadro, tirando professores independentes como eu e vários colegas, e não vai interessar a universidade professores críticos, que tenham posturas que não sejam aquelas de cordeirinho dos números para escrever “artigozinhos”, que vão satisfazer a direção. Isso no Brasil é problemático demais. Portanto, eu diria que o Barroso é um neoliberal e tem envolvimento hoje em questões muito complicadas, de empresas em Miami, da esposa que não estão declaradas, então isso dificulta tudo, desmoraliza muito o Supremo. O Supremo hoje, o Lula dizia que está avacalhado.
Wellington Calasans: Professor, ele usou a expressão “acovardado”.
Marcelo Neves: Isso dizia o meu professor Lourival Vilanova, que “se avacalhou o nosso Judiciário”. Ele dizia para mim, e é isso mesmo, está avacalhado o Supremo Tribunal Federal. E o avacalhar aí, é uma linguagem meio baixo nível, que pode ser criticada em termo do politicamente correto. Mas a ideia é que ele se reduziu a algo de frágil, de pouca capacidade de reflexão de humano, evidentemente, essas linguagens são sempre criticáveis na nossa situação atual. Mas o que eu quero dizer é exatamente isso, ele perdeu toda a dignidade de um órgão que tem a postura da racionalidade humana, ele está numa luta interna de vaidades, lutas internas por poder e pouco ou quase nada disso tem a ver com o Direito, com a aplicação do Direito com certa correção.
É claro Welington… é claro Romulus… que o Direito, os temas constitucionais, uns colegas meus fizeram um congresso agora em homenagem a mim vieram muitas pessoas e eu fiquei muito satisfeito, é claro, nós tivemos certos debates até sobre obras antigas minhas. Os problemas constitucionais na maioria das vezes (quase sempre eu dizia), eles são situativos-tópicos. Eles dependem das condições do contexto, nas interpretações. Aí, por exemplo, a anencefalia talvez fosse a formação mais antiga, com senhores mais velhos de antigamente, ou homo afetividade – eu conversei com um ex-membro do Supremo, Carlos Veloso, ele disse, que “se fosse na época da gente”, nunca se aprovaria a relação homoafetiva como entidade familiar –, mas isso é a transformação, reinterpretação que ocorre com o tempo. Mas tem aquelas normas que tem caráter de regra, que não dá para estar brincando, jogando e mudando ao bel prazer. Nesse sentido tem casos que o problema não é situativo-tópico, concreto. É o modelo da regra que tem que se impor, independentemente do contexto. É a mesma coisa da pena de morte, que é proibida no Brasil e que pode em período de guerra, mas o período que não há guerra, que é com inimigo externo a luta, não há pena de morte. Se vier alguém propor isso e o Supremo disser que isso é possível, isso é uma descaracterização, uma ruptura constitucional, entendeu? É uma quebra da Constituição, e o Supremo é o guardião da Constituição. Ele não pode estar quebrando a Constituição. Daí o por que do voto da Rosa Weber: é absurdo em todos os sentidos possíveis. Por quê? Porque, além de ser um voto confuso, dizem que foram dois assessores que prepararam, um numa linha e outro noutra. Na hora que ela foi juntar os dois, ela não entendia da matéria e ficou aquela confusão. Tinha hora que ela estava falando e o pessoal dizia “ela vai com a gente”, e o outro grupo “não, vai com a gente”. Então, foi um voto complicado demais. Mas o mais triste daquele voto é que ela diz “o respeito ao colegiado”. Mas veja bem, estavam rediscutindo o tema. É o direito de defender a sua posição…
Romulus Maya: E o Colegiado estava todo ali, professor!
Marcelo Neves: Todo ali. Você estava rediscutindo. Agora, veja bem Romulus, se fosse pena de morte, por exemplo. Ela diz “vou respeitar o colegiado, que agora não é hora de discutir”. Aí executava a pena de morte, depois se ela fosse mudar daqui um tempo, já estava morto o Lula. Quer dizer, não tem fundamento aquele argumento dela. Você vota por sua convicção em matéria de Direito com base de prova e na matéria de fato. A matéria era de Direito, e você tem que defender o seu entendimento e argumentar por que você defende aquilo. Nesse caso, o voto de Gilmar foi correto, embora ele pudesse votar contra, se fosse por outros interesses. Nesse caso, ele está na linha correta. Rediscutindo-se o tema, você pode superar com argumentos, embora os argumentos tenham que ser mais fortes, mas para ela não precisaria nem disso. Porque ela já tinha defendido antes. Para ela não seria nada complicado. Ela, se mudasse a posição, teria que ter argumentos diferentes, argumentos novos, mas no caso específico, ela já defendia essa posição. Então tudo isso foi muito estranho. Alguns dizem que foi a pressão dos militares, que deram declarações antes, que amedrontou o Supremo. Eu não sei até que ponto ela votou por essa pressão. De qualquer maneira, a situação é muito triste. A prisão de Lula é algo que choca a cidadania brasileira. Choca no plano internacional. E o juiz Moro quando começou o seu processo na Lava Jato, especialmente para atingir Lula (porque esses empresários estão todos soltos; o Odebrecht deve estar tomando muita champagne lá em Salvador (DE2)), e todo mundo está aí na rua, mas o Lula está lá preso.
O Moro dizia “a gente precisa da imprensa”, que ele teria lido de alguma pessoa da Operação Mãos Limpas, sendo que ele não entendeu, que aquela operação era contra situações de pessoas corruptas e alguns juízes insignificantes no cenário nacional. Era muito fácil de conseguir lá no sul da Itália atuar daquele jeito com o apoio da imprensa. Com Lula é diferente, o jogo dele reverteu. A imprensa internacional toda, você vê o Le Monde, o New York Times, até o Financial Times – que não é muito na linha do governo de Lula –, ela também se manifestou de uma forma cuidadosa depois da prisão. Então está revertendo, porque a prisão é absurda. Em todo o caso, ele não foi condenado, não há nenhum perigo para a ordem pública, ele poderia esperar até o fim. Lula não estaria fazendo nada. Mas o fim é impedir a sua candidatura. Dificultar a sua candidatura. E aí, a proibição de visita, tal como foi feita, fere normas internacionais da Regra de Mandela – a Regra 58. Claro que pode definir um dia, estabelecer horários, mas o que não pode é proibir, porque não é só familiar (como disse o Moro em determinado momento), também são amigos. E amigos de uma pessoa como o Lula se amplia o conceito. Só se ele disser que não quer receber! Mas não poder receber Pérez Esquivel e Leonardo Boff é chocante, e isso começa a ter repercussão. Penso que a fragilização do Moro vai ser cada vez maior, tanto porque ele está envolvido com sua esposa em situações muito problemáticas e controversas (e vocês conhecem disso mais do que eu), mas também porque ele não teve a noção do significado político do Lula. Ele não teve a noção dessa grandeza de Lula, e agora a situação se inverte. Você pouco vê alguma manifestação pró Moro mesmo na imprensa golpista. Atualmente, estão muito mais na defensiva. O Estado de São Paulo de ontem, disse que “se Lula se comportar melhor não fazer muito alarde… muito movimento, pode ser solto”, já querendo um acordo. E acho que não tem que ceder. Tem que continuar o movimento, o acampamento em Curitiba, as visitas permanentes de figuras (representativas). Então há uma pressão internacional muito forte, e seria a coroação desse processo de desmoralização de Moro, em termos morais, seria o prêmio Nobel para Lula. E a gente tem que lutar por isso e o Duplo Expresso tem que entrar nessa campanha para fortificar essa escolha.
Wellington Calasans: Olha isso é um outro debate aí professor sobre o Prêmio Nobel. Porque eu tenho algumas restrições. Já trouxe para o público essa preocupação com o Prêmio Nobel que forçou Nelson Mandela a dividir com (Frederik Willem) de Klerk, que deu a Obama o prêmio, quando Obama foi o presidente que mais fez guerra em toda a história do planeta… O prêmio Nobel (que apesar Nobel de ser sueco) é norueguês, porque também serve para dar a Noruega uma imagem que ela não tem. Porque é um pais que está invadindo o Brasil, junto com os Estados Unidos, roubando o nosso petróleo. E foi o primeiro, inclusive, a comprar o poço de Libra, que é um dos maiores do Pré-Sal por um terço do valor. Então, é um país sem vergonha que não merece o nosso respeito. Prêmio Nobel tem sim o seu status, o seu respeito, mas eu não vejo o prêmio Nobel como algo…, por isso que o Duplo Expresso ainda não mergulhou de cabeça. Eu vou conversar com alguns políticos, e ouvir pessoas com a sua inteligência, para saber em qual profundidade isso poderá ajudar Lula. Porque se eu precisar plantar bananeira e apresentar o programa aqui de cabeça para baixo para Lula ser solto, eu vou fazer isso com o maior prazer pode ter certeza, o que não podemos é aceitar…..
Marcelo Neves: Welington, eu concordo com você. Talvez aí seja mais uma postura concreta na conjuntura. Concordo que o prêmio Nobel é um prêmio que ele não tem, que não merece esse respeito muito grande, porque historicamente, além de ter toda a escolha de pessoas para o prêmio da Paz, que participaram de guerra e praticaram atrocidades – e portanto é um prêmio questionável –, e também, mesmo em outras áreas do prêmio Nobel há muitas injustiças. Na Literatura, certos escritores que não correspondiam a certos centros dominantes, como por exemplo a figura do João Cabral de Mello Neto que foi apresentado, então nunca um brasileiro…, o caso também de César Lattes, o grande brasileiro que descobriu com outro professor americano um novo elemento da química, e o professor americano ganhou o prêmio e Lattes não recebeu, uma grande injustiça desse prêmio Nobel de Química. Então há muitas situações que a gente tem que desprezar. Eu penso, apenas nesse contexto, que a gente tem que avaliar (e vocês tem condições de fazer isso melhor do que eu, porque são pessoas que estão na comunicação e tem muito mais noção nessa matéria) se, em termos de simbolismo mais conjuntural, uma vitória de Lula num caso de um prêmio desse não teriam um impacto dentro de setores conservadores na grande imprensa brasileira, de torná-las totalmente na defensiva. Elas iriam ter que fazer a crítica ao Nobel agora, o que nunca fizeram. Entendeu? É nesse ponto que seria contraditório para as forças no poder: reagir a uma vitória dessas. Eles iriam dizer o quê? O que eles iriam falar? A gente poderia dizer “isso não vale merda nenhuma”, mas eles não poderiam falar, entendeu? É mais nessa coisa estratégica do que propriamente pensando no valor do prêmio em si, e aí eu concordo com sua crítica.
Wellington Calasans: Tem aqui a minha última pergunta, já que estamos chegando ao nosso tempo. O que o senhor acha da restrição do foro por prerrogativa de função do ponto de vista constitucional (já que está prevista aí a votação para o próximo mês)?
Marcelo Neves: Se for pelo Supremo, eu acho problemático. Porque o Supremo está tomando muito poder. Até isso é uma ideia do Barroso, de fazer uma reinterpretação que só em crimes de natureza funcional. Mas no meu entender a Constituição não trata disso. Eu entendo que a mudança deveria ocorrer – a prerrogativa de foro – por uma emenda. Uma emenda que restringisse realmente para algumas figuras mais centrais, que realmente precisam de uma certa proteção para exercer seu mandato. Mas eu penso que a modificação pelo próprio Supremo é problemática. Porque você amplia o poder do Supremo de interpretar, e isso é que pretende o Barroso. Ele afirma agora um absurdo, um iluminismo jurídico: que o povo que escolhe a democracia é algo atrasado. O povo brasileiro é atrasado. Então é como Pelé no tempo da ditatura, ele dizia “eu sou a favor da ditadura, porque o povo brasileiro é despreparado para escolher…” Eu gosto do Pelé como jogador, mas disse isso. O que o Barroso diz hoje com muita empáfia é a mesma coisa: o povo brasileiro não tem condições, e o Congresso não tem condições, então tudo depende do Supremo. Mas você cria um poder muito grande para um órgão aristocrático. Piketty, que é o grande economista, dizia que “todo retrocesso econômico do século XX tem a ver com o Judiciário”. Quando o Legislativo ia à frente, o Judiciário fechava. E ele mostra isso na França e nos Estados Unidos. E, você dar muito poder a uma reinterpretação dessa pelo Supremo eu acho problemático. O que eu admito é que o Congresso, em uma emenda Constitucional, reduza isso para algumas figuras (como o presidente da República, presidente do Supremo e presidente do Congresso) e deixe os outros…. embora, alguns colegas questionem isso Wellington. Dizem que os juízes de primeira instância podem sofrer mais pressão local às vezes, e terem mais dificuldade. Os ministros do Supremo teriam mais força. Mas diante desse Supremo não é verdade isso. Os ministros do Supremo também estão aceitando todas as pressões políticas e jogando nesse jogo. Então dizer que a redução da prerrogativa de foro seria necessariamente um perigo, porque o juiz local seria protegido, é o caso de Azeredo, por exemplo. O pessoal argumenta muito no caso de Azeredo que está lá, mas está se beneficiando. Mas eu também vi a prescrição cinco anos depois de processo de Jucá, de processo de Serra, de processo de Sarney, no Supremo. Então não quer dizer que só para os juízes, o que é positivo no privilegiado é porque como o Supremo é um órgão escolhido politicamente, ele está mais vinculado a esses políticos, do que o juiz singular, local. Então eu pensaria que a discussão em termos parlamentar aberto é positivo, mas uma solução pelo Supremo me parece problemática. Porque nós empoderamos mais uma vez o Supremo para reinterpretar de forma muito livre a Constituição.
Romulus Maya: Professor essa ressalva que você faz é muito importante e é um tema que tem que ser mais bem pensado. Ainda mais porque a gente pensava em abstrato no Judiciário, sem considerar a politização desse poder. Então a mesma discussão que aconteceu lá em 2009/2010 com a Lei da Ficha Limpa, ninguém lá atrás veria no que isso se desdobraria oito anos depois. Então, da mesma forma, vamos imaginar que parlamentares que de alguma forma, a atuação não interesse é muito fácil, um processo lá na primeira, depois confirmar e cair na ficha limpa também. Então acho que tem que ter muito cuidado nessa discussão. Seria ideal que a gente tivesse um Judiciário perfeito. Como estamos num mundo imperfeito, o Judiciário está mais longe da perfeição do qualquer outro poder, precisamos debater muito bem antes de partir para essa eliminação em larga escala do foro de prerrogativa de função. Pelo menos essa é a posição que a gente tem mantido aqui. Não é, Wellington?
Marcelo Neves: Sim, eu respeito muito, e não sou um radical nessa matéria. Eu tenho minhas dúvidas e acho que o mais problemático é ser definido pelo próprio Supremo.
Romulus Maya: Certamente! Estamos de absoluto acordo. Aí é o pior dos dois mundos, realmente! É como a questão do Barroso reinterpretando a Constituição, e querendo a questão da prisão após a segunda Instância e reduzindo, porque mal ou bem (como dizíamos aqui na abertura, “o poder emana do povo e vai ser exercido por meio de representantes eleitos”) isso é uma garantia da Soberania Popular. Saber que aquele eleito não vai ser tutelado, ou até barrado numa eleição futura, por um poder não eleito, isso não deixa de ser um cerceamento e, tem que ver em que medida o Constituinte lá atrás deu essa prerrogativa para um dos mandatários, que é o Poder Judiciário. Que o fundamento da autoridade deles é a Constituição e eles estão claramente extrapolando, nesse caso específico que o senhor se refere, mais ainda, se forem eles a acabar com foro de prerrogativa de função.
Marcelo Neves: Também acho, isso eu concordo plenamente. Talvez a gente discutindo politicamente, num Parlamento possa ficar mais claro e se chegar a posição contrária e eu acho que essa postura aristocrática do Supremo sem base na Soberania Popular, esse chamado iluminismo do Barroso, é o que tem de pior de mais conservador. Porque o iluminismo na verdade foi o dos centros dominantes da sociedade mundial. Ao mesmo que havia o discurso iluminista na Europa, os direitos humanos, havia escravidão. Os iluministas nunca olharam para isso. Quer dizer toda a escravidão negra, todo o processo colonial, foi no tempo do iluminismo. E não houve nenhuma reação. Montesquieu dizia que os negros não tinham alma, e que eram pessoas que não mereciam, portanto, serem consideradas. Elas não seriam pessoas, mas sim animais. Então você veja, o autor do iluminismo… Essa coisa de falar do iluminismo como uma façanha superior, é uma arrogância aristocrática, sem fundamento sequer no processo histórico. Entendeu? Então o iluminismo é digno também de crítica porque ele fechou-se no provincianismo europeu, e desprezou as periferias colonizadas como algo inferior. E esse discurso de Barroso tem um pouco disso. O povo é inferior e eu vou decidir o que é o bom e o ruim para o Brasil. Isso é perigosíssimo. Isso é um elitismo, um desserviço ao povo brasileiro.
Isso eu teria que dizer hoje. Foi um prazer estar com vocês. E eu gosto muito porque eu gosto de quem gosta de polêmica, e vocês gostam da polêmica e do enfrentamento. Eu parabenizo vocês pelo trabalho que estão fazendo, você e o Wellington, e também mando um abraço aí para todos os telespectadores. E a gente se encontra em outras oportunidades aí, para dar nomes aos bois e discutir aí sobre os problemas, “tá” bem?
Wellington Calasans: Muito Obrigado professor Marcelo Neves por aceitar o nosso convite, e dedicar um tempo do seu domingo junto da família para estar aqui com o público do Duplo Expresso. As portas estão abertas, volte sempre!
Marcelo Neves: Muito obrigado, Romulus e Wellington!
Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymUL_ioLv50&feature=youtu.be
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(DE1) – Na verdade, o filme referido pelo profº Marcelo Neves – “A Justiça é para todos” (de Marcelo Antunez, 2017) não é produzido ou promovido pela Netflix, conforme mencionado. Trata-se de uma co-produção Downtown Filmes, Globosat/Telecine, New Cine e TV, Paris Filmes e Raconto Produções Artísticas.
(DE2) – Em Salvador, provavelmente os donos da Odebrecht compartilhariam o champagne com os donos da OAS. Afinal de contas, em tempos bicudos, o Veuve Clicquot não está fácil para ninguém…
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