A Reorganização do Estado Brasileiro (Parte V)

Da Redação do Duplo Expresso,

Aqui, link para Parte IV

No seu quinto texto (da série de seis), Pedro Augusto Pinho sugere uma reforma nesta vertente que ainda é considerada “polêmica” no Brasil: Segurança Pública.

Portanto, se habitarmos um País melhor, não será devido ao personalismo da liderança, à força da ideologia, ou qualquer fator externo, mas pela sequência das ações interdependentes de nossa estrutura orgânica, pelo funcionamento de nossas instituições como delas se pode obter, ou seja, pela construção de uma pátria nacional brasileira”

A partir desta citação, podemos perceber que os discursos vazios ao estilo “bandido bom é bandido morto” não cabem neste debate. Pedro Pinho defende uma série de fatores que convergem para que a Segurança Pública seja um trabalho muito mais preventivo, uma profilaxia capaz de evitar práticas criminosas através da ocupação positiva dos cidadãos.

Este texto é mais uma contribuição gigantesca para este debate sobre o estado brasileiro que estamos propondo aqui na nossa página.

V – As questões da Segurança e da Justiça no Estado democrático

Por Pedro Augusto Pinho, para o Duplo Expresso

Há um entendimento que a segurança é questão subjetiva. Num bunker, fortemente armado, defendido por tropas, aviões no ar, o ditador se acha inseguro, se suicida.

Para o comum dos mortais, obrigado a ir para o trabalho, fazer compras, pegar ônibus ou estacionar seu carro, a questão da segurança parece muito mais presente. E tão mais presentes quanto as forças protetoras não são educadas para a proteção das pessoas.

Ao tratarmos da segurança pública devemos de início definir quem o Estado Nacional deve defender. Creio ser geral a concordância que é o cidadão, o habitante, a pessoa humana.

Pergunto então: é esta a orientação, é este o treinamento que recebem os agentes de segurança pública?

Houve um período de nossa história, que está voltando, onde governos autoritários – e não me refiro só ao dos militares, mas desta insegurança por justiça partidária, que julga, não pela lei, mas pela pessoa envolvida – se impunham pela repressão. São atos extraordinariamente deseducativos, em especial para os agentes de segurança pública,

Tenho esperança que implantado o projeto de construção da cidadania, estes tempos fiquem cada vez mais distantes, seus profissionais cada vez mais conscientes que é a defesa do ser humano, sua proteção, que justifica o emprego, que valoriza seu trabalho.

Um renomado administrativista espanhol, Eduardo García de Enterría, chamava a atenção para uma “superioridade formal da administração sobre o cidadão, ainda considerado súdito, que devia se curvar ante a suposta superioridade dos interesses gerais” (Las transformaciones de la justicia administrativa: de excepción singular a la plenidud jurisdiccional, Madrid, 2007) (tradução livre).

O que vemos no Brasil de sempre, salvo mínimos tempos de governos realmente populares e democráticos?

É o que faz muita gente, correta, honesta, crítica, desejar o fim do Estado. Um Estado que estará presente, não como auxiliar, ajudante, defensor dos necessitados, mas algoz, arbitrário, repressor.

Vamos, nesta terceira Vice-Presidência tratar de um Estado Nacional que estará encarregado da proteção do cidadão. E a segurança se dará nas dimensões da proteção dos direitos – justiça – e da proteção da vida e dos bens – segurança pública.

Por conseguinte, esta parcela estará fortemente voltada para os direitos humanos, a substância básica da convivencialidade.

Este modelo que estou propondo, das três Vice-Presidências, trás com ele uma aferição da eficácia. Ou seja, os desempenhos estão tão fortemente interligados que você poderá dizer que a boa administração da segurança – tanto pela ação dos agentes nela alocados quanto pelo baixo nível de conflitos – decorre do êxito, da eficiente construção da cidadania. A qual, por sua vez, só foi alcançada  porque vivemos num país soberano, que proporciona recursos e tecnologias para a manutenção do projeto e a garantia de sua continuidade.

Portanto, se habitarmos um País melhor, não será devido ao personalismo da liderança, à força da ideologia, ou qualquer fator externo, mas pela sequência das ações interdependentes de nossa estrutura orgânica, pelo funcionamento de nossas instituições como delas se pode obter, ou seja, pela construção de uma pátria nacional brasileira.

Detalhemos, organicamente, esta área do Estado Nacional.

Na esfera nacional, vinculadas ao Vice-Presidente temos dois grandes blocos: segurança pública e justiça. Estes se reproduzem nos Estados onde executarão suas tarefas. Apenas uma atividade ficaria com os encargos executivos centralizados: a política e controle das migrações.

Certamente pode causar alguma surpresa toda atividade jurídica ficar vinculada a uma Vice-Presidência do executivo. Mas nada há de estranho, ao contrário, é tratar uma atividade do Estado Nacional como qualquer outra onde não seja o voto o critério de preenchimento, como nas forças armadas, na diplomacia, nas fiscalizações etc. etc.

O professor Bernard Schwartz, da faculdade de direito da Universidade de Nova Iorque, em livro destinado ao juristas franceses sobre o direito estadunidense (Le Droit Administratif Américain – Notions Générales, 1952) escreveu: “a concepção continental (francesa) da função pública permanece absolutamente estranha da mentalidade e do direito americano”(tradução livre).

Veja caro leitor, são duas nações importantes, com formações culturais distintas que mostram na gestão do Estado Nacional suas diferenças.

Porque as instituições não devem ser ideológicas, universais, mas retratarem as condições nacionais. Condições que começam na própria expressão territorial, física (uma Islândia ou um Nepal ou um Catar não tem as mesmas necessidades institucionais do Brasil ou da China ou da Rússia) e se consolidam nas diferentes culturas. Imitar é fracassar.

Adiante o professor Schwartz vai, entre outras diferenças, discorrer sobre as exigências, direitos e encargos do funcionário público francês e do funcionário estadunidense, que repercutem nas próprias relações com os cidadãos.

Como já assinalamos nas considerações sobre as atividades da área da Soberania e da Cidadania, cabem, fundamentalmente, aos órgãos nacionais as definições políticas, o planejamento, os estudos e pesquisas, a coordenação e o controle.

As delegacias de toda sorte de ação da segurança pública e os tribunais de justiça, para todas suas áreas, serão definidos pelos Estados. Em princípio todos municípios teriam uma delegacia de polícia, um cartório de registro civil e um juizado, sempre subordinados ao poder estadual.

Além do pessoal profissional técnico para a segurança pública, poderiam ser adotados para algumas áreas, como da defesa civil, o recurso de brigadas, ou outros encargos atribuídos aos cidadãos (habitantes da localidade), que seriam  devidamente treinados e responsabilizados. É a participação que se deseja, de toda maneira.

No caso da justiça, seria muito mais adotado o tribunal de júri, não apenas para os crimes dolosos contra vida, mas, praticamente, para todo conjunto das infrações  penais e muitas ações civis e trabalhistas. Haveria em cada vara três juízes defensores público e promotores. A assistência de advogado seria opcional pois sempre haveria um defensor público.

A quantidade de varas, como de delegacias, gerais ou especializadas,  dependeria, como é evidente, da população municipal, da extensão territorial.

Os recursos seriam dirigidos às próprias varas e encaminhados para as varas revisoras, existente para um determinado número de varas. Nada além de dois níveis de julgamento. Os juízes revisores seriam sorteados entre os juízes para esta função temporária, em hipótese, cinco anos, voltando à vara de origem.

Há muito detalhe a ser examinado que foge à generalidade com que trato estas considerações.

De forma semelhante à jurídica seria tratada a da segurança, dispensada apenas a instância revisional.

Cabe ressaltar algumas qualidades que darão legitimidade às funções de polícia e de justiça. O administrativista Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1933-2017), em sua vasta bibliografia, trata alguma vezes desta questão. Duas qualidades, ele ressalta para estes organismos: segurança no cumprimento normativo e a estabilidade normativa.

Hoje, com todo aparato de poder nacional, não encontramos segurança numa justiça que se mostra cada vez mais política e partidária.

Do mesmo modo as normas passam a ter validade discutível, atendendo a uns e não a outros, com absoluta instabilidade para quem busca a proteção do Estado.

Há evidente necessidade para esta Vice-Presidência, como para todas as demais, de Corregedorias. Mas não prevejo onde situá-las estruturalmente.  Talvez colocá-las todas na Presidência com os órgãos de auditoria e controle normativo.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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