Argentina: à beira do tsunami social e político

Por Alejandro Acosta

O novo presidente da Argentina, Alberto Fernández (AF), anunciou com estardalhaço a “Lei de Solidariedade Social e Reativação Produtiva”.
Para enfrentar a pobreza, que já atingiu o 40% da população, AF pretende outorgar bolsas para alimentação, para os pobres com filhos, de 4.000 a 6.000 pesos, além de bônus para famílias com filhos, de 2.000 pesos.
Para os aposentados, será estabelecido o aumento de 8% e um bônus de 5.000 pesos, incluindo ainda o não pagamento dos medicamentos. Mas, ao mesmo tempo, ficará suspendido o aumento das aposentadorias pela inflação, incluindo as aposentadorias especiais dos professores, que passará a ser definido por decreto até ter uma legislação específica. Para o próximo semestre, o aumento das aposentadorias deveria ser de 28%, o que equivale a US$ 10 bilhões para 2020. O sistema fica assim desvinculado das contribuições realizadas durante a idade ativa, num processo que vem avançando desde o Rodrigaço de 1975, e abre caminho à privatização e financeirização das aposentadorias. E junto com essa política há a autorização para aumentar o “ingressos brutos” das províncias.
A redução das contribuições à Previdência Social estabelecida por Macri para a patronal será levantada, com a exceção das indústrias pequenas e médias, e algumas industrias, o que reduzirá os lucros dos industriais.

A “mágica” do desenvolvimento industrial e da economia produtiva
Alberto Fernández propõe o desenvolvimento industrial, enfrentando a especulação financeira, mas pagando a ultra parasitária dívida pública, principalmente a dívida externa.
As tarifas dos serviços públicos ficarão congeladas até o dia 30.6.2020, para que sirvam para o modelo produtivo.
O congelamento das tarifas de energia impactam em cheio os combustíveis e o projeto de Vaca Muerta, que tem a Chevron por detrás. O mais grave será a pressão dos monopólios para repatriar os lucros, e tudo o que for possível, por meio da espoliação financeira, e ainda mediante o dólar oficial, enquanto a população poderá comprar apenas US$ 100 mensais.
Será estabelecida uma moratória de seis meses para as empresas pequenas e médias no pagamento dos tributos. Mas os bancos credores se encontram por cima da AFIP (Administração Federal de Ingressos Públicos).
O chamado agronegócio deverá sofrer um aumento dos impostos sobre as exportações; a soja de 30% para 33%; o trigo de 12% para 15%. Quase tudo será destinado a cobrir o rombo de Anses (Seguridade Social).
Os bens pessoais voltarão a pagar as alíquotas de 2015, retiradas pelo governo Macri, e serão taxados os bens no exterior em 2,5%.
Outros dos desafios do governo de AF para colocar em pé o programa que pode colocar em movimento a economia argentina, a realização de um vasto programa de obras públicas que possa gerar milhões de empregos. Esse tipo de verbas foi liquidado pelo governo Macri, que chegou a acabar com as Parcerias Público Privadas.

A dívida pública e o “pacto social”
Alberto Fernández declarou que até o próximo mês de março haverão vencimentos enormes da dívida pública e externa. Reconhece a dívida e nem sequer fala em audita-la como o fez Rafael Correa, no Equador, em 2008. O objetivo é renegocia-la, estendê-la seguindo o padrão que o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BM (Banco Mundial) outorgaram ao Uruguai em 2003, impedindo a bancarrota. Literalmente AF disse: “Não tenho interesse em mexer no passado.” “O FMI é responsável por ter feito empréstimos de maneira irresponsável.” “Posso esquecer o que o FMI fez, mas olhemos para o futuro.”
A expectativa do novo governo é que, por meio do congelamento das tarifas públicas, o congelamento dos preços dos preços da cesta básica e o controle bancário, a inflação e a disparada do dólar sejam controlados. Para isso, precisa do “pacto social”.
Mas há um erro de cálculo básico. O pagamento da dívida pública não pode ser realizado por meio de moeda local. A Argentina carece das reservas em divisas. O Banco de la Nación Argentina acumula mais de US$ 55 bilhões em dívidas com o Tesouro. Quando esses repasses são feitos aumenta a pressão inflacionária, pois se trata de clara dívida impagável, a não ser que seja emitida moeda.
Há evidentemente um confronto com o imperialismo, mas proveniente de um nacionalismo burguês super aguado que morre de medo de sofrer um levante de massas parecido com o que acontece no Chile. Com o rápido aprofundamento da crise capitalista mundial, rumo ao pior colapso da história, não devemos esperar estabilidade social e sim um período político que deverá estar marcado por uma gigantesca desestabilização em breve.
AF prometeu a abertura da Mesa de Contrato Social no mês de janeiro, com a participação do governo, patrões e a burocracia sindical. Além de impor a crescente redução das aposentadorias, rumo à financeirização, o governo buscará impor o fim das “paritárias”, as data-base, e os aumentos salariais. Aqui entra a política para controlar a inflação, que é uma faca de dois gumes, pois se inflação cair não serão outorgados os aumentos do período anterior; e se aumentar, a corrosão dos salários será intrínseca. A política de AF é o clássico bonapartismo, um governo que passaria a funcionar por decretos, como no início do governo de Maurício Macri.
AF declarou que irá encaminhar a “Reforma do Judiciário”, para que seja influenciado por agentes dos serviços de inteligência e operadores mediáticos. A prisão do chefe da CIA e do Mossad na Argentina, o pseudo advogado D’Alessio, mostra que o governo AF busca impor a negociação ao imperialismo em crise.
Há fatores altamente explosivos por todas partes, até no setor rural, onde os setores ligados à mineração apoiam o plano de AF enquanto os setores ligados à soja o enfrentam. No próximo período, devemos ver a Argentina arrastada ao olho do furacão da crise mundial.

Alejandro Acosta, sociólogo e editor da Gazeta Revolucionária

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