Eleições no Uruguai: resultados e perspectivas
Por Alejandro Acosta
A primeira volta das eleições nacionais que aconteceram no Uruguai fecharam com a vitória do candidato da FA (Frente Ampla), Daniel Martinez, que obteve 38,63% dos votos. O candidato do Partido Branco, Luis Lacalle Pou, obteve 28,2% dos votos, seguido pelos candidatos da direita, Ernesto Talvi, do Partido Colorado, com 12,15% dos votos, e o ex general Guido Manini Ríos, de Cabildo Aberto, com 10,73% dos votos.
Somando todos os votos dos partidos da direita e extrema direita que já declaram apoio a Luis Lacalle Pou a diferença aberta com o candidato da Frente Ampla supera os 17%.
A FA perdeu a maioria no Parlamento. No Senado, agora tem 13 vagas contra 17 da direita, das quais três pertencem a Cabildo Aberto que passou a aglutinar a extrema direita que se encontrava dispersa em alguns grupos dos partidos Colorado e Blanco. Na Câmara de Deputados, a FA obteve 41 vagas contra 55 da direita.
O MPP (Movimento de Participação Popular), de José Pepe Mujica, foi o mais votado dentro da FA. O segundo agrupamento mais votado foi Progressistas, encabeçado por Mario Bergara, o ex presidente do Banco Central. O agrupamento do Partido Comunista e Carolina Cosse ficou em terceiro lugar. O grupo do eterno ministro da Economia, Danilo Astori, ficou em quarto lugar, seguido pelo Partido Socialista.
O referendo pela reforma da Constituição, que dentre outras medidas iria colocar os militares para cumprir tarefas de polícia, obteve pouco mais de 46% dos votos. Chama a atenção a alta votação, mas poderia ter sido ainda maior se as papeletas pelo SIM tivessem tido maior destaques e não tivessem ficado perdidas entre o miríade de papeletas das listas nos locais de votação.
A FA pode virar no segundo turno?
De acordo com os discursos dos principais dirigentes da FA seria possível virar no segundo turno e vencer à direita. Mas isso é realmente possível com a política atual?
O ponto de partida para responder a essa pergunta passa por contextualizar a situação do Uruguai no cenário regional e mundial. Conforme a crise capitalista tem se aprofundado, o aperto do imperialismo norte-americano tem se concentrado na América Latina. O objetivo é arrancar até a última gota de sangue dos trabalhadores com o objetivo de conter a acelerada queda dos lucros dos monopólios, das 30 mil grandes empresas que dominam o mundo. Os gigantescos movimentos de massas têm estourado como consequência do acúmulos desses ataques: Puerto Rico, Haiti, Nicarágua (parcialmente), Equador e agora Chile. A situação é altamente explosiva principalmente na Argentina, Brasil, México e América Central.
No Uruguai, o colapso da Argentina em dezembro de 2001 deu lugar à enorme crise de 2002. Essa crise foi contida por causa de que o imperialismo norte-americano aprovou condições estendidas para o pagamento da dívida pública, para evitar o alastramento da crise a toda a região, e pelo direcionamento da economia à soja (transgênica) e ao papel celulose a partir de gigantescas plantações de eucaliptos e plantas industriais de papel celulose. O favorecimento pelos altos preços das matérias primas permitiu à FA aplicar toda uma série de programas sociais, embora que essa saída tenha hipotecado o futuro das próximas gerações, podendo o país se tornar um deserto verde. Hoje já é possível detectar níveis de contaminação do lençol freático várias vezes acima do que se encontrava há duas décadas. Os preços da matérias primas caíram e com eles as condições favoráveis para manter os programas sociais.
A campanha da FA se centrou não somente na manutenção dos programas sociais, mas também na sua ampliação. Mas e o dinheiro para sustenta-los? E a crise capitalista se agudizando em escala mundial, inclusive nos Estados Unidos?
A política da FA é para ganhar ou para ser derrotado?
Para conter os crescentes ataques do imperialismo seria preciso colocar em pé uma força à altura, que somente pode ser as massas mobilizadas para lutar contra a crescente agressividade do imperialismo. A campanha da FA se centrou em mostrar “fatos e não palavras” em relação a todos os avanços que os governos da FA trouxeram. Eles existiram e são indiscutíveis, com melhorias nas condições de vida da população e com a aprovação de leis avançadas para a região e até para o mundo. Isso aconteceu apesar do aumento da concentração da terra e do desgaste ambiental, por exemplo.
As mobilizações da FA continuam impressionantes em termos de número de pessoas e engajamento. A mobilização contra a reforma da Constituição ou o fecho da campanha da FA foi enorme, o que demonstra um grau de politização do povo uruguaio, bastante superior à média da região. No entanto, a política levantada tem sido uma política socialdemocrata bastante direitizada, onde não existe o imperialismo, a crise capitalista, a direita golpista e onde imperaria a “democracia”.
A direção da FA nem sequer explorou as enormes mobilizações do Chile contra as políticas que todos os candidatos da direita pretendem aplicar no Uruguai, conforme tem sido anunciado por eles mesmos. Tudo “água com açúcar”, no mais perfeito Mundo de Alice no País das Maravilhas. Essa foi a mesma política da FA em relação ao aumento da criminalidade e da violência social que acabou gerando muita desestabilização e impulsionou o partido da extrema direita Cabildo Aberto, do ex chefe das Forças Armadas, Manini Ríos, que agora entrou no Parlamento com vários senadores e deputados.
Há várias evidências que apontam para que a repentina desestabilização do país teve na base a extensão da atuação de bandas do crime organizado para o Uruguai, a partir do Brasil, provavelmente num processo que teve o dedo dos serviços de inteligência norte-americanos. Sempre vale lembrar o quo bene?, a quem beneficia?
Na prática, a política da FA repete a política aplicada pela candidatura de Fernando Haddad, o candidato do PT nas eleições presidenciais de 2018, com especificidades dado o grau de politização dos uruguaios, mas com o mesmo objetivo. Perder as eleições seria o cálculo natural da alta cúpula da FA quando defrontada com o orçamento em queda e a pressão da insegurança, a suposta luta contra a corrupção e toda a política regional imposta pelo imperialismo. O cálculo eleitoral “natural” seria deixar a direita fazer o trabalho sujo, atacar os trabalhadores, e a FA voltar “por cima da carne seca”, mais uma vez, e vencer as eleições de 2023. Tudo continuará “maravilhoso” nesse lindo conto de fadas. O probleminha está em que o imperialismo avança cada vez com mais força por meio de mecanismos extra parlamentares, buscando impor ditaduras ferozes para conter o inevitável ascenso de massas que continuará a ser detonado pela brutalidade dos ataques.
O que os lutadores sociais e revolucionários devem fazer?
Neste momento, o mais importante é avaliar corretamente e concretamente a situação política, em desenvolvimento, considerando toda a situação, inclusive regional e mundial. A partir daí, estabelecer as tarefas colocadas.
Os ataques que o governo de Lacalle Pou irá impor contra a população serão enormes. A intensidade dependerá do grau de aprofundamento da crise. É preciso agrupar os ativistas e revolucionários para organizar a resistência nas ruas, em primeiro lugar. As eleições municipais de 2021 serão importantes, mas não devemos esquecer que o imperialismo avança com muita força.
É preciso colocar em pé palavras de ordem que ajudem a orientar a luta, que deve começar imediatamente. O segundo turno das eleições deve ser transformado num campo de luta em que se denuncie que:
Lacalle Pou irá aplicar em Uruguai a mesma política que Piñera, sob a Constituição de Pinochet de 1980, aplica no Chile.
Lacalle Pou é um agente do imperialismo norte-americano que buscará retirar os programas sociais.
Manini Ríos será um dos ministros de Lacalle para aplicar a reforma constitucional que não passou nas ruas.
É preciso denunciar a política “água com açúcar” da Frente Ampla e exigir uma campanha de denuncias e luta frontal contra a direita, que atua como agente do imperialismo.
Derrotar a direita nas ruas denunciando os ataques que virão! Fora imperialismo! O povo não pagará pela crise!
Alejandro Acosta, sociólogo – Gazeta Revolucionária
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