Quem está lucrando com o Coronavírus?
Quem está lucrando com o Coronavírus?
Por Alejandro Acosta.
A crise sanitária do Coronavírus representa um dos componentes da política de guerra com os quais o grande capital intenta controlar a crise, evitando quebradeiras em massa.
No meio do estado de choque generalizado (uma segunda onda da “Doutrina de Choque” que foi desatada após o 11.9.2001),o objetivo é impor ataques brutais contra os trabalhadores e as massas em escala global.
Esses ataques são ainda mais brutais na América Latina que é considerada pelo imperialismo norte-americano o próprio quintal.
Estamos assistindo ao primeiro choque da política do imperialismo que se adiantou ao estouro de uma crise nos moldes da crise de 2008.
As bancarrotas e a retomada da economia ainda não foram resolvidas. Em vários setores da economia as perdas são gigantescas. As enormes bolhas financeiras que pairavam sobre a economia capitalista mundial ainda não foram resolvidas apesar dos trilhões que estão sendo repassados.
Se o capitalismo paralisou a economia mundial durante várias semanas e ainda sem perspectivas de retomada, essa política foi por causa do tamanho do problema enfrentado.
Isto não significa que o capitalismo não tenha saídas. Muito pelo contrário.
A “saída” é a política de guerra interna contra os trabalhadores e as massas que tem como componente impor ditaduras militares sangrentas, à la Pinochet, e fortalecer o fascismo nos países desenvolvidos, como passo para preparar a guerra externa, para controlar o mercado mundial e repassar na ponta das baionetas o peso da crise para os trabalhadores.
Um dos setores mais atingidos pela crise é o da especulação financeira que tem se transformado num componente central da realização dos lucros do grande capital e da própria reprodução ampliada do capital.
A queda abrupta dos preços do petróleo é um componente explosivo da especulação financeira, muito mais que a implosão da indústria de petróleo e gás a partir do xisto nos Estados Unidos.
Novos capítulos da crise ainda estão em curso. Os trabalhadores e os revolucionários devem buscar alternativas de resistência contra a brutalidade do capital em crise.
A escalada dos ataques contra a América Latina
A América Latina é o alvo dos ataques do imperialismo norte-americano devido ao controle quase absoluto da região. Todos os países estão sendo colocados como suportes para as operações de resgate do grande capital, dos 30 mil monopólios que são controlados pelas 150 famílias que dominam o mundo.
No Brasil, por meio da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 10-2020, a Constituição está sendo mudada para permitir que o Banco Central compre títulos públicos e das empresas inclusive no exterior, o que implica em direcionar os US$ 345 bilhões das chamadas reservas soberanas para as operações de resgate.
Já foram repassados R$ 1,25 trilhão para o resgate dos grandes bancos; uma quantia muito próxima ao Orçamento Público Federal.
A MP (Medida Provisória) 936 avança na “reforma” trabalhista e facilita o cancelamento dos contratos coletivos e a redução dos salários em até 75%.
A “esquerda” vendida e a burocracia sindical e dos movimentos sociais estão paralisadas e com medo até da própria sombra, o que significa que na prática, se integraram com mala e cuia à política genocida do imperialismo e a burguesia criola.
No Uruguai, o governo da direita, encabeçado por LuisLacallePou, e que conta com forte presença da extrema direita, principalmente agrupada em Cabildo Aberto, está aprovando a chamada Lei Emergencial, com 457 artigos, 220 a mais que a Constituição vigente.
A esquerda burguesa e pequeno burguesa, da Frente Ampla, está chamando à formação de um governo de unidade nacional.
No Chile, foram repassados US$ 8 bilhões para os bancos emprestarem para as pequenas e médias empresas.
Os recursos das AFP (fundos de pensão), que em princípio seriam a poupança dos trabalhadores, foram direcionados para os bancos, a taxas de juros de 0,5%, para sempre liberados em forma de empréstimos aos trabalhadores a taxas de juros de 28%.
Os descontos dos trabalhadores por conta das AFP passaram do 12,7% para o 17% e o dos Isapre (fundos de saúde) de 4% para os 7%: todo esses recursos são repassados para os capitalistas e existem desde a Ditadura de Pinochet.
O governo Piñera está buscando passar no Congresso 30 projetos de lei para acelerar os repasses e mais 15 projetos de lei para apertar o regime, dentre os quais está outorgar a liberdade dos mais cruentos torturadores da Ditadura Militar.
As contradições entre a burguesia criola e o imperialismo estão ficando cada vez menores por conta do aperto do imperialismo e o medo que a burguesia criola tem das massas. Mas isso não quer dizer que não existam.
Na Argentina, o governo de Alberto Fernández adiou o pagamento de US$ 10 bilhões de dívida local e busca negociar o adiamento da dívida externa que soma aproximadamente US$ 400 bilhões.
Não há nenhum questionamento à política do governo de Maurício Macri que repassou dezenas de bilhões de dólares aos fundos abutres, esvaziou a Anses (fundos de pensão) e os bancos públicos, e que gastou mais de US$ 20 bilhões na campanha presidenciais aumentando o endividamento público.
Ainda pior: Alberto Fernández ofereceu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e os bancos estrangeiros aceitar o aumento dos juros em troca do adiamento dos pagamentos.
Quem irá pagar a conta?
No Peru, o presidente Martín Alberto Vizcarra Cornejo, que é ligado ao setor industrial da burguesia, declarou que as AFP deviam ser suspendidas e os recursos destinados a combater o Coronavírus.
O imperialismo e a burguesia ligada ao capital financeiro botou o grito no céu. O Peru representa o destino principal dos investimentos externos das AFP chilenas.
No Equador, a crise sanitária escalou a níveis catastróficos por causa do crescente sucateamento da saúde pública.
Na cidade portuária de Guayaquil, a segunda do país, os mortos por Coronavírus se acumulam e têm sido abandonados e alguns deles até queimados nas ruas por causa do colapso dos serviços públicos.
A crise na América Latina está crescendo e deverá aumentar muito mais por causa da escalada da crise nos países centrais.
Os resgates do grande capital em crise nos países centrais
A cada dia que passa, acumulam-se as notícias sobre a escalada histórica dos resgates.
Os Estados Unidos já repassaram mais de US$ 6 trilhões (quatro vezes a produção anual do Brasil) e ainda há o “sistema helicóptero” ilimitado por meio do qual o Tesouro emite títulos que passam pela especulação financeira, onde geram enormes lucros e perdem grande parte do valor, para serem a seguir, comprados pelo valor cheio (o valor original) pela Reserva Federal, o banco central norte-americano que é privado e controlado por uma dúzia de grandes bancos.
O endividamento é gigantesco e obviamente representa uma bomba inflacionaria, pois tem o potencial de explodir se a compra dos títulos públicos norte-americanos perder a capacidade de serem comprados pelos demais países.
Os repasses estão sendo realizadospor meio deBlackRock o maior fundo especulativo do mundo, que detém nada menos que US$ 7 trilhões (quatro vezes e meia a produção anual de Brasil).
O BCE (Banco Central Europeu) já liberou 750 bilhões de euros para resgatar o grande capital e ainda aumenta para aplicar o mesmo “sistema helicóptero”.
O governo da Itália, onde haviam 360 bilhões de títulos podres no sistema financeiro, o que implicava que todo o sistema financeiro estava quebrado, liberou mais de 700 bilhões de euros para resgatar o grande capital, o equivalente a quase a metade do PIB.
O governo da França liberou 300 bilhões de euros e o déficit fiscal, que o governo de EmanueleMacron iria reduzir para 1,1% do PIB disparou para mais de 4%.
O governo da Inglaterra liberou 300 bilhões de libras. E situações similares se repetem em toda a Europa.
O governo do Japão liberou o equivalente a US$ 1 trilhão para salvar as grandes empresas.
Os resgates do grande capital somam pelo menos quatro vezes mais recursos que nos resgates iniciais da crise de 2008 e na América Latina entre 20 e 30 vezes mais.
A bomba dos derivativos financeiros
O problema de evitar quebradeira em massa e por a economia para funcionar novamente é o grande desafio do capitalismo na etapa ultra parasitária atual.
Uma das “bombas nucleares” do sistema é o quadrilhão de derivativos financeiros, que estiveram na base da quebradeira generalizada de 2008, que chegou com relativa debilidade à América Latina, mas que agora chega parecendo um tsunami.
O superfundo de investimentos especulativos financeiros Capital One, a título de exemplo, é o décimo primeiro na lista dos maiores bancos norte-americano em relação aos ativos, e se encontra em tremenda exposição em relação aos derivativos.
O motivo tem sido as apostas sobre que o preço do petróleo não iria cair aos níveis muito baixos que há hoje, muito abaixo dos US$ 50 o barril.
E vai além da quebradeira em massa do setor de petróleo e gás a partir do xisto que representa 70% do setor nos Estados Unidos, que hoje detém a maior produção muito de petróleo e uma das maiores de gás liquido.
Isto representa apenas o começo; o que vem a seguir será muito pior em termos de problemas estruturais da economia.
A Reserva Federal perdeu o controle do fornecimento de dinheiro nos Estados Unidos. Os bancos podem agora gerar crédito ilimitado a partir da própria base sem manter qualquer relação com o próprio lastro os propriedades.
Esta política desesperada abre o caminho para uma potencial hiper inflação, ou melhor “estagflação” (inflação com a economia em recessão); esta tendência se acentua com a política de haver fechado a economia mundial.
O que vem a seguir?
A quebradeira tende a se generalizar na maior parte das mega corporações, como já aconteceu com a Boeing por exemplo.
Os empréstimos realizados a essas empresas pelos bancos privados serão queimados o que aumentará o contágio sobre todo o sistema financeiro.Wall Street, a City de Londres, o sistema financeiro europeu encabeçado pela especulação financeira a partir de Frankfurt, a especulação suíça a partir de Zurich etc. se encontram umbilicalmente vinculados aos derivativos financeiros.
Isso independente que alguns setores estejam obtendo lucros históricos, como o setor de comercio eletrônico e os laboratórios.
Também independe do certo sucesso da China, pois também se encontra umbilicalmente vinculada ao mercado mundial e que para superar as próprias contradições e problemas internos tem aumentado a especulação financeira e aumentado o esforço para fortalecer-se como potência imperialista, o que tem a tem colocado em rota de colisão com o imperialismo, principalmente o imperialismo norte-americano.
O aprofundamento da crise capitalista mundial reforça que as crises cíclicas (que queimavam capital sobrante para voltar a funcionar) ficaram no século XIX.
As crises a partir do século XX funcionam em espiral, aumentando as rachaduras estruturais e o período em que o sistema funciona em crise em comparação com os períodos de auge da economia.
O desemprego continua aumentando e tornando-se crônico.
Os problemas estruturais e as enormes dificuldades para colocar em pé uma política econômica alternativa ao chamado “neoliberalismo” estão na base da política da crise sanitária do Coronavírus.
A política atual é uma terceira onda de “neoliberalismo” imposta na ponta das baionetas, um “neoliberalismo a la Pinochet”.
Por esse motivo, é preciso enfrentar essa política por meio de uma política defensiva que permita despertar o movimento de massas, como por exemplo aconteceu na rebelião popular no Chile, buscando ultrapassar os mecanismos burocráticos e militares de controle das massas.
A crise capitalista está longe de ter sido controlada e avança a passos largos rumo a maiores explosões com consequências imprevisíveis.
Os trabalhadores e as massas serão colocadas na encruzilhada de lutar ou morrer de fome. A situação política avança para um grande confronto entre a burguesia imperialista e os trabalhadores; entre o fascismo e os golpes militares de um lado, e a revolução do outro; entre a contrarrevolução e as guerras contrarrevolucionárias e a revolução proletária latino-americana e mundial.
O que são os derivativos financeiros?
De acordo com o BIS (Bank ofInternationalSettlements), uma espécie de “supra” banco mundial, o volume de derivativos financeiros que há no mundo é de aproximadamente US$ 700 trilhões, ou quase dez vezes o PIB mundial.
De acordo com o Swiss Bank, seriam US$ 2 quadrilhões. Esse é o coração da economia capitalista mundial.
De acordo com o OCC (ComptrolleroftheCurrency, ou Escritório Controlador da moeda corrente) dos Estados Unidos, o total de derivativos financeiros nominais (valor cheio) nos Estados Unidos teria passado de US$ 20 trilhões, em 1996, para US$ 40 trilhões, no ano 2000. Em 2005, esse valor era de US$ 100 trilhões e teria subido para em 2005, US$ 180 trilhões em 2007, US$ 200 trilhões em 2008, e para mais de US$ 600 trilhões hoje.
A propaganda do grande capital é de que esses valores gigantescos seriam “valores nominais”.
O problema é que os derivativos financeiros são operados em fundos que agrupam títulos provenientes de vários setores da economia e ainda com fundos que incluem outros fundos, o que dificulta ter o controle.
Mesmo supondo que os valores referenciados sejam de 1% a 2% do valor nominal, estamos falando em US$ 20 trilhões a US$ 40 trilhões e aumentando rapidamente.
Quando a isso, lhe adicionamos os valores bases do endividamento generalizado, principalmente das dívidas públicas que somam quase US$ 300 trilhões, fica evidente que o volume de capital fictício atingiu uma escala histórica e aumentando.
As leis do capitalismo pressionam à queima do capital fictício e à desestabilização do sistema. É esse a razão de que o grande capital tenha colocado em pé uma política militar para conter a crise.
Os derivativos financeiros representam o principal mecanismo da especulação financeira. Os principais tipos são futuros, repasses (forwards), opções (options) e swaps (permutas financeiras).
Os derivativos financeiros potencializam a especulação a níveis estratosféricos mediante a negociação de acordos derivados dos “contratos futuros”.
Eles são estruturados a partir da criação de “fundos de investimentos”, que funcionam como cestas de contratos futuros, estruturados a partir de vários tipos de contratos futuros, provenientes de fontes diversas, que chegam a incluir outros fundos ou cestas de fundos, com intrincadas operações de seguros (sobre as apostas e contrapostas especulativas) e qualificação de riscos, e que, frequentemente, até perdem a trilha dos contratos futuros originais.
Adicionalmente, títulos provenientes do setor “produtivo” (principalmente commodities), incluem hipotecas, operações creditícias, títulos cambiais, e, principalmente, seguros (swaps) sofisticados para todas essas operações.
Eles representam um dos principais instrumentos do verdadeiro “casino” em que a especulação financeira, o coração do capitalismo parasitário, tem transformado o mundo.
Alejandro Acosta – Editor do jornal Gazeta Revolucionária |
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