Ataque ao “Porta dos Fundos”: canastrice, false flags e psi-zumbis

Por Wilson Roberto Vieira Ferreira

 

Sim... Nós também temos terroristas! Mas não importa se estão em vídeos mal produzidos ou dirigidos, falando um espanhol com sotaque carioca ou mesmo um português macarrônico, e soltando palavras-clichê como “burguês” ou “revolucionário” a cada cinco segundos. Dizem representar “Comandos” ou “Sociedades” cujos nomes fariam rolar de rir os integrantes do grupo de humor Monty Python. Bem-vindo ao mundo das false flags Tabajara, terroristas canastríssimos de segunda mão em vídeos toscos, como o da “Frente Integralista Brasileira” que reivindicou a autoria do ataque à produtora do Porta dos Fundos. O que é mais engraçado? O vídeo “terrorista” ou um esquete do Porta dos Fundos? Clamam por uma ação da Justiça contra um “atentado terrorista”, cuja prova é uma “false flag” tosca e mal produzida. Então o que há de real e mais preocupante nesse não-acontecimento? Certamente o vídeo deve ter vindo das insondáveis profundezas da Deep Web. Mas não de Integralistas. Mas de “Incels” (Celibatários Involuntários), Hominis Sanctus ou de algum tipo de supremacismo branco e hetero ressentido – o farto exército industrial de reserva psi-zumbi pronto para servir ao primeiro cripto-comando de um Estado Policial que busca o pretexto para impor o “Patriot Act Tabajara”.

 

Este Cinegnose vem ao longo desses dez anos insistindo na tese de que as diferenças entre ficção e realidade cada vez mais estão se perdendo – enquanto a ficção torna-se cada vez mais “realista” (ou hiper-realista com a evolução dos recursos tecnológicos), a realidade tende a querer emular essa realidade ficcional.

Por isso a realidade tende a se tornar cada vez mais “canastrona”: over, estereotipada, saturada. E o mais sério: a credibilidade ou verossimilhança de um evento estará na relação direta da semelhança com as imagens ficcionais.

A coisa fica ainda mais séria quando essa, por assim dizer, “ontologia invertida” começa a entrar no campo da Política. O velho paradigma hipodérmico da propaganda política começa a dar lugar a uma sofisticada engenharia de percepção para tornar críveis false flags ou inside Jobs que se tornam pautas sérias para agenda midiáticas.

O 11 de setembro foi o (pseudo) evento inaugural da ação política através de armas não-convencionais (guerra híbrida, bombas semióticas etc.) – trazer para a realidade a recorrente destruição de Nova York, recorrente na indústria do entretenimento daquele país desde a transmissão radiofônica de “Guerra dos Mundos”, de 1938.

Esse não-acontecimento justificou o “USA Patriot Act” de George Bush, paradigma para o século XXI, onde sem qualquer autorização da Justiça (seja dos EUA ou de outros países) órgãos de segurança e inteligência dos EUA poderão invadir a privacidade de qualquer um suspeito de conexões com “práticas terroristas” – conceito tão elástico quanto se queira.

Outro exemplo? A célebre Guerra Fria, glamourizada dos filmes de James Bond às incursões de Rambo no Afeganistão cenográfico dos anos 1980, é requentada num “conflito cibernético” que poderá interferir nas eleições americanas de 2020 – quando sabemos que as fábricas de memes e fake news que que beneficiaram Trump foi tudo, menos exclusividade dos RAVs (Russos, Árabes e vilões em geral) hollywoodianos – clique aqui.
E… sim, nós também temos terroristas! Pelo menos é o que vem sendo ensaiado no Brasil, logo imediatamente após do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.


O evento-encenação da “célula-amadora” dos terroristas com armas de paintball

 

Com um ministro Raul Jungman vestido de colete de campanha e “papagaios de pirata” para as câmeras com roupas de camuflagem e o ministro do STF Alexandre Moraes grave e gaguejante, anunciando a poucos dias dos Jogos Olímpicos a existência de uma “célula amadora” islâmica no Brasil – a “verdade” comprovada com fotos do terrorista que, na verdade, tinha uma arma de paintball – clique aqui.

Desde então é recorrente o controle da agenda midiática para pautar o discurso da ameaça terrorista como ensaio para o fechamento político, através do estímulo de um cenário progressivo de confrontação.

O vídeo que apenas foi visto no Brasil sobre a FARC ameaçando Bolsonaro (num sofrível espanhol com sotaque carioca…), a matéria da revista Veja de julho desse ano o líder terrorista da Sociedade Secreta Silvestre (SSS) revelava planos para matar Bolsonaro (terrorista que anuncia seus planos “secretos”…), claro, numa entrevista direta das profundezas irrastreáveis da Deep Web…

… e agora um revival do vídeo de um grupo com o inacreditável nome de “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Família Integralista Brasileira”, reivindicando a autoria do ataque a bombas caseiras contra a produtora do grupo Porta dos Fundos – supostamente, um grupo inconformado com o especial de Natal do grupo de humor “A Primeira Tentação de Cristo”, figurando um Jesus gay.

Porém, o mais inacreditável nem foi o atentado com bombas incendiárias, mas levar à sério um vídeo mal produzido e canastríssimo como evidência de “atentado terrorista”.

A melhor descrição desse vídeo talvez venha da ironia do escritor Antonio Prata: “Sei que é ingenuidade minha, mas ainda aguardo a revelação de que o atentado do Porta dos Fundos era uma piada deles mesmos só para lança a piada mor: o vídeo dos integralistas carioquistas sotaquistas de neopentecostalistas avec monty python no úrtimo”.

Dentro do contexto político atual de um governo que deliberadamente está buscando a confrontação para criar seu próprio Patriot Act, por meio da estratégia de saturação na pauta midiática da figura do terrorista (inédita por essas plagas), é impossível não considerar esse vídeo uma false flag, um “não-acontecimento”.

Porém tosco, mal dirigido e produzido e que não consegue chegar ao nível dos vídeos false flags das execuções do Estado Islâmico produzidos em 2015 por empresas terceirizadas do Pentágono e da CIA. 

O vídeo tosco

De tão tosco e infantil, certamente o vídeo deve ter vindo das insondáveis profundezas da Deep Web. Mas não de Integralistas que tentam manter os ideais de Plínio Salgado. Mas de “Incels” (Celibatários Involuntários), Hominis Sanctus, PUAs (Pickup Artists) ou de algum tipo de supremacismo branco e hetero ressentido – o farto exército industrial de reserva psíquico zumbi pronto para servir ao primeiro cripto-comando de um Estado Policial – voltaremos a esse ponto adiante.

Primeiro, é uma paródia over de todos os vídeos da Al Qaeda, ISIS, Estado Islâmico etc. Algo assim como o roqueiro Supla ser uma paródia de Billy Idol que, por sua vez, já era nos anos 80 uma caricatura de Sid Vicious do punk dos anos 70… O vídeo é uma cópia da cópia da cópia… até virar uma nota de três reais.

Mal produzido: a bandeira (Brasil do Império!) e as roupas parecem que foram tiradas naquele instante de alguma arara ou guarda-roupa cenográfico – não estão surradas ou usadas como se presa de um grupo clandestino com intensa atividade terrorista. E ainda mal-ajambradas e com péssimo caimento sobre o corpo dos “atores” – parece algum vídeo feito nas coxas no quarto da casa de um dos “atores”, enquanto a mãe impaciente grita chamando todos para o almoço…
O discurso ambíguo: a cada cinco segundos o sujeito fala “burguês”, “popular” e “revolucionário”, sugerindo um discurso de esquerda. Mas a pauta é de direita: defesa da família, “contra a atitude antipatriótica, blasfema do grupo de militantes marxistas do Porta dos Fundos”.

Efeito Firehose

Na mosca! O vídeo dá munição tanto à direita quanto à esquerda para se acusarem mutuamente sobre a natureza fake do vídeo e do próprio “atentado” – só poderia ter sido armação de um dos lados…

Para criar a espiral especulativa numa mídia saturada pelo chamado “efeito firehose”: a estratégia de fabricar diariamente boatos, para depois serem negados pela checagem, fazendo com que a realidade se torne subjetiva. A ideia é justamente criar uma espiral incontrolável de interpretações de tal forma que faça a opinião pública não acreditar em fato algum.

Do ponto de vista discursivo é um pastiche total: qual o significado da bandeira monarquista com o símbolo do Integralismo ao fundo? Jamais a vertente brasileira do fascismo foi monarquista. O texto lido pelo soturno porta-voz parece um trem descarrilhando, numa verborragia que em segundos muda o tom: do neopentecostalismo, para a acusação contra a “mega-corporação bilionária” Netfilix que “quer roubar nossas riquezas” até conclamar ao levante de extrema-direita com acento miliciano.


“O Mandarim” assusta o Ocidente em uma false flag no “Homem de Ferro 3”

Mas por incrível que pareça a verossimilhança desse evidente vídeo forjado como tática false flag vem daquela inversão ontológica entre ficção e realidade: o que é mais real? O vídeo do “Mandarim” (no filme Homem de Ferro 3) feito por um ator medíocre e que é “vazado” para as cadeias de TV? Ou todos os vídeos do Estado Islâmico produzidos por terceirizadas do Pentágono?

Por isso a nossa “False Flag Tabajara” ser tão canastrona e farsesca como uma piada do grupo inglês de humor Monty Python – parece ainda reverberar no imaginário brasileiro a falsa entrevista do Gugu com um líder do PCC que prometia matar Datena e todo mundo.

Soma-se a isso a estratégia de saturação por anos da guerra anti-terror nos telejornais com os vídeos canastrões que fazem apenas crianças se mijarem de medo. Então, temos o início da multiplicação de nomes hiperbólicos de grupos terroristas tupiniquins com seus discursos em português macarrônico: “Individualistas que Tendem ao Selvagem” (ITS), “Comando de Insurgência Popular Nacionalista…”.

Lembrando a comédia Bananas (1971) na qual Woody Allen ironizava a multiplicação dos nomes bombásticos de grupelhos ativistas de esquerda em Nova York.
Para além dessa questão percepto-cognitiva-sensorial que assola o distinto público que crê em qualquer coisa há duas questões sérias por trás desse vídeo canastro-tosco.

(a) O Exército Industrial de Reserva psi-zumbi

Nem tudo no vídeo dos “neointegralistas” é fake. A única coisa real são os próprios “atores”. Pouco entendem de ideologia, fé ou teologia. São integrantes de grupos provenientes dos universos dos chans e MAVs – Militância em Ambiente Virtual. Grupos que por muito tempo eram invisíveis, ressentidos.

Jovens com sérios problemas de socialização que buscam nos outros a culpa do fracasso material, existencial ou simplesmente afetivo. Jovens cujo ressentimento cria um bizarro senso de auto merecimento e auto reconhecimento presente no discurso extremista no qual se veem como “homens santos” que nada mais fazem do que realizar seus destinos manifestos.

Formam um senso de comunidade cujo ódio e ressentimento criam uma forte coesão identitária. Todos apenas à espera de um sinal, um gatilho cognitivo que dispare um novo massacre ou linchamento virtual ou real. Um gatilho que pode ser dado desde um simples videogame (que não surge aqui como causa, mas como instrumento involuntário e perverso) ou os cripto-comandos de discursos de extrema-direita proferidos por Trump ou Bolsonaro.

A agressividade deles e a aparente paixão com que defendem ideologias ou fé é muito útil como um exército de mão de obra disponível a qualquer momento. Mas não agem por ideologia nem por fé, mas por uma justificativa para se vingar de um mundo que não os aceita por serem abomináveis.

Esses perfis agressivos querem acreditar em qualquer coisa (daí o verdadeiro pastiche ideológico do seu discurso). Seus objetivos: vingança (movido pelo ressentimento) e supremacia (movido pelo impulso pela visibilidade e poder que julgam terem direito).

A extrema-direita descobriu essa fantástica fonte de matéria-prima psi-zumbi: bombas atômicas em potencial disponíveis para qualquer false flag.

(b) Sob o signo do antiterrorismo

Assim como o capitalismo concorrencial e a fé na mão invisível do mercado encontraram o seu fim com o crash de 1929, cuja resposta foi o nazi-fascismo para o capitalismo se reorganizar através da guerra, da mesma forma outra fase do capitalismo está encontrando o seu fim com mais uma resposta belicista.

O neoliberalismo decreta o fim do pacto entre as elites com setores médios e pobres por meio da democracia liberal e do estado de bem-estar social. O crash financeiro de 2008 foi o sinal da impossibilidade da permanência desse sistema de pactuações.

A radicalização dos dos processos de exclusão, achatamento de salários, redução das condições de trabalho, fim de direitos trabalhistas e fim da aposentadoria para milhões, gerarão um cenário insustentável no qual a contenção da insatisfação e violência das massas será o papel crucial do que restar do Estado – no caso dos países outrora emergentes, dos Estados ocos, ocupados agora por governos apoiados pelo crime organizado, milícias, narcotráfico e igreja neopentecostais (a fé sempre “lava mais branco”…) com um discurso de morte e justiçamento.

Por isso a guerra de desinformação (guerra criptografada) com informações contraditória e false flags como forma de adaptar o aparato judicial e a opinião pública para o estabelecimento de uma nova ordem social com o novo inimigo: sai o modelo clássico do subversivo para entrar o terrorista.
Primeiro, para neutralizar partidos, a esquerda, movimentos sociais e sindicais – todos serão enquadrados como “terroristas”.

E depois como simples técnica de genocídio e criação de uma sociedade de delação (“sociedade X9”) na qual a perda da privacidade como, por exemplo, através da vinculação de CPFs a perfis da Internet, será em nome da guerra ao terror.

False Flag Tabajara para justificar um “Patriot Act Tabajara”, como aponta o blog Duplo Expresso, em franco avanço através de decretos editados recentemente por Jair Bolsonaro – clique aqui.

Mas o pior de tudo é ver parte da própria blogosfera progressista reivindicando que o acontecimento seja assumido pela Justiça como um “atentado terrorista”, colocando o terrorismo em pauta – assim como o célebre cão de Pavlov, saliva ao ouvir o toque da sineta da false flag.

Enquanto dá, veja abaixo o vídeo tosco, false flag psi-op-zumbi… o assunto é sério, mas divirta-se.

Wilson Roberto Vieira Ferreira, editor do blog “Cinema Secreto: Cinegnose” 

Este artigo foi publicado originalmenteneste link.

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