O povo brasileiro não é pacífico, ele é pacificado

Por João de Athayde*, para o Duplo Expresso

 

A desinformação faz parte da repressão

 

A desinformação faz parte da repressão:
quanto mais atacam a soberania nacional
e seus direitos de trabalhador e cidadão,
mais aumentam a distorção da informação:
é a pacificação pela intoxicação.

Faz-se isso até o paroxismo,
distorcem tanto os fatos que se chega a fazer crer
que o seu inimigo é seu conselheiro e protetor,
e aquele que luta aliado na mesma trincheira de humanidade
buscando mais equilíbrio nas sociedades,
seria quem você deveria combater
com toda fria crueldade.

Falseando-se o real, troca-se então a polaridade dos fatos:
um país pacífico que pratica o comércio estável com seus vizinhos
encarna então a “fonte de todo o mal que nos empurra para o abismo”.
Mas quem diz isso é a própria
“fonte do mal-estar ocidental”:
a Bolsa, a Banca, os bancos de nossa bancarrota
e a águia imperial.

O povo brasileiro não é pacífico,
ele foi é pacificado;
pacificado pelo medo,
amedrontou-se de bandidos, de vermelhos,
de seus próprios preconceitos,
dos humores do mercado, do desemprego
e das nuvens despoéticas
de puro gás lacrimogênio.

Pacificado pela repressão policialesca e juristocrática
pacificado pelas ilusões narrativas e midiáticas.

Pacificado pelo desvio de foco
ocultando na fumaça as questões de poder verdadeiras,
de classe e de soberania.
Ao contrário do alegre brinquedo de equipes na infância
agora trata-se de um “jogo de perder a bandeira”
ganha o que o fizer de uma forma mais cínica e lucrativa
e o perdedor, já está marcado:
é a criança brasileira.

Pacificado infelizmente é o povo também
pela dissuasão pelega e pseudo-identitária
não se sabe bem se ingênua, mal informada,
manipulada ou cooptada.

Não sejais, pois, como os ceguetas da história,
que, levados pelo braço a caminhar por um algoz bem dissimulado
e não ouvindo, além de seus passos,
nenhum ruído digno de nota
tiraram prontamente
suas dramáticas conclusões simplórias:

Pensaram que escutavam
o silêncio da paz
de uma tarde colorida
num lindo campo florido

Quando atravessavam ludibriados
as flores murchas e a mudez cinza
do cemitério das nações
vítimas de latrocínio.

 

O cemitério das nações vítimas de latrocínio

 

Não sejais, pois, como os ceguetas da história,
que, levados pelo braço a caminhar por um algoz bem dissimulado (…)

Pensaram que escutavam
o silêncio da paz
de uma tarde colorida
num lindo campo florido

Quando atravessavam ludibriados
as flores murchas e a mudez cinza
do cemitério das nações
vítimas de latrocínio.

 

Assista ao trecho participação de João de Athayde no Duplo Expresso de 15/mar/2019:

 

* João de Athayde é antropólogo carioca residente na França (Aix en Provence). É doutor na Universidade de Aix-Marselha, França e vinculado ao IMAF (Institut des Mondes Africains/ Instituto dos Mundos Africanos) com pesquisa sobre as heranças culturais ligadas ao tráfico de escravos no contexto do Atlântico Negro, em especial sobre identidade, religião e festa popular entre os Agudàs, descendentes dos escravos retornados do Brasil ao Benim e Togo, numa perspectiva comparativa entre a África e o Nordeste Brasileiro. Ele participa e comenta no Duplo Expresso às sextas-feiras.

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