A importância das refinarias e das fábricas de fertilizantes da Petrobras para a economia nacional e para o agronegócio
Por Paulo César Ribeiro Lima*, para o Duplo Expresso
O parque de refino brasileiro conta com 17 refinarias, com capacidade para processar 2,4 milhões de barris por dia, mesmo valor de 2016. Treze dessas refinarias pertencem à Petrobras e respondem por 98,2% da capacidade total. O Brasil conta, ainda, com 97 terminais autorizados, sendo 9 centros coletores de etanol, 55 terminais aquaviários e 33 terminais terrestres, totalizando 1.777 tanques.
O modelo de privatização prevê a criação de duas subsidiárias, uma reunindo ativos da região Nordeste e a outra reunindo ativos da região Sul. Tão logo sejam criadas, a Petrobras pretende vender 60% da participação acionária em cada uma dessas novas subsidiárias.
A subsidiária do Nordeste a ser privatizada compreende as refinarias Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, bem como os ativos de logística (dutos e terminais), operados pela subsidiária integral da Petrobras Transpetro e integrados a essas refinarias.
A RLAM, com capacidade instalada de 333 mil barris por dia, permitiu o desenvolvimento do primeiro complexo petroquímico planejado no Brasil e o maior complexo industrial do Hemisfério Sul. É a única produtora nacional de n-parafinas e parafinas food grade, produtos de alto valor agregado que são vendidos em todo o país.
A RNEST é a refinaria mais moderna do Brasil e será a quinta maior unidade do país em capacidade de refino, após a conclusão dos dois trens. A atual estratégia de expansão da RNEST coloca o Conjunto Nordeste em uma ótima posição para capturar o futuro crescimento da demanda de derivados de petróleo no país por meio de um plano de expansão de baixo custo.
Os oleodutos do Conjunto Nordeste formam uma rede de 770 km que interconecta várias regiões produtoras de petróleo, refinarias, terminais e pontos de distribuição. O Conjunto Nordeste conta com cinco terminais que funcionam como centros de armazenamento para os diferentes meios de transporte, garantindo a confiabilidade do fornecimento de óleo, GLP e produtos refinados.
A subsidiária do Sul a ser privatizada compreende as refinarias Alberto Pasqualini (REFAP), no Rio Grande do Sul, e Presidente Getúlio Vargas (REPAR), no Paraná, bem como os ativos de logística (dutos e terminais) operados pela Transpetro e integrados a essas refinarias.
Em 2006, a REFAP aumentou sua capacidade de refino de 126 mil barris por dia para 207 mil barris por dia mediante projeto de ampliação e modernização industrial. A REPAR é responsável por aproximadamente 12% da produção nacional de derivados de petróleo.
O Conjunto Sul conta com sete terminais que funcionam como centros de armazenamento para os diferentes meios de transporte, garantindo a confiabilidade do fornecimento de óleo, GLP e derivados de petróleo. Os oleodutos do Conjunto Sul formam uma rede de 736 km que interconecta várias regiões produtoras de petróleo, refinarias, terminais e pontos de distribuição.
Se forem criadas e privatizadas as subsidiárias detentoras dos Conjuntos Nordeste e Sul, todos os ativos, compostos por refinarias, oleodutos e terminais, serão controlados por empresas privadas, que terão o monopólio do refino e logística, respectivamente, nas regiões Nordeste e Sul.
Ressalta-se que os preços praticados pela Petrobras podem ser administrados pela União, que detém o controle do capital votante da empresa. Um monopólio privado, sem regulação, poderá levar à escassez de suprimento e ao aumento do preço dos derivados.
Para se evitar abusos por parte do controlador, propõe-se a regulação dos preços dos derivados no Brasil, de modo que os preços sejam compatíveis com os da Costa do Golfo dos Estados Unidos, que refletem os preços do mercado mais competitivo do mundo.
No caso de não haver autossuficiência em determinados derivados, propõe-se uma redução dos tributos para garantir a competitividade da importação de derivados necessários ao abastecimento interno. Nesse caso, os preços também seriam compatíveis com os do mercado internacional.
Os preços dos derivados praticados no Golfo dos Estados Unidos, que em razão de se aproximarem do chamado mercado perfeito são considerados baixos, poderiam ser utilizados como teto para venda às distribuidoras nacionais.
A volatilidade dos preços e da taxa de câmbio poderia ser atenuada a partir de médias em um determinado período, que poderia ser semestral, de modo a evitar variações bruscas de preços no mercado interno.
Nesse modelo, a Petrobras continuaria como a grande refinadora nacional e haveria grandes benefícios para os consumidores brasileiros e para os potenciais investidores nacionais ou internacionais, que teriam suas rentabilidades asseguradas por preços competitivos.
Nos últimos anos, foi expressivo o aumento das exportações de petróleo cru. As exportações de petróleo cru e a redução do fator de utilização das refinarias da Petrobras geraram um indevido aumento das importações de derivados. Em 2005, o Brasil importou apenas cerca de 15 milhões de barris de óleo diesel; em 2017, a importação desse derivado ultrapassou 80 milhões de barris.
Em 2014, as refinarias do país produziram 49,7 bilhões de litros de óleo diesel. Em 2017, foram vendidos 54,8 bilhões de litros de óleo diesel, volume inferior à possível produção interna de 49,7 bilhões de litros de óleo diesel acrescido de 5,48 bilhões de litros de biodiesel, o que totaliza 55,2 bilhões de litros de óleo diesel B10, com adição de 10% de biodiesel, que é a atual obrigação legal.
Observa-se, então, que, com as refinarias a plena carga, o Brasil estaria muito próximo da autossuficiência em óleo diesel B10. Ressalte-se, ainda, que a Lei n.º 13.263/2016 estabelece que a adição de biodiesel pode chegar a 15%.
Quando óleo diesel é importado, ao seu preço devem ser acrescidos custos de frete de navios, custos internos de transporte e taxas portuárias e, ainda, uma margem para remunerar riscos inerentes à operação, como, por exemplo, volatilidade da taxa de câmbio e dos preços sobre estadias em portos e lucro. Assim, o preço para a distribuidoras tem como base a paridade de preço de importação (PPI).
No dia 14 de outubro de 2016, a Petrobras divulgou sua política de preços, que tem como base a PPI. A diretoria executiva da Petrobras definiu que a empresa não praticaria preços abaixo dessa paridade. Essa política teve como consequência a greve dos caminhoneiros. Para debelar a greve o governo reduziu as alíquotas de Pis/Cofins, zerou a Cide-combustíveis e criou uma subvenção econômica para a Petrobras e importadores de até R$ 0,30 por litro de óleo diesel.
Na realidade, a Petrobras produz petróleo e derivados com alta eficiência e baixo custo. Somados o custo de refino e outros custos, como administrativos e de transporte, o custo médio de produção de derivados, como o óleo diesel, é da ordem de US$ 40 por barril, para um valor do barril do petróleo a US$ 70. Utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 reais por dólar e, como o barril tem 158,98 litros, o custo médio de produção do diesel é de apenas R$ 0,93 por litro. Nenhuma empresa privada terá custos tão baixos. Os baixos custos garantem alta rentabilidade à Petrobras, mesmo que a empresa pratique preços tão baixos como os da Costa do Golfo dos Estados Unidos.
As privatizações na Petrobras podem ser divididas em duas fases. Na primeira fase, de 2012 a 2016, as privatizações e os desinvestimentos foram da ordem de US$ 18 bilhões. Entre as privatizações realizadas na primeira fase, merecem destaque a privatização da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e do Bloco BM-S-8, onde estão localizados os estratégicos prospectos de Carcará e Guanxuma.
No que se refere a segunda fase de desinvestimentos, iniciada em 2017, estão em curso 32 projetos de privatização, que podem totalizar US$ 30 bilhões. Esses projetos contemplam quatro privatizações de subsidiárias no Brasil (Araucária Nitrogenados S.A. – ANSA, Transportadora Associada de Gás S.A. – TAG, subsidiária do Nordeste e subsidiária do Sul); uma venda de unidade operacional (Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III); uma venda de participação minoritária (BSBios); três vendas de empresas no exterior (refinaria de Pasadena, ativos no Paraguai e POGBV); e 24 privatizações de blocos e campos de petróleo. Além desses projetos, a Petrobras tem anunciado sua saída da área de fertilizantes nitrogenados.
Em relação aos projetos de desinvestimento e privatização em andamento na Petrobras, é imprescindível ressaltar que eles podem representar praticamente o fim de atividades estratégicas da Petrobras nas regiões Nordeste e Sul.
As privatizações e os desinvestimentos em curso reduzem a participação da Petrobras em atividades previstas no seu objeto social, a despeito do relevante interesse coletivo nessas áreas, com efeitos sobre a atividade da empresa e sobre a economia.
As atividades de refino, logística e fertilizantes são importantes, não apenas para a Petrobras, mas para o Brasil, em especial para o agronegócio. A privatização dessas atividades significa aumento de preços e até escassez de produtos.
A Petrobras é a grande produtora de gás natural nas bacias de Campos e Santos. Além disso, a estatal conta com sua subsidiária integral TAG para transportar o gás até suas unidades de fertilizantes nitrogenados na Bahia (Fafen-BA) e Sergipe (Fafen-SE). As atividades da Fafen-BA e da Fafen-SE são de relevante interesse coletivo e, por essa razão, são exercidas por uma empresa estatal como a Petrobras.
Com a descoberta e o desenvolvimento de campos petrolíferos, principalmente na plataforma continental, o Brasil tem a oportunidade, que pouquíssimos países têm, de se tornar autossuficiente tanto na produção de gás natural quanto de fertilizantes nitrogenados.
A Petrobras, em razão da sua grande capacidade de transporte e de produção de gás natural e fertilizantes nitrogenados, pode ter elevada margem de lucro operacional, pois, na realidade, a estatal, com a verticalização dessas atividades, agrega valor ao gás natural.
A atual política de preços da Petrobras para o gás natural, muito acima dos preços da Costa do Golfo dos Estados Unidos, tem gerado prejuízos na produção de fertilizantes nitrogenados. No entanto, esses prejuízos são apenas contábeis, pois o gás associado produzido pela Petrobras tem baixíssimo custo.
O elevado preço do gás natural gerou grande pressão nos preços da amônia e da ureia. Isso está diretamente associado à hibernação da Fafen-BA e da Fafen-SE e ao aumento da dependência de fertilizantes nitrogenados importados.
As importações são consequência dos altos preços de transferência do gás natural da Petrobras para suas próprias unidades de fertilizantes, decorrentes da chamada “Nova Política ajustada”.
No entanto, a atual política de preços da Petrobras pode e deve ser revista, com urgência, para que as unidades de fertilizantes nitrogenados voltem a operar a plena carga e a hibernação seja descartada definitivamente.
Mantidos os ativos das regiões Nordeste e Sul, os preços dos derivados de petróleo e dos fertilizantes nitrogenados podem, imediatamente, ser compatíveis com os dos mercados mais competitivos do mundo.
Se esses ativos forem privatizados esses ativos, os preços aumentarão e ainda haverá risco de escassez, com forte impacto na produção agrícola nacional, tão dependente dos preços do óleo diesel e dos fertilizantes.
O petróleo e o gás natural da província do Pré-Sal podem e devem ser uma importante fonte de matérias-primas para o refino e para a produção de fertilizantes nitrogenados. Nesse contexto, não há como negar a importância estratégica das refinarias, da TAG, da Fafen-BA e da Fafen-SE para a Petrobras e para se ter baixos preços no País.
Se gerido sem visão estratégica, o Pré-Sal pode se tornar uma maldição. Sua descoberta, em vez de reforçar a visão histórica e estratégica da Petrobras como empresa integrada, pode levar à desintegração da estatal, o que pode ter graves consequências para os consumidores, para o agronegócio e para a própria segurança nacional.
* Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University (1999), ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às quartas-feiras.
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