O Brasil que traiu a si mesmo

De João de Athayde*, para o Duplo Expresso

Vergonha, vergonha, vergonha
vergonha pro Brasil, vergonha pro mundo
que nos olha e diz:
“que Brasil imundo!”

Vergonha pro favelado da Rocinha,
vergonha pro mano da periferia,
vergonha pro pobre do sertão
vergonha pro esquecido caboclo ribeirinho.
E pro índio?
Pro índio não tem nem vergonha
é só, mais uma vez,
a pura aniquilação.

Vergonha pro negro que foi o suor
dessa grande vergonhosa nação
pro negro que deu o sabor na nossa cultura
admirada nos altos cultos círculos do mundo
mas vive como o resto do povo
só numa continuidade da escravidão,
vergonha de nação.

Mas vergonha mesmo
vergonha mesmo
é pra essa classe média
essa parte de classe mérdia
de falso moralista que pensa que é elite
porque herdou, estudou e um pouquinho ganhou
mas é só sempre-fascista (e agora deram na vista):
enquando tem um apartamentinho com segurança e uns proventos
e um empreguinho que pode acabar a qualquer momento
quer mesmo é ser capitão do mato e capataz
porque o prazer dela é ver matar
de tiro, de fome, de covardia ou de tortura.

A França de Vichy
foi a França dos traidores
que, contra seu próprio povo,
colaboraram com os nazistas invasores
sendo a maior mancha e vergonha
da História da França até hoje.

Isso agora tem retorno no “Brasil de Vichy”:
olha o pastiche aí, Gente! Vixe…!
O Brasil que trai a si mesmo
e muitos traidores vão aderir
a História está aí mostrando a se repetir
e o Brasil do futuro dirá, arrependido:
“perdoa-me por me trair”.

Tudo se baseia num Brasil muito aprofundado
que sempre foi assassino de índio e de sem terra
de escravo explorado e pós-escravo desprezado
e que mete na cadeia um grande líder sindicalizado
traído este, por falsos conselhos ou advogados,
Brasil de conchavos entre generais, pulhas políticos e o judiciário,
estamos infelizmente habituados.
Brasil que sempre foi de um machismo de agressividade patológica
no bordão mil vezes repetido: “odeio viado!”
Tudo isso foi capitalizado
por TVs, seitas do dinheiro e Cambridge Analytica
pura manipulação milionária
de Fake Tank da Mídia.

Mas o Brasil traidor, o Brasil de Vichy
se baseia mesmo é nas ilusões e conchavos criados por yankees,
porque é pra certos estrangeiros que a elite rapineira trabalha.
Elite de paus-mandados:
pensam que são gerentes
mas são garotos de recados
podendo ser a qualquer hora
simplesmente descartados.

Resistência,
união agora é com aquele que é verdadeiramente teu amigo,
aquele que não mete a faca nas tuas costas e no teu umbigo.
Reorganizar a resistência
e falar a língua do povo
porque são mais de 200 milhões
e não se pode falar só pra Ipanema
porque pode até ser muito belo,
mas o problema não é o intelectual,
é o intelectual que se vende ou se aliena.

Nunca mais se afastar dos interesses do povo
porque nisso o pobre é que é o Mestre:
já acorda todo dia na resistência
contra a polícia, a milícia, o patrão, o desemprego ou a doença
falta agora em nós é humildade, comunicação e consciência.
Sim: inovação na comunicação; vai, pensa!
E ação coordenada na resistência.

Viram? O Brasil não é uma Ilha
é um país no meio das rotas
de um mundo agredido pelo livre-mercado.
Traição ao próprio povo é câncer do caráter, é doença.
Só junto a quem trabalha e a um projeto de Estado
direcionado para o povo é que se constrói
a verdadeira resistência.

Mano Brown falou
Mano Brown avisou:
abandonou o povo,
babou, babou.
“…São trezentos picaretas com anel de doutor…” (DE1)
agora são trezentas baionetas, todas à direita,
chega! Chega!
Agora, tudo se revelou.
Reorganiza! Resistência com quem é de resistência.
Levou na cara,
acordou?

Adaptação do “O Beijo de Judas”, por Giotto, na Capela Scrovegni – Pádua | ITA (1304-1306)

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DE1 – Excerto da faixa “Luís Inácio (300 Picaretas)”, de Herbert Vianna, no álbum “Vamo batê lata”, Os Paralamas do Sucesso (1995).

 

*João de Athayde é antropólogo carioca residente na França (Aix en Provence). É ligado ao IMAF (Institut des Mondes Africains/ Instituto dos Mundos Africanos), na Universidade de Aix-Marselha, França. Realiza doutorado sobre as heranças culturais ligadas ao tráfico de escravos no contexto do Atlântico Negro, em especial sobre identidade, religião e festa popular entre os Agudàs, descendentes dos escravos retornados do Brasil ao Benim e Togo, numa perspectiva comparativa entre a África e o Nordeste Brasileiro.

 

 

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