PRECISA-SE OPOSIÇÃO | Nação sob Poderes Nacionais Estrangeiros
Nação sob Poderes Nacionais Estrangeiros | parte 2 de 3
Por Pedro Augusto Pinho*, para o Duplo Expresso
Sob o Poder Nacional Estrangeiro
Palmares foi o grande movimento de oposição dos primeiros três séculos que o Estado Colônia enfrentou. O Brasil do século XIX já será país associado ao colonizador – Reino Unido ao de Portugal e Algarve – e, formalmente, independente. Precisaremos, portanto, entender o Poder dominador, seus objetivos e métodos, para identificar a oposição.
Jessé Souza, no Capítulo 3 (Como o senso comum e a “brasilidade” se tornam ciência conservadora?) de “A Ralé Brasileira” (Contracorrente, SP, 3ª edição, 2018), escreve:
Desde o século 19, mas especialmente no século XX, passa a existir uma polarização evidente entre defensores do Estado, como instância propulsora do desenvolvimento social de uma sociedade atrasada em todas as dimensões da vida, e dos defensores da livre ação do mercado para concretizar os mesmos fins.
Ocorre, como também explicita este investigador sociólogo brasileiro, que houve uma inteligência do Poder dominante para usar “um vocabulário que todos entendam e não importa que essa leitura não descreva a realidade de modo confiável”.
Um ponto fulcral está em compreender a distinção entre Poder e Governo.
Poder é quem detém o mando, o controle. Governo é quem aplica as decisões do Poder. Por mais charmoso que seja afirmar: todo poder emana do povo, a nação, onde 80% de sua população são destituídos das condições mínimas de sobrevivência e de capacidade de vocalizar suas aflições, só com muito cinismo pode apresentar este Povo como Poder.
Entendemos que, desde o Império e por toda República, nosso Estado foi tomado e aparelhado por interesses não nacionais. E isto contou com apoio de ínfima parcela da população brasileira. Este Estado, só quando dominado pela oposição – mesmo que por breves períodos –, corresponderá àquela instância propulsora a qual Jessé Souza refere-se.
Por outro lado, há uma economia dependente, exportadora de produtos primários. Isto é, com um mercado dirigido e orientado por economia externa, este só empreenderá reforços para manter esta situação, e dirigirá toda repressão a qualquer tentativa de mudança do status quo.
Como se conclui, o ideário da oposição brasileira, desde o início do século XIX até esta segunda década do século XXI, tem as mesmas reivindicações, por ordem de prioridade:
a) constituir um Estado Nacional Soberano;
b) libertar todo povo das diversas formas de escravidão;
c) construir a cidadania brasileira;
d) garantir segurança e justiça para toda população; e
e) buscar os ideais de paz, de desenvolvimento e de justiça como valores para sociedade.
Detalhemos, brevemente, os tópicos principais deste elenco oposicionista.
Soberania significa o total controle da produção, dos usos e da apropriação das rendas oriundas dos recursos naturais brasileiros. Para tanto o Brasil deve dispor de tecnologias e parque industrial, além de forças armadas, que garantam a independência nacional.
Cidadania é ter todos brasileiros como par, como iguais. Para isso, o Estado garantiria as condições mínimas de sobrevivência, em todas circunstâncias e sem exceção de qualquer espécie: saúde, habitação, alimentação e transporte urbano. Também promoveria a consciência de si mesmo e do outro e a efetiva possibilidade de se fazer ouvir, pelos pares e pelas instituições.
Segurança e justiça são garantidas pelo Estado, e só por ele, quer do ponto de vista pessoal e patrimonial quanto dos direitos (inclusive ao trabalho), à informação e ao respeito humano.
Teríamos, deste modo, a possibilidade do povo ser Poder e ter-se uma democracia efetiva em nosso País. Estado e mercado não seriam, como de fato não são, antagônicos, mas complementares na garantia de soberania e cidadania.
Sob o Poder Inglês
A vinda da corte portuguesa para o Brasil, sob a proteção do Império Inglês, já seria suficiente para revelar quem, efetivamente, seria o Poder em nosso País.
Mas como existe, e é sempre do interesse de todos os poderes que haja a confusão entre Poder e Governo, a grande maioria das revoltas se dá contra os governantes e não contra os detentores do Poder.
A Revolução Pernambucana de 1817[DE1] é bem um exemplo deste tiro fora do alvo. Se de um lado pretendia implantar a República, de outro mantinha a escravidão. Ou seja, removia-se o Governo e era mantido o sistema de interesse do Poder: a produção agrícola e mineral para exportação a baixíssimo custo.
A Revolta dos Cabanos, entre 1835 e 1840, foi o verdadeiro movimento oposicionista, ocorrido no Grão-Pará. Unidade administrativa do Império que correspondia a toda Região Norte do Brasil, sem o Estado de Tocantins, ou seja, Pará, Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Acre.
Cabanos eram pessoas da classe pobre que viviam às margens de rios, em habitações precárias. Sandra da Costa Santos (“Cabanagem: crise política e situação revolucionária”, tese de mestrado, in “Revoltas Populares no Brasil”, fascículo 8, Editora Caros Amigos) entende que a marca deste movimento foi a luta pela cidadania.
Efetivamente, a Cabanagem foi formando-se com o tempo, unindo índios (Mura, Munduruku e Sateré-Mawé – estes últimos inventores da bebida guaraná[DE2]), negros, religiosos, comerciantes, intelectuais, jornalistas, empregados, profissionais liberais e militares, ou seja, pessoas de todas as classes e fortunas que buscavam a liberdade. Fosse ela política, social, econômica ou ideológica.
O último presidente Cabano, Eduardo Angelim, após uma vitoriosa batalha, assim proclamou:
Meus amados patrícios! Eu vos afiancei que o infame e opressor jugo estrangeiro havia por cair por terra e que seríamos os vencedores.
Observe-se, caros leitores, que o Brasil era “independente” desde 1822. Ou seja, havia uma consciência de que a luta era contra um modelo de dominação que a todos escravizava. Mais de 30 mil mortos foi o saldo desta revolta, mas revelou também, por cartas descobertas em 1999, que o regente Diogo Antônio Feijó pediu auxílio de tropas inglesas e francesas para derrotar os Cabanos. O Brasil independente não era soberano.
Não tenho pretensão de tratar exaustivamente dos movimentos oposicionistas. Mas, no período da dominação inglesa, é importante salientar a presença de milicianos estrangeiros, como Lord Cochrane, auxiliando um governo sem forças para conter ideais libertários.
Não só sob o Poder Inglês, mas, igualmente, sob o estadunidense, houve sempre agentes estrangeiros, espionando, controlando e manipulando reações populares e articulando golpes e insurreições.
Sob o Poder Estadunidense
O movimento que causaria a derrocada da dominação inglesa e colocaria no Poder os interesses dos Estados Unidos da América (EUA), não tinha certamente este objetivo. Foram inconformismos militares, que ocorreram por toda década de 1920, que motivaram o diversificado Movimento Tenentista.
Vimos que houve diversos chamados às forças estrangeiras para conter movimentos brasileiros no século XIX, e conhecemos as ameaças estrangeiras no século XX.
As Forças Armadas (FFAA) eram mais expressivamente representadas pelo Exército, como ocorre até hoje. Conta-se que um dos estímulos à criação da Petrobras veio de um general ao constatar – no tempo que todo combustível no Brasil era importado por empresas estrangeiras – que havia menos de uma semana de gasolina e diesel para garantir o deslocamento das tropas. E isso considerando a soma de todo estoque no País.
Nos EUA, em Israel, na Rússia e em vários países (principalmente, aqueles belicistas) as FFAA são impulsionadoras do desenvolvimento industrial e tecnológico. É bastante lógico, pois a dependência estrangeira de armamentos, equipamentos bélicos, veículos e materiais de combate deixa qualquer país vulnerável.
Sempre houve uma corrente nas FFAA que se denomina nacionalista. Aquela proclamada defensora da autonomia industrial e tecnológica brasileira. Nos poucos momentos da nossa história em que elas tiveram participação no Poder e influenciaram os Governos, podemos afirmar que a oposição ocupou o Governo. Tal foi o caso, após a Revolução de 1930.
Quem foi oposição a Vargas? Voltemos a Jessé Souza para explicar a farsa intelectual do patrimonialismo e do homem cordial brasileiro. Transcrevo do já citado livro “A Ralé Brasileira”:
(Houve) um plano político conscientemente arquitetado e levado à prática, por parte da elite paulista vencida por Vargas em 1930, no sentido de construir uma teoria e uma elite intelectual e política antiestatal e liberalizante, como discurso legitimador para reconquista do poder político perdido.
Por todo Império – com a escravidão –, e pela República Velha –, com a neoescravidão de imigrantes, concentrados nas “terras roxas paulistas” da monocultura do café –, o Poder esteve em mãos inglesas. Era a economia agrário-exportadora sob a moeda de referência britânica, a libra esterlina.
Interessava aos EUA, que vinha impondo o novo modelo de capitalismo industrial, abrir mercados. Não tão seletivo como o do industrialismo inglês, ainda que controlado pelo mercantilismo financeiro, mas orientado ao consumo de massa.
A necessidade de muitos novos adquirentes exigia novas relações de trabalho e tinha, como reforço, a liberdade de consumo. Claro, vinha travestida para que fosse confundida com a liberdade individual e política. Foi, então, construído um pacote de direitos civis, trabalhistas e políticos em oposição ao neoescravagismo, onde a questão social deixava de ser “caso de polícia”, e as eleições tornaram-se decididas pelos representantes do Poder.
Mas, como é óbvio, para um país que tem o Poder nos interesses estrangeiros, a oposição brasileira deveria se colocar tanto contra os interesses ingleses – advogados pelos fazendeiros paulistas –, como dos estadunidenses – apoiadores de Getúlio Vargas. Esta dificuldade e as contradições decorrentes tornaram necessário, para o período 1930 a 1945, implantar o Governo ditatorial.
Mas opor-se a Vargas também era complexo, pois poderia levar ao liberalismo. Esse tipo de oposição interna apenas atenderia aos interesses estrangeiros, pois seu Governo, como um legítimo Governo de oposição, impunha a legislação trabalhista e a industrialização brasileira.
O discernimento do que seja, a cada Governo – eleito ou ditatorial –, a aplicação do ideário da soberania, da cidadania e da segurança, torna-se uma grande dificuldade para se formar ou de se posicionar como oposição a partir de Getúlio Vargas.
Passamos para a última parte destas reflexões, onde será ainda mais difícil entender um Poder – e consequentemente como agirão os Governos –, pois agora ele não tem origem no Estado Nacional, mas em um Sistema que pretende a dominação planetária.
* Pedro Augusto Pinho é avô e administrador aposentado.
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DE1 – No link você poderá ler a transcrição de panfleto impresso em 1817 contra a tirania real em Pernambuco, por Maria Lizete dos Santos.
DE2 – No artigo “Guaraná, a máquina do tempo dos Sateré-Mawé”, da antropóloga Alba Lucy Giraldo Figueroa (2016), a autora conta um pouco sobre o guaraná proporcionar aos Sateré-Mawé “no primeiro povo indígena brasileiro na história com um produto próprio, transformado e sistematicamente comercializado, em tempos coloniais e do Império.”
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