“Camisa da CBF vermelha”: militontos vestem Cavalo de Tróia e Golpe agradece

Artigo de Piero Leirner; introdução de Romulus Maya

Mais uma importante análise do antropólogo Piero Leirner sobre a disputa pelos símbolos no contexto que vivemos, de guerra híbrida. Sobre isso, acrescento que a tal “camisa da CBF vermelha” – não sendo resultado de infiltração – é o maior “presente involuntário”/ tiro no pé dado ao Golpe pela esquerda neste ano!

 

Incrível!

Sim, “de boas intenções o inferno está cheio”. Mas ver profissionais da política/ militância impulsionando tal estupidez é de cortar os pulsos!

“Ah, então você quer que eu vista a camisa da CBF, tal qual um manifestoche?”

Não… vista-se como quiser!

Eu, por exemplo, verei os jogos à paisana.

Mas – por favor – não ajude o Golpe a fazer o brasileiro engolir o desmonte que – ele! – promove do Brasil mesmerizando-o com o fantasma da tal “bolivarianização” do “Foro de São Paulo” fruto do “comunismo INTERNACIONAL”  que quer “mudar nossa bandeirazzZZZzzzZzZZzzz…” .

Quem ataca o Brasil são eles – e não nós!

Pois vamos vestir a carapuça? Passar recibo de “antinacionais”?

Dureza!

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A DIREITA É UM DISCURSO, O BRASIL DA COPA PODE SER OUTRO

Por Piero Leirner[1], para o Duplo Expresso

  • Dias atrás fiz um exercício, um experimento. Fiz uma substituição de palavras em um trecho das Origens do Totalitarismo, de H. Arendt. Incrível como às vezes se tem um “espaço em branco” pronto para alguém projetar nele aquilo que se quer. Então vejam como ficaria, se, no texto, substituíssemos “judeus” por “esquerdista” (e extensões). É um exercício para se pensar onde as coisas podem dar. Ela está falando, neste trecho, da Europa do fim do século XIX. Nós, do Brasil do começo do XXI.
  • “Como eram esquerdistas, tornava-se possível transformá-los em bodes expiatórios quando fosse mister aplacar a in­dignação do público. Depois, as coisas podiam continuar como dantes. Os anti-esquerda podiam imediatamente apontar para os parasitas esquerdistas de uma sociedade corrupta para “provar” que todos os esquerdistas de toda parte não passavam de uma espécie de cupim que infestava o corpo do povo, o qual, de outro modo, seria sadio. A eles não importava que a corrupção do corpo político houvesse começado sem o auxílio dos esquerdistas (…). Os anti-esquerda, que se diziam patriotas, introduziram essa nova espécie de sentimento nacional, que consiste primordialmente no completo encobertamento dos defeitos de um povo e na ampla condenação dos que a ele não pertencem”. (p.121 ed. Cia das Letras de 1989).
  • Nada disso funcionaria se não se tivesse produzido uma armadura simbólica para vestir a carapuça no petista.
  • Recentemente, no aniversário do meu filho de 6 anos, ele recebeu da avó um uniforme da seleção. Imediatamente censurei. Tenho certeza que o presente não foi uma “ação coxinha”, foi só a de quem nem estava pensando nisso. Meu filho ficou atônito: adorou o presente, mas simplesmente percebeu que eu vi algo de muito errado lá, e, enfim, não soube o que fazer com aquilo. Foi aí que me toquei. Antes de mais nada, eu mesmo, na minha posição, encurralei duas pessoas que não precisavam estar nessa posição.
  • O que quero chamar a atenção é para o fato de que pelo menos não se deve bater de frente com um símbolo nacional. Por isso mesmo nossa opção é limitada. Podemos não dividir a Copa. Não precisamos fazer uma camiseta da seleção vermelha. Podemos esvaziar o discurso da direita, e fazer a Copa ou ser um evento secundário, ou ser um evento de todos, não da Globo, nem do Itaú, nem do Galvão, nem do Neymar, nem do Tite. Não há controle absoluto sobre o simbólico, ele sempre deixa brechas. Então, se a esquerda está lutando pela Petrobras e pela Embraer, pela Eletrobrás e pela Vale, ela não pode antagonizar uma mobilização nacional de quase 100 anos, só porque a diretoria e o produto são um horror.

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Muito complicada essa equação da Copa do Mundo agora. Os argumentos que a seleção é uma entidade privada mostram que definitivamente uma parcela da esquerda não entendeu que certos símbolos podem transcender a dicotomia público/privado. É o caso da seleção, lutar contra isso é dar de bandeja o filé para o inimigo. De novo vamos fazer a besteira de deixar o verde e amarelo pros caras? É verdade, não temos que ter simpatia pela associação entre Tite e o Itaú. Por Neymar e Galvão. Pela CBF e FIFA. Pelo contrário, podemos e devemos antagonizar com eles. Mas podemos entender que símbolos às vezes podem funcionar como o principal dispositivo, sobretudo na guerra semiótica que estamos vivendo. É preciso captura-los. Por isso mesmo temos que entender um passo que se deu em 2014 e como agora pode ser o momento de reverter isso.

Quem volta aos fatos de 2013 e adiante há de se recordar que uma parte substantiva das manifestações levantavam dois cartazes que depois foram associados, de um lado às críticas que encampavam um “quero serviços padrão Fifa” e, de outro, o movimento “não vai ter copa”.

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(foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_contra_a_Copa_do_Mundo_de_2014)

 

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(foto: https://www.diarioliberdade.org/brasil/reportagens/47908-5%C2%BA-ato-contra-a-copa-no-brasil-se-n%C3%A3o-tiver-sa%C3%BAde,-n%C3%A3o-vai-ter-copa%E2%80%9D.html)

 

Essa associação é indireta e não é óbvia. O “não vai ter copa” parecia ter uma feição mais associada à esquerda, ele se ancorava a uma pauta identitarista e algo anárquica; já os protestos “padrão Fifa” tinham uma característica subjetivista. Eram, digamos assim, de caráter mais “espontâneo” (bem estre aspas aí…) e, curiosamente, pareciam abarcar mais um público com viés pequeno-burguês. O “não vai ter copa” era mais pautado pelo uso do preto e do vermelho; o “padrão Fifa” colorido e verde-amarelo. Já estava ali o protoplasma do que viria: um campo aberto dentro de uma espécie de “esquerda anarquista”, que atuava como infantaria em um movimento sobretudo “anti-estatal”, ou antes “anti-forma-do-governo-das-células” num sentido foucaultiano, abrindo caminho para uma cavalaria triunfante de uma classe média experienciada em viagens pela Europa e EUA que simplesmente estava “cansada”.

NOTEM BEM A INCRÍVEL TRANSFERÊNCIA DE ATIVOS SEMIÓTICOS: a pauta do “não vai ter copa”, que ia contra os gastos públicos em estádios, imediatamente foi capturada e se transformou numa narrativa da associação “corrupta” entre o Governo e as Empreiteiras privadas (lembrem-se que a Petrobras ainda estava engatinhando nessa guerra semiótica, mas já estava plantada lá). A copa aqui foi tomada pelo povo viajado como um conluio Petista e seu projeto de poder (como, aliás, repetiram esse mantra os Procuradores do MPF no recente testemunho de Lula no processo de Cabral). Triste ironia, não me canso de ver como a resistência minoritária se tornou a bucha de canhão da vitória majoritária. No meio de tudo isso, ensanduichado estava o governo petista.

Sabemos no que 2013 deu. Estamos cansados de repetir que a “bandeira apartidária”, exigência inicial que vinha de uma pauta difusa, quase subjetivista, deixou as portas abertas para que uma estratégia reacionária logo achasse a rota mais convincente para galvanizar as representações do coletivo. A apropriação da bandeira foi fundamental para isso, pois ela é uma espécie de “símbolo autossustentável”. Seu contexto de uso ocorre apenas em paridade com outros que conseguem dialogar no mesmo espectro de mobilizações – por exemplo, as bandeiras dos Estados, ou de outros países, ou de um “inimigo comum”. Quando a bandeira nacional é acionada para figurar num movimento interno, aí já era: “capturou a bandeira, venceu” – é isso que se aprende em jogos de guerra.

Tudo conspirava a favor da direita, se pensarmos bem. Não é possível que ninguém leve a sério o fato de que a frustração do 7X1 favoreceu ainda mais o uso da energia contida contra o governo, que se manifestava nos estádios como uma “panela de pressão simbólica” para terminar o movimento de galvanização das forças até então difusas. Não é absolutamente sintomático que uma certa classe social, que antes jamais se reunia, não se via como coletivo e protestava difusamente, tivesse encontrado no estádio sua primeira experiência “de si” enquanto agente político? Daí para as ruas, como dizem por aí, “foram dois palitos”.

Logo depois, uma das coisas que podemos levar em conta no processo do golpe é que a frustração com a Copa tendeu a ser compensada com poder vestir a camisa da seleção e obter uma vitória cultural. Dilma, nesse sentido, foi um bode expiatório. Foi o 7X1 da classe média-alta que antes ia ver a copa lá fora e que agora “aguentava” o espetáculo com o povo bem na porta de casa. A bagunça semiótica estava armada. Como comentei com um amigo especialista em futebol no fim da copa de 2014, “esse monte de camiseta da CBF vai ter algum destino, tá no armário da galera como uniforme de combate”. Foi um presente que caiu no colo da direita, que a essas alturas já tinha a posse da camisa (que, enfim, nunca foi “neutra”), e pouco precisou para que dela se operasse a noção de que se obtivesse mais do que uma queda de uma Presidenta.

É preciso notar que esta batalha das cores não é exatamente novidade. Alguém se lembra da repercussão das flores vermelhas plantadas por D. Marisa Letícia no Alvorada? 2004, Folha de São Paulo: “É o símbolo do aparelhamento do Estado”, disse o senador tucano Tasso Jereissati (CE). Já para o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), “a administração do Palácio do Planalto agrediu os símbolos da República (…)“. Mais abaixo, a reportagem diz: “As primeiras-damas Lucy Geisel (1974-79) e Dulce Figueiredo (1979-85) fizeram algumas alterações nas flores dos jardins do Palácio da Alvorada, mas respeitaram os canteiros estabelecidos no projeto original do jardim”. (https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u60094.shtml).

Não são 4 anos de mídia batendo incessantemente em Lula. São pelo menos 15 anos de fatos sendo acumulados, diariamente, e articulados para dar a devida consistência simbólica ao anti-petismo, e portanto produzir efetividade cognitiva para um monte de gente que não realizaria espontaneamente esse movimento. A “minha bandeira não é vermelha” é o cabeçalho de um script para o qual se foram agregando uma quantidade incrível de elementos. Entre eles, 2 que merecem maior destaque.

O primeiro é essa associação, que não é nova também, entre a esquerda e um internacionalismo. A ideia, bastante difundida pela direita, é que toda a esquerda é no fundo a tentativa de dobrar a Nação a um conjunto de forças internacionais. Isso vai do “comunismo internacional” ao “ambientalismo internacional”. Nesse ponto, vejo que desde muito tempo a direita foi bem-sucedida em transformar a esquerda em inimigo perene da “forma-Nação”. É isso que permite, por exemplo, formulações nonsense como “George Soros: guru da esquerda”. Mas esse é um jogo tão absolutamente pesado e profundo que até parte da esquerda cai, quando, por exemplo, compra a paranoia anti-ONGs na Amazônia, bradando, como Aldo Rebelo sempre o fez, que isso era um plano da “cobiça internacional”. Divide et impera.

O supra-sumo desse movimento foi, sem dúvida, a transformação do tal “Foro de São Paulo” numa espécie de organização maçônica, num Illuminati inventado por Fidel Castro, provavelmente sob mando psicografado de Stalin. Nem preciso dizer nada a respeito da quantidade gigantesca de institutos de direita que fazem exatamente o mesmo que o Foro, com capacidade até de dar alguma relevância a um zero à esquerda como L. Von Mises. AmCham, Wilson Institute, Instituto Millenium são, em última analise, o quê? Afinal, como se acha que, em um contexto mais amplo, a Venezuela seja traçada como um Grade Satã? O “vai para a Venezuela” não saiu do nada, e é muito sintomático que o novo bode-expiatório do mundo esteja tão perto, e foi intimamente associado ao PT, Foro de São Paulo, etc. “Falta papel higiênico” é o tipo da coisa que se ouvia a respeito da URSS na década de 1970. De fato, é preciso ter em mente que os símbolos são mobilizados a dedo.

Então o que podemos depreender desse primeiro elemento? Como muitos outros movimentos que dependem de símbolos, jogadas cognitivas, etc., HOUVE UMA JOGADA BEM-SUCEDIDA POR PARTE DA DIREITA DE TRANSFERIR PARA A ESQUERDA SUAS PRÓPRIAS CARACTERÍSTICAS NEGATIVAS: afinal, se tomarmos ao pé da letra, os movimentos de desnacionalização, liberalização da entrada de capitais “sem pátria”, anti-estatização, contração geopolítica, i.é., tudo aquilo que estamos vendo como perda de soberania, vem de onde? Do governo petista? Da criação das empresas “gigantes nacionais”, agora reduzidas a pó? TODO PROCESSO, VENHO BATENDO INSISTENTEMENTE NESSA TECLA, CONSISTE EM PROJETAR NO OUTRO AQUELE ÔNUS DO QUE SE QUER LIVRAR DE SI. “Foi, enfim, Lula-Dilma que nos forçou a liquidar o Brasil”, é o que diz todo liberal que mostra que “não há outra saída senão privatizar”. Então, nesse vácuo, quem fica com o verde-amarelo, e quem fica com o vermelho?

O segundo elemento dessa narrativa é a corrupção. Também não vem de hoje, e também está ancorada na ideia acima de que a esquerda é um projeto internacional de ESTABELECIMENTO DE uma “hegemonia gramsciana”. A corrupção, vejam bem, não trata só de dinheiro, e de uso do dinheiro para se manter no poder. Ela é, no discurso difuso que se traçou desde sempre, uma espécie de degradação moral ímpar. Não é à toa que os agentes públicos da Lava-Jato sempre falaram que se trata “de um doente a mais morrendo sem atendimento no leito de um hospital que deixa de ser construído”. Se olharmos bem, mesmo com a farsa do tríplex, a acusação central da Lava-Jato é que há uma “Organização Criminosa”, e como tal o principal beneficiário é o esquema, antes de seus agentes. Por isso mesmo Lula não viveria em um palácio nababesco, e o tríplex seria só um pretexto diante de uma “forma muito estruturada e por isso muito difícil de deixar rastros”, como diz aquele juiz. É assim que eles se justificam.

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[Romulus Maya: sobre isso, interessantíssimo registrar a proposição que fez Dallagnol por estes dias, segundo a qual o “corrupto de esquerda”, que usa “propina” (sic) pela causa, na “pessoa jurídica”, é “muito pior” que o “corrupto de direita”, que embolsa a grana, na “pessoa física”:

 

Numa tacada só justifica:
(i) não haver sinais de enriquecimento dos supostos “chefes” do “maior caso de corrupção da História” (Alô! Muquifex!); e
(ii) Lula e Dirceu estarem presos enquanto Aécio e Serra seguem não apenas soltos, mas no Parlamento (!)]

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Nada disso funcionaria se não se tivesse produzido uma armadura simbólica para vestir a carapuça no petista.

Dias atrás fiz um exercício, um experimento. Fiz uma substituição de palavras em um trecho das Origens do Totalitarismo, de H. Arendt. Incrível como às vezes se tem um “espaço em branco” pronto para alguém projetar nele aquilo que se quer. Então vejam como ficaria, se, no texto, substituíssemos “judeus” por “esquerdista” (e extensões). É um exercício para se pensar onde as coisas podem dar. Ela está falando, neste trecho, da Europa do fim do século XIX. Nós, do Brasil do começo do XXI.

Como eram esquerdistas, tornava-se possível transformá-los em bodes expiatórios quando fosse mister aplacar a in­dignação do público. Depois, as coisas podiam continuar como dantes. Os anti-esquerda podiam imediatamente apontar para os parasitas esquerdistas de uma sociedade corrupta para “provar” que todos os esquerdistas de toda parte não passavam de uma espécie de cupim que infestava o corpo do povo, o qual, de outro modo, seria sadio. A eles não importava que a corrupção do corpo político houvesse começado sem o auxílio dos esquerdistas (…). Os anti-esquerda, que se diziam patriotas, introduziram essa nova espécie de sentimento nacional, que consiste primordialmente no completo encobertamento dos defeitos de um povo e na ampla condenação dos que a ele não pertencem“. (p.121 ed. Cia das Letras de 1989).

Para ficarmos apenas na Lava-Jato, que certamente foi a empresa mais bem-sucedida desse movimento geral, é notável que setores da imprensa e do judiciário começaram a se auto-render homenagens, distribuir prêmios, ofertar palestras, isso de maneira bem mais intensiva depois do golpe. Esses setores começaram também a receber patrocínios, tanto governamentais quanto privados. Dinheiro entrou tanto para a imprensa, via patrocinadores, quanto para juízes, que agora ofertam cursos e mais cursos pagos, palestras, etc.; procuradores idem. Não temos acesso às declarações de IR deles, mas, de novo, usando raciocínio reverso, estes são favores “que alguma hora vão se constituir em vantagem indevida” (alô pessoal do jurídico, dá prá entrar com uma ação? O que acontece com Moro e o MP é exatamente aquilo que eles alegam que aconteceu com Lula!).

Posso mostrar, por exemplo, através de fotos, uma ligação entre a Kia Motors, a Revista Isto é, Aécio e Moro. Houve o evento, e o “domínio do fato” me permite deduzir, “com convicção”, que se produziam ali os claros indícios de ramificações de uma ORGANIZAÇÃO. Assim montou-se um “complexo narcísico”. Os juízes, e especialmente Moro e o MP, estão pouco se lixando para os “n” argumentos dos mil juristas que apontaram todos os absurdos que foram cometidos desde o começo. Tudo que importa é que eles, no seu convescote e na sua roda instituída na forma de uma sócio-tautologia, se auto-endossem nas suas tomadas de posição. Paulsen elogia Moro, que elogia o MP, que elogia Paulsen, e por aí vai. A imprensa mostra, e a rede se forma.

Como se montou um sub-sistema, eles se garantem. Note-se, então, que estou falando de movimento semelhante ao acima: projetou-se no PT uma ideia de organização que é no fim exatamente aquela que eles próprios estão produzindo no judiciário.

O que quero chamar atenção aqui é para o fato de que todos esses processos são simbólicos, ocorrem no interior de uma guerra cognitiva, essa mesma que estamos denominando há algum tempo de “guerra híbrida”. Não dá para ficar dizendo que estamos “sob um ataque híbrido” sem querer minimamente se esforçar para entender quais são as armas, táticas e estratégia, e quais são seus atores. Isso que estou chamando de “direita” até agora tem um amplo espectro, mas também não está exatamente longe de ser um ator homogêneo para o atual contexto. É como um “sistema de mobilização de símbolos” e de “produção de bodes expiatórios” que a direita adquire alguma consistência, coberta pela produção de longa duração de um “interesse internacional infiltrado” e pela noção de “degradação moral associada à corrupção”. Nesse caso, aqui se uniu, convenientemente, estes dois elementos em um só. NESSE PONTO, QUERO INSISTIR: DIREITA E ESQUERDA, NO CONTEXTO ATUAL, SÃO UM DISCURSO E UM CONTRA-DISCURSO. Alguns chamam o que estou chamando de direita de “Golpe”. Mas é mais do que isso. O FATO DE QUE ESTE DISCURSO TOMOU PARA SI A “UNIDADE SIMBÓLICA CHAMADA BRASIL”, REPRESENTA A FORMA INEVITÁVEL DE DISCURSO “TOTAL” QUE A ATUAL GUERRA TOMOU. Portanto as coisas vão para além do Palácio do Planalto.

Como todos sabemos, e um amigo bem me chamou atenção em um artigo que está escrevendo sobre a copa, agora temos que decidir se vamos torcer juntos ou separados. Enfim, se os almoços de páscoa vão ser um inferno ou simplesmente não vão mais acontecer para metade de nós. E aqui a Copa entra de novo.

Como tenho insistido em outros artigos aqui no DE, engana-se quem acha que todo o problema da direita se esgota na corrida eleitoral deste ano. E engana-se quem acha que a eleição vai dar um “reset” nessa armação toda acima, e que vamos começar de novo. O ponto é que essa direita não vai sossegar enquanto não houver a erradicação do PT, via sua associação com uma ideia de “crime”. É muito mais do que prender Lula. E podem ter certeza que o pavor só aumenta conforme Lula cresce.

Nesse sentido, por incrível que pareça, ultimamente tem me passado pela cabeça que sua prisão no fim pode ser um tiro pela culatra do Partido da Justiça, pois isso impôs um esgotamento ao “bode expiatório” que não pode ser mais acionado como antes. Agora, no atual momento, depois da prisão, o que ficou? Apenas a imagem de Sérgio Moro de black-tie recebendo prêmios com grão-tucanos em paraísos fiscais. Lula se tornou ele próprio um “símbolo auto-sustentável”, atingi-lo agora é chover no molhado, e só mostra uma insistência descabida em gerar “desvio de foco”, isto é, esconder as próprias mazelas.

Não estou falando isso para aqueles que desde o começo sustentam sua inocência, etc. Estou falando que isso recai naqueles que estavam no meio do tiroteio, e são muitos. Finalmente, esse é um ponto que abre uma perspectiva para se chegar, enfim, ao que quero destacar desde o começo.

Estamos em um momento singular de abertura de possibilidade de reversão simbólica da ofensiva, quando pela primeira vez em alguns anos a direita pode começar a ser percebida com todas as características que ela projeta nos outros. A justiça é injusta, e as camisetas da seleção passam por um profundo desinteresse. Mas o que o nosso contra-discurso anda fazendo? Pelo que vejo, ainda está um tanto acuado, olhando a fazenda do lado de fora do cercado. Ficou-se escaldado demais.

Eu mesmo vivi isso. Não quero mobilizar uma história pessoal nem para ser piegas nem para generalizar, mas para tornar inteligível o lugar que o simbólico ocupa nesse momento. Recentemente, no aniversário do meu filho de 6 anos, ele recebeu da avó um uniforme da seleção. Imediatamente censurei. Tenho certeza que o presente não foi uma “ação coxinha”, foi só a de quem nem estava pensando nisso. Meu filho ficou atônito: adorou o presente, mas simplesmente percebeu que eu vi algo de muito errado lá, e, enfim, não soube o que fazer com aquilo. Foi aí que me toquei. Antes de mais nada, eu mesmo, na minha posição, encurralei duas pessoas que não precisavam estar nessa posição. Notem que uma criança de 6 anos, sabe-se lá como (pois há muito camisetas da CBF não saem para fora do armário de casa), teve seus afetos forçados a um deslocamento. E são os afetos que no fim mobilizam todo esse estoque de símbolos para que as narrativas adquiram ou não verossimilhança.

Não se trata agora de dizer que mudei, ou mudamos, de posição. O que quero chamar a atenção é para o fato de que pelo menos não se deve bater de frente com um símbolo nacional. Por isso mesmo nossa opção é limitada. Podemos não dividir a Copa. Não precisamos fazer uma camiseta da seleção vermelha. Podemos esvaziar o discurso da direita, e fazer a Copa ou ser um evento secundário, ou ser um evento de todos, não da Globo, nem do Itaú, nem do Galvão, nem do Neymar, nem do Tite. Não há controle absoluto sobre o simbólico, ele sempre deixa brechas. Então, se a esquerda está lutando pela Petrobras e pela Embraer, pela Eletrobrás e pela Vale, ela não pode desprezar uma mobilização nacional de quase 100 anos, só porque a diretoria e o produto são um horror. Torcer é justamente distorcer uma trajetória. Temos aí uma chance de recuperar a bandeira, ou, pelo menos, esvaziar a conquista que a direita fez em 2013. Hora de reconectar o povo, que tal?

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  1. Doutor em Antropologia pela USP (2001), Professor na UFSCar.

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P.S. (Romulus) : sim, nós todos bem sabemos que é quase impossível compartilhar o que quer que seja com gente deste quilate:

 

Para além da misoginia e bestialidade explícitas, o que chama a atenção é o racismo reverso.

De vira-latas mestiço que se odeia, projetando tal ódio à cor das próprios mucosas.

Ora, “brancos” (i.e., brancos no Brasil!), algum desses aí tem “glande rosa”?

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Mas…

Vamos dar de presente – pra essa gente – os símbolos nacionais??

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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