Jeremy Corbyn Crucificado
Da Redação do Duplo Expresso,
28/8/2018, Philip Giraldi, Global Research, Canadá [excerto]
(…) O ataque contra Jeremy Corbyn
O líder dos Trabalhistas Britânicos, Jeremy Corbyn, tem sido alvo de violento e continuado fogo, porque é o primeiro líder de grande partido político, em muitos anos, que resiste às instruções para pôr Israel num pedestal. Corbyn é realmente homem da esquerda que se opõe firme e consistentemente ao racismo, ao nacionalismo xenófobo, ao colonialismo e ao intervencionismo militar. O crime de Corbyn é ter criticado o Estado Judeu e ter exigido “o fim da repressão do povo palestino.” Como recompensa, tem sido furiosamente caçado por judeus britânicos, muitos dos quais membros de seu próprio partido, já há mais de dois anos.
As ofensas distribuídas por alguns judeus britânicos e por Israel aumentaram recentemente, possivelmente porque o governo conservador de Theresa May tem sido visto como fraco, e há consistente possibilidade de que o líder do Partido Trabalhista venha a ser o próximo primeiro-ministro. E é considerado absolutamente inaceitável que qualquer primeiro-ministro mostre-se simpático à defesa dos palestinos.
Mês passado, Margaret Hodge deputada da ala direita do Partido Trabalhista subiu o tom, ao se referir a Corbyn como “esse filho-da-puta antissemita e racista” [ing. a fucking anti-Semite and a racist]. Em seguida, escreveu no Guardian que o Partido Trabalhista é “ambiente hostil para judeus”. O tradicionalmente liberal jornal Guardian está operando, de fato, como plataforma para as críticas de judeus contra Corbyn, liderada pelo seu editor-sênior, Jonathan Freedland, que declarouque “sua identidade de judeu sendo intimamente ligada a Israel, e dado que atacar Israel é atacá-lo pessoalmente (…) ele reivindica o direito exclusivo de policiar os parâmetros das discussões sobre Israel.” Mês passado, publicou em seu jornal uma carta de ataque a Corbyn assinada por 68 rabinos.
Toda a invectiva foi mais ou menos diretamente orquestrada pelo governo israelense, que apoia diretamente o conjunto de grupos que se organizaram para derrubar Corbyn. Esse esforço para destruir o líder dos Trabalhistas incluiu um aplicativo que distribui mensagens pelas redes sociais, em que Corbyn é acusado de antissemitismo. O aplicativo foi desenvolvido pelo Ministério de Assuntos Estratégicos de Israel, que “dirige os esforços clandestinos, de Israel, para sabotar o movimento de solidariedade aos palestinos em todo o mundo”.
A campanha “Destruam Corbyn” tem dois principais objetivos. O primeiro é removê-lo da posição de líder do Partido Trabalhista, para garantir que jamais seja eleito primeiro-ministro, ao mesmo tempo em que se eliminam do Partido qualquer um e todos os membros considerados “excessivamente críticos” contra Israel. Na prática, significa todos e todas que algum dia tenham criticado Israel. E o segundo objetivo é fixar um princípio legal segundo o qual a ofensa tipificada como “crime de ódio e antissemitismo” passe a incluir qualquer tipo de crítica a Israel. Com isso, passaria a ser crime escrever ou falar contra as atitudes racistas do governo de Israel contra sua minorias cristãs e muçulmanas, ao mesmo tempo em que se impossibilita qualquer livre discussão sobre os crimes de guerra de Israel.
O principal argumento usado contra Corbyn é que o Partido Trabalhista estaria contaminado de antissemitismo, e Corbyn faria pouco, ou nada, contra isso. Alguns dos ataques mais brutais contra Corbyn vieram dos suspeitos de sempre nos EUA. Andrew Sullivan recentemente observou na revista New York Magazine que
“Quando se soube que Naz Shah, nova deputada trabalhista no Parlamento, havia opinado pelo Facebook, antes de ser eleita, que Israel deveria ser transportada para os EUA, e o ex-prefeito de Londres Ken Livingstone a apoiara, argumentando que, no início, os nazistas favoreceram o sionismo, Corbyn nada fez, nenhum protesto, nenhum barulho.”
Sullivan prosseguiu, na mesma coluna:
“Até que se soube que o próprio Corbyn participava de vários grupos pró-palestinos pelo Facebook, que fervilhavam de ódio e ofensas antissemitas” e chegara mesmo a “comparecer a uma manifestação no Dia Memorial do Holocausto em 2010, intitulada “Nunca mais, para ninguém: de Auschwitz a Gaza”, em que os israelenses eram apresentados como iguais aos nazistas.”
Em outras palavras, seria obrigação de Corbyn vigiar opiniões pessoais deShah e de Livingstone, os quais, ambos, foram suspensos depois do Partido Trabalhista e Livingstone depois renunciou. Também seria obrigação de Corbyn censurar o Facebook palestino porque ocasionalmente poderiam aparecer ali notícias sobre os crimes de guerra que Israel comete diariamente, várias vezes por dia, em Gaza.
Corbyn portanto ‘deve’ operar com o ‘fato’ de que é missão sua ser uma muralha contra antissemitas assim definidos por gente como Andrew daquele lado do Atlântico, e uma casa de portas sempre escancaradas para praticantes da religião de “Israel em 1º lugar”, na Grã-Bretanha. Mas o pior crime do líder dos Trabalhistas britânicos é ser suposta “ameaça existencial“ao povo judeu em todos os locais em que ele resista contra endossar e adotar a definição precisa e multifacetada, distribuída pela International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA) do que seria antissemitismo.
A definição básica da IHRA do que seja antissemitismo é bastante razoável, incluindo “uma dada percepção dos judeus, que pode ser expressa como ódio aos judeus. Manifestações retóricas e físicas de antissemitismo dirigidas a indivíduos judeus ou não judeus e/ou a as propriedades; contra instituições religiosas e instalações de comunidades de judeus.”
Corbyn e o Partido Trabalhista aceitaram essa definição. Mas protestaram contra onze “exemplos contemporâneos de antissemitismo” também fornecidos pela IHRA, quatro dos quais nada têm a ver com judeus e tudo têm a ver com Israel. São eles:
§Acusar judeus de serem mais leais a Israel, ou a supostas prioridades dos judeus em todo mundo, do que às respectivas nações das quais são cidadãos.
§Negar ao povo judeu o direito de autodeterminação, ao afirmar que a existência do Estado de Israel é empreendimento racista.
§Fazer comparações que aproximem a política contemporânea de Israel e a política dos nazistas.
§Aplicar um duplo padrão de avaliação, ao exigir de Israel comportamento que não é esperado nem exigido de qualquer outra nação democrática.
Sabe-se que muitos judeus – não todos, sequer a maioria, mas muitos – são realmente leais a dois países, com a lealdade a Israel dominando sobre a outra. Posso citar como exemplo flagrante o atual embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, que passa grande parte de seu tempo defendendo Israel. E há também judeus norte-americanos que espionaram a favor de Israel, inclusive Jonathan Pollard e dois figurões do AIPAC, Steven J. Rosen e Keith Weissman que tiveram acesso a informação sigilosa de Lawrence Franklin e em seguida passaram aquela informação à inteligência israelense.
E, sim, Israel é “empreendimento racista”. Basta examinar a recente lei de nacionalidade aprovada pelo Parlamento israelense, pela qual Israel é declarada “Estado Judeu”. A nova lei só assegura o direito de autodeterminação aos que vivam dentro das fronteiras de Israel [sic] e sejam judeus.
E se estabelecer distinção racial para limitar a plena cidadania, além de bombardear hospitais e escolas, montando pelotões de fuzilamento para matar milhares de manifestantes palestinos desarmados não for agir como os nazistas… o que faltaria? Israel e seu líder são às vezes comparados a nazistas e a Adolf Hitler, porque agem como nazistas e como Adolf Hitler.
E, por fim, o item da definição de antissemitismo da IHRA que contesta um suposto “duplo padrão de avaliação” ao exigir determinadas atitudes de Israel que não se esperam de outras nações democráticas. Ora essa! Em primeiro lugar, Israel não é democracia. É teocracia ou etnocracia, como preferirem, embalada como estado policial.
Outros países que se autodenominam democracias garantem direitos iguais, legais, para todos os cidadãos. Democracias não têm centenas de milhares de colonos roubando terra e até água de populações indígenas e colonizando território ocupado em benefício só de um segmento da própria população. Democracias não assassinam manifestantes desarmados praticamente todos os dias. Quantas democracias há no mundo que praticam hoje “limpeza étnica”, como os israelenses fazem contra os palestinos?
Será que Corbyn cederá às demandas da IHRA para salvar a própria pele como líder de seu partido? Deve-se temer que sim, porque já começou a ceder em alguns pontos e a pedir desculpas públicas, manifestando obediência à ordem que manda declarar o holocausto de judeus “o pior crime do século 20”. E cada vez que Corbyn tenta acalmar os seus algozes, emerge mais fraco.
Mesmo que se submeta completamente, os militantes de “Israel em primeiro lugar” que decidiram acabar com ele, e que, como nos EUA, também na Grã-Bretanha tem amplo controle sobre a mídia, continuarão a atacá-lo, até que consigam montar o ‘caso’ que, afinal, derrubará Corbyn. Em setembro, o Conselho Nacional Executivo dos Trabalhistas se reunirá para votar se aceita ou não, na íntegra, a definição de antissemitismo que a IHRA está impondo. Quando a aprovarem, como tudo indica que aprovarão, todos estaremos nos ajoelhando diante da “força maior” que porá fim à livre manifestação do pensamento na Grã-Bretanha. Critique Israel e… cadeia para você.
E o mesmo está acontecendo nos EUA, precisamente do mesmo modo. Criticar Israel ou protestar contra Israel também acabará tipificado como crime, mais dia, menos dia. Às vezes me pergunto se o senador Ben Cardin e os demais que estão fazendo avançar a legislação pró-ódio realmente compreendem o que será perdido quando eles acabarem de sacrificar a Constituição dos EUA para defender Israel. Depois que a livre manifestação do pensamento for destruída, nunca mais será possível reavê-la.*******
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