Minka: Trabalho Coletivo em Favor da Comunidade – Entrevista com Nathalia Molina, integrante do Coletivo Cultural Minka de Caracas (Parte I)

Da Redação do Duplo Expresso,

O Duplo Expresso foi conhecer a experiência da Casa de Movimentos Culturais La Minka, localizada a 3 quarteirões do Palácio de Miraflores em Caracas, capital da Venezuela.

O nosso correspondente Caio Clímaco foi buscar mais informações sobre as propostas e ações inovadoras desse movimento que vem buscando através de experiências práticas, concretizar as linhas políticas para construção de uma sociedade comunal, tal como foi proposto pelo comandante Hugo Chávez.

A Casa de Movimentos Culturais La Minka era um armazém abandonado e foi recuperada pelos jovens do bairro La Pastora, a partir de 2012, que converteram o local em um espaço permanente de formação, através de oficinas de artesanato, dança, pintura, capoeira, aula de idiomas, dentre várias outras atividades.

O coletivo também gere uma Padaria Comunal onde produzem e vendem pão barato para a população em tempos de guerra econômica.

Nessa entrevista exclusiva (que será publicada em 2 partes) com Nathalia Molina, uma das integrantes do coletivo cultural, o leitor do Duplo Expresso poderá conhecer um pouco mais desse trabalho e dos desafios da Revolução Bolivariana.

De Caracas, por Caio Clímaco*, para o Duplo Expresso

O que significa Minka e qual é o objetivo da organização?

O objetivo da organização está precisamente explicado em seu nome, Minka é uma palavra em língua quéchua que quer dizer “trabalho coletivo a favor da comunidade”, logo o objetivo principal da organização é, precisamente, construir entre todos, uma comunidade que traga sempre mais benefícios para todos, no sentido de avançarmos na criação do autogoverno comunal.

Fachada da casa Minka (Foto: Luis Bobadilla)

De que forma se dá esse avanço?

De uma forma integral, desde um projeto integral comunitário. Dentro desse projeto integral comunitário temos atividades de caráter formativo, comunicacional e político, sendo que tudo isso é sustentado através de atividades sócio produtivas. Por sua vez, esses diferentes campos de atuação se entrelaçam entre si.

Do ponto de vista formativo, nossa particularidade como coletivo é que desenvolvemos trabalhos com crianças, utilizando a cultura e suas ferramentas artísticas como instrumentos de formação de uma nova consciência. Há uma programação permanente e também uma programação que vamos gerando periodicamente de oficinas de dança, capoeira, yoga, música, circo, costura e serigrafia.

Oficina de desenhos (Foto: Milángela Galea y Gustavo Lagarde)

As oficinas em sua maioria são gratuitas ou possuem um valor simbólico, sendo que os honorários pagos aos oficineiros são sustentados pelas práticas produtivas que desenvolvemos no espaço, por exemplo a serigrafia e a padaria e igualmente desenvolvemos práticas que tenham relação com a organização política comunitária que geram equipes de trabalho que vão buscando maneira de autosustentabilidade, por exemplo com relação a alimentação buscamos o contato direto com os produtores para oferecer aqui na comunidade os produtos diretamente da mão do produtor o que por sua vez diminui os gastos de intermediários.

Desenvolvemos também um trabalho de horta urbana que é uma pequena experiência que se entrelaça com outras pequenas experiências de outros vizinhos e coletivos, sendo que através dessa experiência conseguimos desenvolver jornadas de trabalho conjunto, intercâmbio de sementes e plantas.

Temos também uma programação mensal de atividades recreativas e formativas que fazemos em espaços públicos e trazemos organizações de diferentes áreas, seja música, dança, circo e demarcamos dentro de um conceito ou uma data histórica ou social que por algum motivo queremos levar à reflexão a comunidade.

O que é o Projeto Integral Comunitário?

É um projeto realizado na comunidade onde se trabalha integralmente porque funciona através de diferentes campos de ação, desde o comunicacional, a segurança do território, produtivo, formativo e que tem a ver com avançar integralmente e vinculado com outras organizações.

Justamente com as organizações que temos essa articulação e esse mesmo projeto para ao final de contas ir criando a nível territorial o autogoverno. Esse autogoverno nos vincula e propicia que o projeto integral comunitário vá se construindo em cada espaço e por ai se vai criando novas formas de relações sociopolíticas, econômicas e culturais para superar as formas do modelo imposto.

O objetivo principal é portanto criar um autogoverno comunal?

Sim, consolidar formas de governo que possam transcender o modelo imposto e isso para nós se dá através do autogoverno comunal sendo que temos como estratégia o projeto integral comunitário. O campo de desenvolvimento do projeto integral é a própria comunidade, o bairro, o campo e o povo que se organiza e protagoniza.

Qual a importância da Minka para o processo revolucionário em curso agora na Venezuela?

A Minka não é uma fórmula e não pretende sê-la, mas é uma iniciativa a partir das possibilidades e das formas com as quais entendemos um grupo de pessoas que decidiram se unir para desenvolver e dar continuidade às tarefas que Chávez nos deixou, que foi principalmente a de criar “comuna ou nada”. É importante também pois é uma visão construída desde abaixo e não responde a alinhamentos de partidos e instituições.

Quando apoiamos o governo que temos, não significa dizer que somos esse governo, queremos ser autogoverno, somos uma nova forma de governança. A Minka é importante pois é uma realidade e não é somente uma aspiração, um sonho ou palavras, mas sim um fazer diário permanente.

O que representa para vocês a expressão “Comuna ou nada”?

Significa que temos a possibilidade e a oportunidade histórica de fazer algo para que o capitalismo enquanto sistema de domínio não siga sendo esse poderoso sistema que oprime, escraviza e nos domina.

“Comuna ou nada” significa que ou chegamos a essa forma de organização que respeita aos demais como iguais ou se acaba tudo, bem seja por causa mesmo do capitalismo e por todos os males que ele traz ou porque a natureza não vai decidir.

Ou mudamos o sistema ou não nos sobrará nada. Isso significa comuna ou nada. Significa que apostamos nossa decisão ideológica nisso e estamos dispostos a assumir as tarefas que nos cabe assumir para fazer com que isso se constitua.

Se a tarefa pra construir a comuna é fazer pão, fazemos pão. Se a tarefa do dia seguinte é plantar, plantamos. Se a tarefa é trabalhar com as crianças, trabalhamos. Se a tarefa é pegar o fuzil, nós teremos que faze-la. Comuna ou nada significa que defenderemos isso nas condições que seja e no panorama que nos for exposto.

Como deve ser uma comuna ou um estado comunal?

O estado comunal deve ser algo bastante diverso, pois não existe fórmulas para uma comuna. Como também não existem fórmulas para um projeto integral comunitário porque cada uma dessas decisões de autogovernabilidade dependem absolutamente do contexto, do espaço-tempo em que se desenvolvem.

Então, penso que um estado comunal é uma multi-articulação de micro estados, de microformas de organização que dependem basicamente do território em que se encontram.

Programa de rádio do ministro Elias Jaua transmitido diretamente da Padaria Comunal (Foto: Caio Clímaco)

Não é o mesmo um projeto integral comunitário da Minka, em Caracas, do que um projeto integral comunitário no Estado Lara, em uma montanha, que está em outro contexto e em outras condições.

Eu não poderia dizer como é um Estado Comunal pois não chegamos nele, o que se sabe é o que estamos construindo e pra isso não há fórmulas.

Como o trabalho desenvolvido pela Minka contribui para despertar o potencial criativo da comunidade?

O potencial criativo é estimulado a partir do eixo cultural. Vinculamos nossa comunidade a atividades lúdicas, tradicionais, artísticas e culturais que promovem a descolonização da consciência e uma mudança de paradigmas.

A colonização nos trouxe de maneira imposta outros signos, outros símbolos e outras formas culturais de viver, onde nos impuseram deuses, músicas, comidas, vestidos e em um sentido maior, nos impuseram ideologias e formas estruturais de pensamento.

A partir do momento em que fomos obrigados a conviver com essas imposições, procuramos agora promover a visibilização do que somos em nossa identidade indígena, afrodescendente, sincrética que se desenvolveu sobre a Aby Ayala (é o nome dado pelos povos originários à América Latina) que é rica, multiétnica, sincrética, eclética e que não é um padrão único a seguir.

Então, buscamos a partir do eixo cultural promover uma abertura aos signos e símbolos de nossa identidade oculta e isso nós também fazemos a partir da promoção de uma estética particular que estimula a criatividade e a abertura da consciência para o que somos e para o que nos tem sido negado.

A partir de nossas atividades propiciamos a formulação de outros conceitos no imaginário coletivo do entorno em que habitamos e isso é passo a passo, desde ser reconhecidos, aceitados pela comunidade com nossas diferenças estéticas particulares, com nossa juventude eterna, com as paredes que falam, com a palavra, com a ocupação da rua e com a consciência que é promovida a partir de diferentes formas e que apontam para essa outra estética e para essa outra consciência.

Atividade cultural em frente a casa Minka (Foto: Milángela Galea y Gustavo Lagarde)

Qual é a importância do resgate da identidade no processo da Revolução Bolivariana?

A revolução de verdade é a revolução da consciência que precisa se dar de forma coletiva. Na medida em que não nos reconhecemos dentro de outra identidade que nos é imposta, senão a ancestral, a genética a que responde até ao clima em que habitamos, não vamos revolucionar o nosso ser pensante e o nosso acionar não vai ser diferente porque ao final nossas ações respondem ao que pensamos, ao que sentimos, ao que reconhecemos que somos.

Então, na medida que vamos estimulando um conhecimento dessa outra identidade oprimida vamos reconhecendo, aceitando que é bonito e vantajoso que sejamos responsáveis pela produção de nossos alimentos, ter mais árvores do que cimento, que reconheçamos as medicinas ancestrais, ter cabelos crespos, ser negro, ser índio, conectarmos com a lua, o sol e as estrelas, ajudarmo-nos entre todos ao invés de nos fecharmos em nosso núcleo familiar e em nossa individualidade.

Que é bonito que reconheçamos que temos todos os alimentos, que somos ricos porque temos mandioca, banana, batata, berinjela, maracujá, abacaxi e uma infinidade de coisas e que esse é o alimento verdadeiro e não o processado, pois a harina Pan (farinha de trigo) não é o nosso verdadeiro alimento, o refrigerante não é o nosso alimento.

Produção de pães na Padaria Comunal (Foto: Caio Clímaco)

Na medida em que nos conscientizamos, vamos fazendo isso na pratica. Isso é o fundamental, é a revolução que na verdade precisamos fazer.

Digamos que a revolução que se promove nos meios de comunicação ou da pseudo-política do estado caem no assistencialismo pois não atendem essa parte da consciência. O Estado te dá uma casa mas não faz uma atividade que nos ajude a compreender essa nova casa como uma casa de todos.

Então levo os anti-valores com os quais vivia na velha casa para a nova casa e se segue fazendo a reprodução dos velhos modelos no entanto em novas paredes. Por isso promovemos na Minka um exercício permanente e recíproco em que todos estamos desaprendendo para aprender novas coisas. Estamos desaprendendo para recordar.

* Caio Clímaco é cientista do Estado e mestrando em Ciências para o Desenvolvimento Estratégico na Universidad Bolivariana de Venezuela (UBV)

 

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