Cabe qualquer coisa no “com tudo” do Jucá
Por Wellington Calasans, para o Duplo Expresso
Por muito tempo os brasileiros que sofreram o golpe foram induzidos a focar a luta pelo resgate democrático nas questões diretamente ligadas à justiça. A frase “… com supremo, com tudo!”, proferida por Romero Jucá (MDB – RR) em uma gravação vazada à imprensa, levou cada cidadão a acompanhar com muita atenção os passos do STF. Quanta ingenuidade! O perigo sempre esteve no “com tudo”.
Enquanto políticos promoviam a “terra arrasada”, o “juridiquês” ocupava os noticiários e produzia uma sociedade de rábulas. Não entender de direito passou a ser sinônimo de analfabetismo político, assim como foi não entender de economia nos anos das trevas de FHC ou não entender de informática, no início deste século.
Era o entretenimento mais inteligente e perverso que alguém poderia ter criado para distanciar, como impotente e inferior, o cidadão do debate sobre o que realmente importava. Embargos, HCs, recursos, etc. foram alguns dos termos que entraram nas discussões em todos os ambientes.
Políticos espertos abriam live nas redes sociais para narrar os passos da defesa de Lula. O BBZ – Big Brother Zanin passou a fazer parte de um roteiro marcado por derrotas, num jogo de cartas marcadas. O que importava para esses oportunistas era “marcar presença”. Luta política? “Isso é coisa para a esquerda antiga, ultrapassada”, teriam pensado os guerreiros de Facebook.
Enquanto isso, empresas públicas, direitos trabalhistas, saúde, educação, emprego e a dignidade do nosso povo eram solapados pelo Regime Temer. Isso era acompanhado por uma reação sempre desmobilizadora da falsa esquerda que temos. “Hoje é um dia triste para os brasileiros” ou “Devemos acreditar nas instituições”, diziam os pelegos autointitulados “guerreiros de esquerda”.
Enganado pela ala do PT Judicial de que sairia da cadeia “uma semana depois de se entregar”, Lula foi jogado aos leões e agora virou amuleto dos próprios algozes:
No lugar de grandes mobilizações das bases, a disputa por um pedaço sujo de papel higiênico que tenha sido usado na cadeia por Lula. É uma opção vergonhosa, mas calculadamente usada para “atestar a proximidade e a intimidade” com aquele que muitos desses mesmos oportunistas enganaram e abandonaram na cadeia.
No lugar da luta, chamar o povo para grandes protestos, etc. vieram as micaretas, um trompetista e… mais livros. “Agora, vai!”, pensava o eleitor de esquerda num misto de decepção e desespero. “Um livro influencia muito mais os juízes do STF do que um milhão de pessoas nas ruas”, afirma – sem o menor constrangimento – um intelectual. Quanta inteligência!
Nos últimos meses – e até que seja encerrado o prazo para a inscrição da chapa à presidência – temos sido forçados a tolerar um teatro com o final já anunciado: “Fizemos de tudo para que Lula fosse o candidato, mas essa justiça… por isso, vamos aqui apresentar Haddad, o candidato que preenche todos os requisitos da esquerda que a direita quer. Ele é moderninho, vai dolarizar a dívida interna, vai abrir o mercado, vai lutar pelas bandeiras das minorias, vai… vai… vai… e de bicicleta, numa das suas ciclovias descoladas, ligando a Vila Madalena a Oslo”, declarará, emocionado, algum quadro dessa ala do PT que venceu através da traição a Lula, o PT dos penduricalhos, gabinetes e ar-condicionados.
Bem pagos, blogueiros e “articulistas” vão dedicar dias produzindo textos maravilhosos, repletos de amenidades e obviedades. Aqueles mesmos blogueiros e articulistas que ignoraram toda a tramóia (no PT e no entorno) para a prisão de Lula. Todos aqueles que repetiram manchetes do PIG para consolidar o Plano B(ancos) passarão a falar sobre “levante popular” e que o “eleitor não pode ser tratado como gado”. É o festival da hipocrisia!
Hipócritas que são, ressaltarão a “cruel perseguição a Lula” (“ele não pode ser esquecido, pois transfere votos”, grita o marqueteiro ao telefone). Aos poucos, Haddad, o cara que conseguiu perder para Dória, que lançou nesses mesmos blogs um “manifesto de apoio a Haddad dos ‘inTRÊSlectuais’ (Três pessoas assinaram – Créditos para Romulus Maya)” passará a ser apresentado por esta falsa mídia de esquerda que trabalha para a falsa esquerda como “a última bolacha do pacote”, um pacote sem fundo que cabe qualquer coisa dentro, como o “com tudo” de Jucá.
Como um filme que começamos a ver pelo final, Geraldo Alckmin surge com os seus impressionantes 6% de popularidade e mais de 70% de rejeição para ser legitimado numa fraude eleitoral bizarra, patrocinada por uma esquerda que traiu o povo, abriu mão da luta, sacrificou o único líder capaz de vencer e devolver a essa imensa e verdadeira base eleitoral a possibilidade de mantermos vivos os ideais de um Brasil soberano e de um povo respeitado como gente.
Enquanto isso, eleitores órfãos procuram políticos e partidos de esquerda. A boa notícia vem de uma velha máxima: “não há vácuo na política”.
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