Golpe (transnacional): é “com Bolsonaro, com tudo”

Por Piero Leirner[1], para o Duplo Expresso

  • Está se copiando no Brasil um modelo já testado nos EUA, onde Trump é um bufão e quem governa mesmo é o Deep State.
  • Possivelmente, inclusive, a fórmula foi montada lá fora. Se bobear a estratégia de Bolsonaro está vindo exatamente desse mesmo lugar, que há alguns anos vem atuando no Brasil.
  • A via de entrada deles no jogo político no Brasil foi o Judiciário, mais especificamente feita sob o controle do TRF-4/ Moro.
  • Não é surpresa, portanto, que esses “operadores locais” – militares e Judiciário – estejam se aproximando.

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Para quem acompanha o Duplo Expresso, em nada foi surpreendente a notícia veiculada ontem numa coluna do Estado de SP de que Bolsonaro está em negociações com o General Heleno para este compor chapa como candidato a Vice-Presidente. Afinal, já alertávamos para essa aproximação e as suas implicações semanas atrás, no artigo “Atenção: antes (apenas) desprezado, Bolsonaro passa a ser visto como fantoche potencial pelo establishment” (9/6/2018).

A coluna do Estadão diz que isso depende da decisão do PR sobre liberar ou não o Senador Magno Malta para a posição de Vice. No entanto, vejo as coisas acontecerem em outro sentido. Tenho a impressão de que esta é uma demanda que está saindo de dentro do Exército, muito mais do que um “convite” por parte de Bolsonaro.

Afinal, como apontáramos naquele artigo, Bolsonaro passa a ser visto como um possível joguete pelos militares:

Aos 59′ da entrevista (o General Heleno) diz por que dá seu apoio ao Bolsonaro. Diz que Bolsonaro é “flexível”. Entendam isso como “manobrável”. O mais intrigante é ele dizer que Bolsonaro “foi meu cadete”. Não entendo onde. (…) Não vejo outra lógica nessa afirmação que não a de que “ele é meu peixe”, isto é, em gíria militar, “é o cara que puxa o meu saco”. Se entendi algo dessa mensagem subliminar, é que Heleno é o Etchegoyen de Bolsonaro. Aliás, o “ministério da segurança” de Bolsonaro já está dado a ele. E, PODEMOS DESCONFIAR, HELENO TEM BOA PARTE DO EXÉRCITO NO BOLSO. Ele entra e sai das reuniões de comandantes, da ativa, como quem está em casa. E, daí, é só ver as consequências disso descendo pela cadeia de comando. Para resumir: “Bolsonaro é a continuação de Heleno por outros meios”.
(…)
Isso não significaria que eles deveriam necessariamente apoiar Bolsonaro. Exceto se os militares realmente o virem como um joguete. A “flexibilidade” dele, ressaltada como virtude na entrevista de Heleno, vai ser exatamente essa: ele vai ficar com essa “perfumaria” de arrebentar com os direitos humanos e as políticas sociais, e as questões “sérias” ficam na mão dos militares. Podem ter certeza que Bolsonaro vai tentar compensar sua fraqueza política no Congresso loteando os ministérios com militares. A declaração nonsense de Bolsonaro falando do “perigo chinês”, que foi lida pela imprensa como uma simples “imitação de Trump”, pode ter o dedo de Heleno aí.

 

Procurado logo depois da publicação da história de “Vice” pelo Antagonista, Heleno deu a seguinte entrevista:

“Olha, não almejo e não é a minha ambição. Isso aí partiu, acho, do próprio gabinete dele [do Bolsonaro]. Não estou preocupado com isso. Acredito que seja mais um balão de ensaio. Esse jogo político é complicado.”

Mas e se o convite, de fato, surgir?

“A minha disposição é trabalhar para mudar esse estado de coisas. Pode ser isso [ser vice], pode ser varrendo o Palácio do Planalto para tirar tanto mau-olhado, pode ser para qualquer coisa.”

Então o senhor cogitaria a hipótese de ser vice do Bolsonaro?

“O que a gente puder fazer para ajudar o Brasil, tudo bem, estamos aí. Mas não é nada planejado.”

O general tem se reunido pelo uma vez por semana com o presidenciável para tratar do programa de governo.

 

Isso foi parte de uma articulação muito bem montada por um setor da reserva formado, digamos assim, por uma espécie de “roda gaúcha” de oficiais mais ou menos da mesma geração, formados na AMAN mais ou menos entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1970.

Para entender o que se passa, é preciso juntar algumas peças que estão bem na nossa frente, mas não são tão óbvias assim. Estes sinais estão sendo dados pelo menos desde o final do ano passado, mas definitivamente bateu-se o martelo só mais recentemente, com a declaração pública de Heleno que apoia Bolsonaro.

Até então, muita gente duvidava que gente graúda, que chegou ao posto de General-de-Exército, iria apoiar um militar que tinha por parte de sua geração (se não me engano Bolsonaro é da turma de 77) um certo desprezo. Isso é fato. O pouco que sempre ouvi a respeito de Bolsonaro é que ele era considerado um brincalhão, um medíocre, mas que seu plano de explodir quartéis e ser expulso do Exército de fato funcionou e impulsionou sua carreira política. Há que se entender que esta foi feita sobre uma base eleitoral carioca, local de residência da maior parte dos reservistas militares do Brasil. Tudo que se construiu sobre ele visa, então, atender a interesses corporativos de militares, sobretudo relativos aos vencimentos salariais e à previdência militar. Nesse sentido, é bem plausível o entendimento de que Bolsonaro já é há muito tempo uma figura “desconectada” da hierarquia, mas nem por isso desconectada do Exército.

Mas o que há exatamente nessa declaração de apoio de Heleno que torna essa aliança algo a ser olhado com bastante atenção? Do meu ponto de vista é essa pequena “frase de efeito”, para a qual já chamei a atenção no outro artigo, na qual Heleno diz que Bolsonaro foi “meu Cadete”. Não sei exatamente como isso se deu, ou mesmo se ocorreu, mas sei o que quer dizer: “ele é meu peixe”, isto é algo como “no fundo eu mando nele”. Essa é a hipótese que precisamos levar em conta:

– Está se copiando aqui um modelo já testado nos EUA, onde Trump é um bufão e quem governa mesmo é o Deep State.

Tenho a impressão, inclusive, que a fórmula foi montada lá fora, e se bobear a estratégia de Bolsonaro está vindo exatamente desse mesmo lugar que há alguns anos vem atuando no Brasil. E isso é algo bastante preocupante, pois temos visto que a tática tem dado certo. Para entender isso, temos que prestar atenção no que é esse “núcleo duro” formado pela tal “roda gaúcha” que está por trás de Bolsonaro.

Trata-se, ao meu ver, de uma triangulação feita pelos Generais Mourão, Heleno, Pinto e Silva, Etchegoyen e Villas-Boas. 5 Generais-de-Exército, 4 da reserva e o comandante atual. Além disso, como todos sabem, Etchegoyen tem o aparelho das informações, os dossiês, e, se for o caso, vai fazer uma parte da máquina do Governo trabalhar para ele. Não é pouco.

Evidentemente apenas os 2 primeiros atuam explicitamente na costura com Bolsonaro. Os outros três são a retaguarda desses, mas podem ter certeza que esse jogo já tem uma longa duração, e vem sendo costurado a partir de um conjunto de relações que se identifica simbólica e materialmente. Trata-se de um conjunto extremamente conservador, cuja a base vem de uma visão de mundo que se conecta ao setor ruralista gaúcho, e junta cacos de um anti-comunismo retrô com o horror ao MST e a preocupação de armar o campo.

(a (de-) formação ideológica desse grupo, que construiu uma demonização do “perigo vermelho dos… BRICS (!)” e das forças de esquerda internas (e.g., PT, MST, entidades defensoras de indígenas e quilombolas, etc.) foi tratada em mais detalhes no artigo “O estupro do Brasil e a (ultra!) camuflagem: onde se esconde o último militar nacionalista?” (22/5/2018))

Podem ver que Bolsonaro só consegue falar disso: armar a população, não há outro discurso. Aqui, a versão brasileira do imigrante americano são esses grupos, que de maneira nada sutil são constantemente juntados por Pinto e Silva, o teórico militar da guerra híbrida no Brasil, como parte do problema da “segurança” lato sensu.

Evidentemente isso não é suficiente para se entender toda essa movimentação, ainda mais quando se trata de falar que o comando do Exército está de alguma maneira relacionado a isso. Mas esse é exatamente o “x” da questão.

Até pouco tempo atrás Villas-Boas se segurava numa posição institucional, tomando posições razoáveis inclusive diante do impeachment. Evidentemente a pressão começou a vir de todos os lados, e tenho a impressão que foi por conta disso que ele ainda não passou para a reserva, o que deveria ter acontecido em março deste ano. Notem que até este momento Mourão soltava declarações semanais, sem falar naquele outro General que sempre falou muito, Paulo Chagas, e sempre em tom de ameaça. Podem ver que esse padrão mudou, e só mudou quando finalmente Villas-Boas mandou, via tuíte, o recado que “estava no jogo”. Esse foi o sentido do tuíte sobre o HC de Lula: como sempre argumentei, uma parte significativa do recado foi “para dentro”.

A segunda parte dessa movimentação, que para mim definitivamente fecha o “círculo gaúcho” foi o “fator Spektor”. Desde que Matias Spektor, articulista da Folha e Professor de RI na FGV postou no Facebook a famosa publicação sobre a tortura durante a ditadura na era Geisel, e que depois foi replicada por inúmeros veículos (por exemplo, na Globo, no programa do Bial), esse grupo passou a “confirmar” que o Exército (eles falam em Forças Armadas, mas até agora não vi ninguém das outras duas falar um “ah” a respeito, o que obviamente não significa que eles não estejam em polvorosa também) está sob ataque na “guerra híbrida”. Pinto e Silva, via Defesanet (que é o suporte midiático gaúcho desses gaúchos), numa de suas últimas publicações, veio com essa teoria: as recentes publicações visam a desmoralizar as FFAA e quebrar o “poder militar” do Estado brasileiro.

Não preciso repetir mais uma vez que esse grupo do Defesanet é uma articulação de Etchegoyen, e que há tempos eles ficavam martelando a ideia de que o PT era “a fonte emissora de uma guerra híbrida no Brasil”. Spektor está bem longe de ser um petista, mas tenho a intuição de que o tal encontro de Haddad com Villas-Boas, articulado via FHC, para os militares só “confirma” para eles o que é visto como uma aliança entre “comunistas”. Essa história de enxergar “ataques ao Exército” é tudo que se precisava para cimentar uma aliança em torno de Bolsonaro, pela qual – qualquer um pode ver o que essa gente que circunda esse candidato pensa – se imagina estar fazendo frente a um conjunto de atores que é visto como “farinha do mesmo saco”, inclua-se FHC e Lula aí.

Note-se bem que o detonador dessa coisa de Villas-Boas se encontrar com “candidatos” foi um vazamento seletivo provocado por um encontro entre Bolsonaro e Villas-Boas, costurado pelo deputado ruralista gaúcho, amigo de V-B, Onyx Lorenzoni. Nada é por acaso em política, mesmo que o seja.

E como esse círculo vai se fechando? No meu entendimento, como disse acima, se não tem diretamente dedo do Deep State, tem uma “cópia” bem feita. Como sabemos, a via de entrada deles no jogo político no Brasil foi o Judiciário, mais especificamente feita sob o controle do TRF-4/ Moro. Não vou repetir tudo que o Duplo Expresso tem dito nos últimos meses, são toneladas de evidências. Por isso prefiro finalizar deixando uma indireta. Como dizem por aí que uma imagem vale por mil palavras, fiquemos com esta abaixo:

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  1. Doutor em Antropologia pela USP (2001), Professor na UFSCar.

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