Ninguém quer ser o Levy do Temer, por Ciro D’Araújo
Comentário ao post “
O xadrez do nó econômico com Michel Temer, por Luis Nassif
“, de Luis Nassif.
Acompanhando já a algumas semanas a movimentação sobre o possível ministro da fazenda de um futuro governo Temer, fiquei surpreso ao ver que basicamente nenhum dos candidatos “naturais” ao cargo o desejam. Todos parecem estar dispostos a “colaborar”, mas nenhum está disposto a sentar na cadeira até agora.
Isso me parece muito uma herança do legado de Joaquim Levy. Ninguém deseja ser o novo Joaquim Levy. Aquele que apresentou tudo o que o mercado esperava, e que foi destruído politicamente tanto pela situação quanto pela oposição até se transformar no algoz-mor do país.
E a situação política de um governo Temer é muito mais delicada ainda do que a situação que se apresentava no início do governo Dilma.
Continuo esse post estritamente sobre a ótica da ortodoxia econômica. Não partilho dessa ótica, mas a compreendo muito bem, pois fui treinado sob seus ditames.
Um ministro da fazenda de um futuro governo Temer tem um receituário consensual dentro da ortodoxia. As recomendações dadas por diversos economistas não divergem. Esse ministro precisa
a) Restaurar a confiança do mercado internacional (agências de risco) e para isso
1) estabilizar a dívida bruta
2) apresentar um plano sustentável para a trajetória orçamentária futura do país.
3) apresentar um plano para o aumento da produtividade e/ou diminuição do custo-brasil
4) apresentar um plano para manutenção da estabilidade de preços.
b) Atender as demandas financeiras das forças políticas e sociais que pactuaram o impeachment.
Ora, essas duas questões são absolutamente contrárias entre si. Por exemplo, para a estabilização da dívida bruta é necessário:
1) Recuperar a capacidade tributária do país que diminuiu no último ciclo econômico devido a contração econômica e desonerações. Para isso a resposta que tem sido dada é a CPMF.
Como entretanto fazer isso passar, quando o símbolo-máximo da luta pelo impeachment é um pato de borracha patrocinado pela FIESP. Um povo que não quer pagar o pato rejeitará sem temor a CPMF.
O populismo não é exclusividade da esquerda. A narrativa pró-impeachment de direita se baseia numa premissa falsa. Essa premissa é de que: “Há dinheiro, basta acabar com o ralo da corrupção.” Essa premissa não corresponde a realidade da nova trajetória dos termos de troca brasileiros. O fato é que não há dinheiro o suficiente e é necessário encontrar fontes de financiamento.
A idéia de que a CPMF passará fácil dentro do contexto conflagrado atual é, no mínimo, wishfull thinking.
2) Cortes brutais e desvinculação das categorias orçamentárias.
Sobre o corte de gasto de custeio, o atual governo tem feito o seu trabalho de casa, cortes brutais já foram feitos. O gasto de custeio está em trajetória de queda nos últimos anos. O problema maior são nos gastos automáticos, salários de servidores e vinculações constitucionais. Como pactuar uma solução para esses problemas dada a conjuntura política. Especialmente dado que algumas das fontes mais pesadas de gasto público são com pessoal de carreiras de estado e de outros poderes. Corporativismo de classes com grande poder político real. E sobre desvinculação, imagine-se a campanha política negativa depois das campanhas anteriores de 10% para educação, etc… A desvinculação também atinge em cheio o poder legislativo, tirando poder do legislativo e o entregando ao executivo.
3) Reforma da previdência. Há um certo consenso em levar a idade de aposentadoria para a média mundial, e imagino que isso seja possível de passar, mas fora isso a idéia seria mexer na previdência do setor público, que causa muito mais impacto fiscal atual do que a do setor privado que é um problema mais de longo prazo e que poderia ser empurrado para depois das eleições para um governo com maior legitimidade. Ora, a factibilidade de se abordar esse problema também se esbarra no poder corporativo do pessoal do setor público e sua maior capacidade de judicializar as questões.
4) Para a redução do custo-brasil e aumento de produtividade, a solução que é apresentada como consenso é uma proposta de emenda constitucional permitindo a negociação individual de contrato de trabalho. Isso teria como efeito a anulação de fato de toda a CLT e o enfraquecimento dos sindicatos, sem precisar fazer uma reforma trabalhista real. Essa questão provavelmente seria judicializada e traria enfrentamentos grandes, como aconteceu com a terceirização.
Já para atender as forças do pacto político pelo impeachment seria necessário a) rever dívidas dos estados (para baixo), impactando fortemente o já precário resultado fiscal do governo central b) liberar cargos em ministérios (que as forças sociais pelo impeachment insistem em diminuir em número) e nas estatais (que deveriam ser privatizadas para atender ao mercado).
A conta simplesmente não fecha. E para contas que não fecham, o resultado é inflação. A inflação é a financiadora-mor dos deficits públicos e a redutora de salários e benefícios. É também o resultado que nenhum economista ortodoxo está disposto a bancar. A ortodoxia tem HORROR a inflação, ela é a demonstração cabal do fracasso.
Agora imagine-se a situação de um ministro da fazenda de um governo Temer. Deve-se lembrar que o ministro será indicado, mas a presidente Dilma não terá sido ainda julgada pelo senado. Se não apresentar rapidamente um plano chancelado pela ortodoxia, correrá o risco de ser visto pelo mercado como identico ao governo anterior. Se o apresentar, a presidente Dilma só precisa de 7 votos além de sua base fixa no senado para ser absolvida – será que tais medidas absolutamente impopulares e contrárias as bases sociais (fiesp, corporações, direita populista) não ajudarão o governo a conseguir tais votos? E de repente o governo Temer acaba antes de ter começado?
Num novo governo saído das urnas pode haver o discurso de “herança maldita”. Num governo provisório, esse discurso ficaria um pouco neutralizado pelo populismo da então-oposição tentando derrubar o então-governo. Estelionato eleitoral pode ser realizado não apenas nas urnas, mas também no congresso. Com a diferença de que os “engandos” tem chance de dar o troco bem mais rapidamente.
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