Expresso da Meia-Noite: Caderno Mensal

Caros Expressonautas,

A oitava edição do Caderno Mensal do Expresso da Meia-noite traz ao debate a importante e necessária luta dos povos Latino-Americanos pela consolidação da Pátria Grande. Dessa forma, levantaremos reflexões sobre a possibilidade de organização política e econômica de uma grande nação latino-americana, unida não só por traços culturais e sonhos comuns, mas orientada para e pela superação da trajetória histórica de usurpação que seus povos compartilham.

Uma boa leitura.

A América Latina e a necessária luta de seus povos pela consolidação da Pátria Grande

Por Alejandro Acosta e Ricardo Guerra

As grandes potências, principalmente os Estados Unidos, sempre visualizaram e usaram a América Latina (AL) como fonte de matérias primas e de mão de obra barata, processo que vem se aprofundando muito nos últimos anos com a necessidade de garantia para os altos lucros viabilizados nesses países por meio da especulação financeira.

Com o aprofundamento da crise capitalista mundial a partir de 2008, o aperto contra a América Latina foi ficando cada vez mais contundente e os Estados Unidos foram impondo sobre os povos latino-americanos uma agenda de reformulação do Estado Nacional e da Sociedade Civil, no sentido de eliminar o poder das eleições e impor as decisões do capital transnacional e de seus representantes locais.

Dessa forma, visando dominar completamente essas nações e tomar posse de seus recursos naturais, públicos e financeiros, os EUA investiram contundentemente em estratégias de guerra de comunicação (guerra híbrida) no sentido de promover sobre a população local uma falsa compreensão e consequente negação da realidade sob a qual está submetida, para assim explorar mais facilmente seus territórios e populações (dominação de espectro total).

O endurecimento dos regimes rumo a ditaduras pinochetistas, cada vez mais antipopulares porém alçadas ao poder de forma aparentemente democrática (via fake news, manipulações jurídicas e midiáticas, pseudos operações contra fraudes governamentais e supostamente de combate à corrupção, lawfare, kompromat e “programação mágica” das urnas, entre outros mecanismos) foi uma consequência natural desse processo, no qual os governos vão investindo na criação de leis muito reacionárias que gradativamente vão sendo encorpadas no corolário do denominado Patriot Act Tabajara.

Por outro lado, para garantir o financiamento de todo esse processo, o imperialismo precisa manter a região “pacificada” e assim poder avançar na direção de novos voos, os quais se caracterizam, em primeiro lugar, por guerras que permitam impulsionar o setor mais saudável da sua economia – o seu complexo industrial militar.

Portanto, para potencializar os seus lucros, os EUA vêm avançando também na AL a imposição do chamado “Evangelistão do Pó”, uma série de medidas para impor o modelo narco/paramilitar da Colômbia, onde o grosso da economia gira em torno da produção, exportação e lavagem do dinheiro oriundo do narcotráfico por meio de negócios legais e ilegais, com uso de grande parte das igrejas neopentecostais como importante sócia nesta operação.

Para esses abutres controlarem de maneira efetiva o grosso da economia da América Latina, o imperialismo nos impõe uma nova versão do Escândalo do Banestadoo maior caso de corrupção da história do Brasil – para incorporar as classes dominantes locais à espoliação dos povos latino-americanos por meio de algumas migalhas e propinas.

Assim, diante de um contexto de avanço tão voraz das garras imperialistas sobre os países latino-americanos, acontecido nos últimos anos e caracterizado por um processo de (re)colonização na nossa história contemporânea, refletir e debater a importância da unidade da América Latina para resistir à agressão, torna-se cada vez mais importante e urgente.

É justamente neste contexto que ressurge a ideia da Pátria Grande, conceito político inicialmente relacionado à proposição de uma unidade política da América hispânica e associado à ideia de integração latino-americana dos libertadores – particularmente Francisco Miranda, Simón Bolívar, José Artigas e José de San Martín.

A ideia básica é promover a integração latino-americana através da unificação política das nações hispano-americanas contra a agressão das potências coloniais (hoje personificadas pelo imperialismo anglo/sionista/estadunidense), contrapondo-se à balcanização do Império Espanhol realizada nas Américas após as guerras de independência na América espanhola. Esse conceito foi posteriormente ampliado e passou a abrigar a natural e necessária inclusão do Brasil em seu contexto.

Mas será que diante de contexto tão adverso, no qual os quinta-colunas implantados nos aparatos dos estados – nas instituições militares, legislativas e no sistema financeiro, inclusive dentro dos Bancos Centrais – seguem muito bem e firmemente apoiados por seus cupinchas nos juizados de 1ª instância, nos tribunais regionais e até nas Supremas Cortes, é possível se falar na possibilidade de uma grande nação latino-americana, unida por traços culturais e sonhos comuns, orientados para a superação da trajetória histórica de usurpação que compartilham?

Vários revolucionários, anti-imperialistas e pensadores acreditando não só nessa possibilidade, mas na sua imperativa necessidade, desenvolveram  importantes ideias, proposições e ações no sentido de compreender a importância dessa unidade e os processos necessários para a sua viabilização.

O professor Darcy Ribeiro, em sua magnífica obra América Latina: a Pátria Grande, procurou estabelecer os parâmetros de ligação entre os aspectos que formam as bases para a unidade da grande comunidade denominada “América Latina” e a  possibilidade de se pensar e agir contra a colonização do saber e do poder pelas forças imperialistas: uma trincheira que (ainda) muitos poucos enxergam e muitos menos se atrevem a nela se aventurar.

Nomes como Álvaro vieira Pinto no Brasil, Juan José Hernández Arregui e Manuel Ugarte na Argentina, Agustin Cueva no Equador, Aníbal Quijano no Peru, Eduardo Galeano no Uruguai e Ludovico silva (Silva) na Venezuela, vêm se somar ao professor Darcy Ribeiro fazendo coro pela necessidade de se lutar por uma integridade cultural e política para os países latino-americanos, orientada para a autonomia soberana e o desenvolvimento social independente de amarras externas (Pensadores da Pátria Grande). Uma ideia de unidade para o enfrentamento ao aparato internacional de exploração capitalista e os setores dominantes locais de cada uma de nossas sociedades – setores esses que apoiam política e economicamente essa situação na AL e garantem um poder neocolonial aos imperialistas para liquidar os nossos recursos nacionais e lucrar às custas do nosso povo.

Para enfrentar essa situação, primeiro é preciso ressignificar as diferenças históricas e culturais entre os países da região e conhecer a realidade sociocultural e a complexidade das relações inter-raciais aqui estabelecidas, pois além do imperialismo bélico e econômico, mas não menos eficiente e concomitantemente a este, o domínio imperialista se dá através do processo de colonização pedagógica e cultural dos povos latinos-americanos. Processo estrategicamente articulado com o objetivo de sufocar a possibilidade de gestação de um  sentimento de libertação em solo latino-americano e, invariavelmente, desemboca num sentimento contrário – estabelecido no senso comum – pela necessidade de uma integração de nossos povos derivada da dependência imposta pelo imperialismo.

Dessa forma, no sentido de superar o desconhecimento que os povos latino-americanos guardam entre si e que tem sido um dos fatores para a inviabilização dessa desejada integração na América Latina, origina-se a necessidade de se criar uma concepção autenticamente latino-americana de cultura e história do pensamento de nossos povos, através de todos os níveis da educação, desde a primária à universidade; tal e como se faz com a história, a cultura e o pensamento nacional e universal.

Venezuela e Cuba são exemplos importantes de como o imperialismo age para sufocar o desenvolvimento dos nossos povos para continuar sangrando as veias de nossas nações e quão árdua é a luta para escapar do cabresto da economia ocidental dominada pelos Estados Unidos: uma luta que tem sido desigual até o presente momento.

Cuba enfrenta o problema do atraso econômico derivado principalmente do embargo norte-americano e a Venezuela enfrenta o mesmo problema insuflado pela organização da sua economia, direcionada pelo setor petrolífero em brutal crise. Hoje o salário oficial da Venezuela corresponde a aproximadamente US$ 2 mensais, batendo todos os recordes históricos depois de ter desfrutado do maior salário da América Latina no segundo governo de Hugo Chávez.

Precisamos unir nossos esforços para viabilizar a possibilidade de superação desse embate tão desigual.

Aliar nossos esforços e seguir alinhados a forma de luta implementada por Cuba e Venezuela não é para nós apenas uma opção, é antes de tudo uma necessidade.

Assim, em busca de uma saída para a gravíssima crise atual, pela qual estamos passando, a unidade política e econômica da América Latina (a formação e consolidação da Pátria Grande) se impõe como a alternativa mais viável para o enfrentamento da ação imperialista e do voraz avanço do maior processo de recolonização já visto na nossa história e consentido por parte de uma classe dominante entreguista, culturalmente cooptada e sem qualquer sentimento de pertencimento aos seus países e região.

No entanto, para conseguir avançar nessa unidade, todos os anti-imperialistas, democratas e verdadeiros revolucionários precisam se integrar com energia à luta, para que juntos possamos superar as ditaduras “democraticamente” instaladas pelo imperialismo em nossa região, antes que seja tarde.

Muito mais do que sempre nos queixamos de que nossas lideranças sempre falharam no processo de educação política popular, precisamos compreender que o nosso pensamento, enquanto povo, foi colonizado e é reprodutor do pensamento imperialista do “viralatismo” inculcado em nossa mente.

Portanto, a nossa luta precisa começar reintegrando a consciência política do nosso povo ao nosso país e à nossa região, libertando-nos de nossos “preconceitos culturais” e principalmente das nossas ilusões no sistema, em conjunto.

Criar as condições para o retorno a uma identidade local e também regional e ampliada, numa perspectiva da nação latino-americana, é a nossa grande chance de romper o colonialismo pedagógico, cultural e político implantado historicamente em nosso meio. Os indivíduos pertencentes às classes dominantes e às camadas médias da população, dentre eles parte da chamada “intelligentsia”, precisam ser libertados da subserviência ao imperialismo.

Mas a tomada de consciência da sua condição de igualdade com os membros pertencentes às massas economicamente menos favorecidas e populares, por parte desses setores, só pode vir a partir de um grande movimento de massas que permitirá que a maioria da sociedade trabalhe pela afirmação da raiz, do comum, do território, das particularidades e da unidade na diversidade de nossa cultura local.

Um grande levante de massas na América Latina, até a pouco tempo, aparecia como algo remoto para a maioria das pessoas. Mas conforme a crise capitalista mundial se aprofunda, e os insaciáveis capitalistas apertam com particular sanha sobre a região, o descontentamento se torna a cada dia mais insuportável.

Até outubro de 2019, pouquíssimas pessoas poderiam ter imaginado que no Chile, o “queridinho do imperialismo”, iria estourar um gigantesco levante de massas que durou cinco meses e que só pode ser controlado por meio da pandemia do Covid-19. E em plena pandemia, aconteceu a greve dos Correios no Brasil, que durou cinco semanas, sendo a maior na América Latina.

Há poucas semanas, aconteceram as revoltas no Peru contra o golpe parlamentar, muito parecido com o golpe de 2016 no Brasil. Como se vê, as veias da América Latina continuam muito abertas e os povos estão cansados do massacre e começam a acordar.

Nós, verdadeiros revolucionários, democratas e anti-imperialistas não podemos deixar mais prosperar e se manter a ideia de que há uma condição intrínseca de atraso ou inferioridade em nossos povos. A rica produção plural que nos identifica e nos dá as possibilidades de interlocução com outras culturas, vão favorecer a construção de novas relações de vida, unidos em torno desse revolucionário projeto chamado Pátria Grande: “Sí, se puede!”

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