O que é o G20 e para que serve a reunião na Argentina?

Texto originalmente publicado na Revista Movimiento em 26/11/2018 e reproduzido aqui com autorização do autor (tradução de nossa redação).

 

Por Eduardo Jorge Vior*, da Redação do Duplo Expresso.

A próxima reunião de cúpula em Buenos Aires será mais importante pelas reuniões bilaterais em sua sombra do que pelas resoluções adotadas pela sessão plenária multilateral.

Se o governo argentino espera que na reunião de cúpula do G20 em Buenos Aires, nos próximos dias 30 de novembro e 1 de dezembro, alguns dos conflitos centrais da economia mundial sejam resolvidos, pode começar a desenganar-se. Os presidentes da China e dos Estados Unidos reunir-se-ão na sexta-feira 30, mas se fecharem um acordo sobre sua disputa comercial – algo imprevisível – será porque chegarão acordados para tal. Por outro lado, é provável que Donald Trump também se encontre aqui com Vladimir Putin, mas os respectivos porta-vozes já anunciaram que ambos os líderes só querem rever o “estado da arte” nas relações bilaterais. O formato das reuniões multilaterais saiu de moda, mas ainda não tem substituto.

A cúpula do G20 traz os mesmos desafios que Angela Merkel enfrentou na reunião de Hamburgo em 2017. Os principais obstáculos para concluir o documento final de Buenos Aires ainda são as diferenças no comércio mundial e na luta contra as mudanças climáticas que a maioria dos os líderes têm com Donald Trump. Sob essas condições, é muito difícil concordar previamente com o documento final, por isso devem ser os próprios presidentes e primeiros ministros que fazem o rascunho final.

Grande parte do conflito comercial dependerá do entendimento entre as delegações dos EUA e da China, mas não é previsível que o compromisso que ambos os presidentes eventualmente acordarem reflita-se no comunicado final da cúpula. De fato, o principal objetivo da maioria dos diplomatas – envolvidos por onze meses nos preparativos – é evitar que se repita o enfrentamento do ano passado em Hamburgo entre Trump e os outros 19 líderes. Ninguém aspira a um documento com fortes afirmações compartilhadas.

O Grupo dos 20 (G20) é um fórum de 19 países mais a União Europeia (UE), onde chefes de Estado e de governo, presidentes de bancos centrais e ministros de finanças dos países mais desenvolvidos do mundo reúnem-se regularmente desde 1999. Está constituído por sete dos países mais industrializados (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido – o G7) mais a Rússia (G8) e a Austrália. Além disso, participam dez países recentemente industrializados de todas as regiões do mundo (por exemplo, da América Latina são Argentina, Brasil e México) e da União Europeia (UE) como um bloco econômico. Da mesma forma, a cada ano são convidados a Espanha (fixa), o país que detém a presidência da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), dois países africanos e um país convidado pela presidência, geralmente de sua própria região. Também participam 12 organizações internacionais associadas.

Surgiu quando os ministros das Finanças e os diretores/presidentes dos bancos centrais do G7 se reuniram para discutir os efeitos da crise financeira de 1997-1998. No entanto, foi somente com a crise de 2008 que o grupo se expandiu para 20 estados.

O G20 é uma das organizações informais – isto é, não prevista no sistema das Nações Unidas e cujas recomendações, portanto, não são vinculantes – surgiram desde a década de 1990 para validar o governo mundial exercido por conclaves e clubes informais onde reúnem-se funcionários internacionais, líderes nacionais, representantes de empresas e consultores. Esses conclaves foram organizados para governar o mundo após o fim da Guerra Fria, no contexto da Terceira Revolução Industrial e sob a hegemonia da ideologia da globalização, porque os países centrais não querem submeter-se às decisões da maioria da Assembléia Geral e outras agências das Nações Unidas.

O G20 tem um peso forte na economia e nas finanças internacionais porque a soma de seus membros representa 90% do PIB mundial, 80% do comércio internacional e dois terços da população planetária. Desde o início, a Argentina tem participado ativamente no grupo. A Argentina é incluída nela por causa de seu papel como produtora e exportadora de biocombustíveis e alimentos, bem como de suas reservas de energia, aqüíferas e minerais.

Desde 2010, os 19 países membros dividem-se em grupos regionais de até quatro parceiros. Entre estes cinco grupos, a presidência anual alterna-se. Desde 30 de novembro de 2017 até 30 de novembro deste ano, a Argentina exerce essa posição. Como esse mandato dura apenas um ano, para garantir o acompanhamento e a coerência dos temas em tratamento, há uma “troika” governamental composta pelo país que presidiu o ano anterior, o que exerce atualmente a presidência e que presidirá no ano seguinte. Neste momento, a Alemanha, a Argentina e o Japão são partes de uma mesma.

Durante o ano de reuniões preparatórias, os líderes dos países membros são representados pelos sherpas (chamados assim devido aos guias de montanha no Himalaia), que coordenam a política de seus países para o G20, aconselham seus governos e negociam em seu nome. Além do sherpa, o respectivo ministro do setor participa de cada encontro temático.

Paralelamente, o G20 procura legitimar-se incentivando a participação da chamada “sociedade civil” através dos Grupos de Afinidade, fóruns paralelos de lobbies e ONGs que se reúnem ao longo do ano para elaborar recomendações, as quais são distribuídas aos chefes de Estado e do governo. Os grupos de afinidade são: Negócios 20 (B20, integrado por empresas), Civil 20 (C20, organizações não governamentais), Trabalho 20 (L20, sindicatos), Parlamento 20 (P20, representantes dos parlamentos), Ciência 20 (S20, aborda temas relacionados à ciência), Pense 20 (T20, especialistas que produzem propostas para políticas públicas), Women 20 (W20, organizações de mulheres) e Youth 20 (Y20, jovens líderes).

A Cúpula do G20 em Buenos Aires será a décima-terceira reunião do grupo. Por sua organização, o governo argentino contratou empresas privadas por um valor total de 75 milhões de Reais. Enquanto isso, para reuniões menores e outras despesas, o governo gastará outros 300 mil Reais. Uma das posições mais fortes será a segurança.

Durante a presidência argentina en 2018, o G20 teve como prioridades na sua agenda:

  • O futuro do trabalho. O texto preparatório para essa área é apresentado com a seguinte frase: “Novas tecnologias estão mudando as estruturas tradicionais de trabalho. O sistema educacional também tem que mudar para treinar as pessoas para a vida e o trabalho no século 21.” Assume-se que as “tecnologias” são objeto do atual processo de transformação da economia e da sociedade global, e não dos governos e corporações multinacionais que projetam e aplicam estratégias de inovação.
  • A infraestrutura para desenvolvimento. “Os países necessitam de bases físicas – estradas, pontes, ferrovias, transporte público, obras sanitárias – para crescer. É essencial conseguir uma maior participação do setor privado para impulsionar o investimento em infraestrutura”. O mesmo tipo de objeção pode ser feito nessa área: o crescimento não é um ideal em si, mas o meio para atingir esses objetivos da mesma forma. Simultaneamente, a suposição de que “é essencial alcançar uma maior participação do setor privado” não resulta de nenhuma evidência, nem está provado que ela venha resultar em “incremento do investimento em infraestrutura”. A experiência argentina é exatamente oposta.
  • Um futuro alimentar sustentável. Da mesma forma, a afirmação de que “o mundo necessita de um sistema de fornecimento de alimentos mais inclusivo e eficiente. Isto implica em aumentar a produtividade dos solos sem impactar negativamente o meio ambiente” não é condizente com a evidência, uma vez que o acesso das famílias rurais à terra, ao crédito e canais de distribuição justas que garantam alimentação à população em geral. A tecnologia é subsidiária de uma ordem rural justa.

O encontro ocorre à sombra da disputa comercial entre a China e os Estados Unidos. Ainda que Pequim não tenha sido reconhecida como uma economia de mercado, ela funciona como tal e exerce uma influência crescente no comércio mundial, desafiando até mesmo a primazia dos Estados Unidos. Por sua vez, Washington rejeita o sistema de resolução de disputas da Organização Mundial do Comércio (OMC), e vem protelando decisões importantes.

Neste contexto de crescente competição entre poderes cada vez mais iguais, a estrutura multilateral e consensual do G20 (as decisões são tomadas por unanimidade) está rapidamente perdendo terreno. Na ordem mundial que emerge desde 2013, o multilateralismo foi substituído por bilaterais concorrentes e competitivos. De fato, na última vez, todas as conferências internacionais foram acompanhadas por encontros paralelos entre líderes, e foram nestas que as decisões verdadeiramente transcendentais são tomadas.

Em conclusão, pode-se dizer que a Argentina não está errada continuar pertencendo ao G20, ainda que não se posa esperar decisões importantes a partir dali. Por esta razão, a atual presidência argentina está tentando suavizar as disputas entre os contendores, mas o único resultado efetivo que isso poderá trazer ao país será nos encontros entre Xi Jinping e Mauricio Macri após a cúpula, quando o líder chinês fizer sua visita oficial. Quando analisarmos as letras miúdas dos acordos que eles oferecem, poderemos dizer para que serviu gastar tanto dinheiro e balas de borracha na organização do G20.

 


* Eduardo Jorge Vior é graduado em História pela Universidad de Buenos Aires (1977), mestre em Ciências Políticas pela Ruperto-Carola-Universität Heidelberg (1984), doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2011) e doutor em Ciências Sociais pela Justus-Liebig-Universität Giessen (1991). Ex-professor adjunto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA –, na área de Ciência Política e Sociologia. Ele comenta regularmente no Duplo Expresso às quintas-feiras abordando as complexas ligações que envolvem as nações-irmãs Brasil e Argentina com seus vizinhos no Cone Sul.

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