Caso Benalla – o que realmente está em jogo
Por Patrícia Vauquier, para o Duplo Expresso
Desde o começo do mandato, Emmanuel Macron mudou o discurso que ele adotava durante a campanha: destaque para horizontalidade, democracia, atenção às opiniões divergentes. Passou diretamente à ação: fim a abertura ao diálogo e imposição da sua vontade, como um verdadeiro monarca absolutista.
O presidencialismo francês é muito diferente do brasileiro que está na constituição! (O atual “presidencialismo” brasileiro é segundo o senador Romero Jucá: uma suruba com executivo, legislativo e judiciário). O executivo tem poderes sobre o legislativo que impedem um impeachment, como o que aconteceu no Brasil. Aqui na França é o presidente da república quem escolhe o presidente do parlamento. As eleições legislativas são feitas logo após a eleição presidencial, o que geralmente dá maioria ao partido do presidente.
Essa diferença é um dos motivos que dificultam a compreensão do francês sobre o golpe no Brasil. Para um francês, Eduardo Cunha foi nomeado pela presidente destituída Dilma Rousseff e o PMDB se insurgiu contra ela porque ela era corrupta. Enfim, voltando ao mandato Macron, com a maioria no legislativo, o executivo aprova o que quer.
Inclusive, o desafio principal do presidente francês é reformar a constituição. Preferencialmente entre os jogos da Copa do Mundo, o Tour de France e as férias, período em que ninguém presta atenção em nada, nem mesmo a imprensa. A principal proposta desta reforma é a de diminuir em aproximadamente um terço o número de deputados eleitos. Afinal “o Estado precisa ser eficiente!”
É incrível perceber como o velho discurso do déficit público convence qualquer centrista desavisado. Imagine como é fácil o convencimento dos direitistas! Como se o Estado ao dar um presente de 40 bilhões para as empresas do CAC40 – as 40 maiores empresas listadas na Bolsa de Paris – fosse eficiência. Mas como ressaltou o meu deputado favorito, François Ruffin: “tudo o que é pra empresas e os super ricos é investimento, já as classes pobres são a fonte de ‘despesa’ do estado”.
Parece que a redução do número de deputados realmente irritou todo o legislativo, inclusive os mais apáticos do movimento En Marche – que até então não ousavam se manifestar publicamente, o burburinho ficava contido no “hemicycle”, o plenário, a parte do parlamento onde os deputados se exprimem. Tudo isso até a vitória da França na Copa.
Desde o começo da semana passada, o governo de Macron está com uma arma na cabeça – ou no peito, como queiram. Um acontecimento na manifestação do 1 de Maio veio à tona pra dar um chacoalhão no “Presidente-Júpiter” (segundo o próprio). O jornal Le Monde divulgou um vídeo do “Encarregado de Missão do Governo” que, com uniforme da polícia, bate em manifestantes que já estavam imobilizados.
Como mostra este vídeo:
É o “caso Alexandre Benalla”, um segurança pessoal de Macron, presente em todos os eventos do presidente, entre eles o 14 de julho e a recepção da equipe francesa de futebol campeã da Copa do Mundo. Até agora o presidente não se pronunciou, mas as informações contraditórias dadas por diferentes atores do governo confundem a população, a mídia e os políticos. Aliás, o legislativo em peso! Da extrema direita à extrema esquerda, passando pelos republicanos, pelos socialistas e até pelos próprios En Marche. Todos agarraram a oportunidade para mostrar ao executivo que esqueletos piores podem sair do armário se Macron continuar com essa reforma constitucional.
Os brasileiros conhecem bem aquela figura do segurança que acompanha celebridades, políticos e membros da alta sociedade. O problema é que, alguns deles, às vezes, acabam indo além do que supostamente deveria fazer um segurança, passando a agir como um “fixer“*. Seria esse o caso de Benalla?
Afinal alguém que surgiu do nada, que destruiu a esquerda e a direita pode muito bem voltar ao nada se a direita e a esquerda se unirem para isso.
* Segundo o nosso amigo Yorkshire Tea, o “fixer” (“facilitador”) é uma pessoa que faz o que for necessário (legal ou ilegalmente) para resolver algum problema para o cliente. Pode ser desde acompanhar alguém num evento até sumir com provas comprometedoras, acobertar crimes, etc. É importante aqui fazer uma distinção entre esse tipo de “facilitador” e o que trabalha com jornalistas/cineastas. Quando equipes de jornalismo/cinema visitam um país estrangeiro, acabam contratando um “fixer“, que é alguém que conhece todos os “atalhos” e todos os “jeitinhos”, para “facilitar” a vida da produção.
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