Dissonância Cognitiva

Por Patrícia Vauquier*, para o Duplo Expresso

A psicologia social é uma disciplina que estuda as relações e os processos da vida social sob a perspectiva das relações entre o individual e o coletivo. A disciplina é desenvolvida com o objetivo de se contrapor aos comportamentalistas que entendem que o comportamento social é uma resposta aos estímulos externos somente. A psicologia social argumenta que há uma interação entre os estímulos externos e o entendimento individual desses estímulos, a forma como cada um interpreta a realidade é individual.

Ao contrário dos vieses que vieram depois em 1972, a Teoria de Dissonância Cognitiva vem desde 1957 com Leon Festinger.

Em 1954 ele foi pesquisar uma seita nos EUA que pregava que o mundo ia acabar em 21 de dezembro de 1954. Ele e mais alguns pesquisadores se integraram no meio da seita pra acompanhar o processo de organização em torno do que seria o dia do juízo final. Finalmente no dia fatídico quando nada aconteceu, os gurus da seita diziam aos seguidores: Deus nos poupou! Vamos dar graças ao senhor! O surpreendente foi a reação dos seguidores que, ao invés de desacreditarem os gurus, se tornaram ainda mais fieis.

Psicologicamente, como explicar esse comportamento?

O que eles constataram é que os seguidores tinham um envolvimento afetivo muito forte com a seita, além do efeito do sentimento de grupo. A partir dessa experiência, Festinger escreveu a monografia: When the profecy fails (“Quando a profecia falha”), que foi a base pra desenvolver a teoria da dissonância cognitiva.

E o que é a dissonância cognitiva?

É uma situação que acontece quando recebemos uma informação contrária às nossas ideologias, comportamentos ou atitudes. Essa situação gera um desconforto físico que nos obriga a resolver a dissonância: mudando de opinião, mudando de atitude, minimizando o problema ou incorporando outros elementos externos que justifiquem a nossa escolha a um dos pontos que gera a dissonância.

Explicar assim é simples, difícil é compreender a situação quando se vive imerso em um mundo repleto de fontes de dissonância cognitiva em múltiplos níveis, que vão desde a propaganda na TV até o regime político.

Vamos expor algumas situações corriqueiras. Por exemplo, o ideal de beleza da sociedade é ser magro, praticar esporte, se alimentar bem, dormir 8h por dia, etc, etc… Em contrapartida a indústria alimentícia capricha na publicidade de produtos industrializados, impondo o consumo de produtos sem nenhum valor nutritivo com efeitos contrários a tudo o que se preconiza como saudável.

Como resolver esse conflito? Dá pra ser saudável comendo fast food ou o sorvete de caramelo com pedaços de chocolate? Haja esporte e força de vontade pra resistir a todo esse apelo.

Um outro exemplo, num tema mais complexo, é o desenvolvimento sustentável. O famoso tripé compondo a perfeita harmonia entre o aspecto social, o econômico e o ambiental para que as gerações futuras possam atender as suas necessidades como a nós é atendida. De uma maneira factual constata-se que as mesmas empresas que pregam esse desenvolvimento, com direito à certificação, por exemplo, lançam novos produtos mais sofisticados com um ciclo de vida limitado para que justamente seja substituído pela última versão, que por sinal é incompatível com a versão anterior do produto….

Nós, consumidores, nos esforçamos horrores pra fazer a seleção do lixo, mas o fabricante do biscoito faz questão de colocar o biscoito numa bandejinha de plástico rígido, embalada por um sachê de plástico hermeticamente fechado em 3 porções individuais dentro de uma caixinha de papelão, tudo isso revestido pela embalagem de plástico que contém a marca e as informações do produto. Esse fabricante certificado pela sustentabilidade precisa mesmo destas quatro camadas? Ou são só os consumidores que se importam com o meio ambiente?

Um outro fenômeno estranho: Como o presidente que mais invadiu e interveio militarmente em vários países é merecedor do Nobel da Paz? E quase que por antecipação ao seu duplo mandato?

No Brasil, a auto-intitulada maior operação contra a corrupção se vangloria da quantidade de gente processada e presa, de ter destruído as maiores empresas e, junto com elas, a economia do pais. Os líderes desta operação vendem palestras e falam sem nenhum pudor na imprensa sobre os casos em julgamento quando lhes convém. Por que (ou como) a população aceita que essa operação faça tudo isso pelo “bem do país”?

O Marketing é o que mais usa a dissonância como pressão de consumo pois, sem resolução é uma tortura. O Marketing se encarrega de produzir e criar a dissonância para depois propor (vender na verdade) elementos de redução.

O problema de viver imerso nesse contexto, é que a noção de realidade fica distorcida. Para sobreviver nesse ambiente de constante dissonância cognitiva as pessoas acabam por abdicar inconscientemente da noção do concreto, dos fatos, da realidade. E como nas relações humanas, a narrativa, a palavra, têm um forte poder de dissuasão, é nelas que as pessoas acreditam.

A percepção da realidade fica distorcida pela presença constante de dissonância cognitiva. Perdeu-se a capacidade de analisar os fatos de maneira objetiva e passou-se a aceitar a narrativa, a pós-verdade. Como fazer a população acordar desse transe e ser capaz de distinguir o que é narrativa e o que é fato?

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* Patrícia Vauquier é arquiteta, Mestra em Engenharia Civil, Doutora em Administração de Empresas e comentarista do Duplo Expresso às quartas-feiras.

 

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