Com engenharia nacional já destruída, Golpe recria caixa preta ($$$) para contratação (de gringos) pela Petrobras
Da Redação do Duplo Expresso
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei duplamente lesivo ao interesse nacional. Em primeiro lugar, entrega as jazidas de área que é o filé mignon do Pré-sal a petroleiras estrangeiras em um regime que paga menos ao Estado (“cessão onerosa”) do que aquele criado pelo pai da privataria nos anos 1990, Fernando Henrique Cardoso (“concessão”).
Mas isso não é tudo. O Relator, Deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), do PL nº 8.939/2017, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), acabou com a obrigação de a Petrobras ter de realizar licitações, transparentes e competitivas, para a contratação de bens e serviços a serem adquiridos para a exploração do Pré-sal. Agora passa a valer o “convite”, feito a meia dúzia de fornecedores já conhecidos – da Petrobras e/ ou de associadas estrangeiras – para a apresentação de propostas.
Ora, foi falta de controle e transparência parelha que deu à luz a Lava Jato, depois devidamente instrumentalizada politicamente por interesses anti-nacionais. Pois agora, com a engenharia nacional já devidamente destruída pela tal “Car Wash”, abolem-se novamente os controles republicanos adotados em 2016.
Sem problemas: agora com empresas americanas como fornecedoras, é certeza que o Departamento de Justiça dos EUA não mais voltará a nos perturbar. Afinal, como muito bem ensina Deltan Dallagnol, nos EUA, colonizado por pios peregrinos puritanos, nunca houve corrupção (!)
Desnudando a arapuca da vez, segue mais uma lição do comentarista de minas e energia do Duplo Expresso, Paulo Cesar Ribeiro Lima. Além de engenharia, “Paulão” bem poderia lecionar Direito Administrativo. Além, é claro, das disciplinas “patriotismo” e “vergonha na cara”, extintas na Câmara dos Deputados.
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Fim das licitações nas aquisições e contratações da Petrobrás no Pré-Sal
Por Paulo César Ribeiro Lima, para o Duplo Expresso
Nesse aspecto vale ressaltar os gravíssimos problemas decorrentes das contratações feitas pela Petrobras sem licitação ou na modalidade convite, onde há grande poder discricionário por parte dos administradores.
A ausência de licitações públicas nas contratações da Petrobras pode ter um grande impacto nas empresas nacionais, pois, as empresas do consórcio, poderão “escolher” livremente quem convidar. Assim, poderão ser “convidadas” principalmente empresas estrangeiras, com gravíssimas consequências para as empresas e para a engenharia nacional.
Em suma, a Petrobras tem à sua disposição, por meio da Lei nº 13.303/2016, mecanismos transparentes, ágeis e impessoais para realizar suas aquisições e contratações como operadora no Pré-sal. A aprovação dessa Lei, ocorrida há apenas dois anos, foi uma importante resposta do Congresso Nacional para o combate à corrupção no Brasil.
Dessa forma, a Emenda Substitutiva Global, apresentada pelo Deputado Fernando Coelho Filho, ao estabelecer, na prática, o fim das licitações públicas na exploração, desenvolvimento e produção do Pré-sal na Bacia de Santos retoma mecanismos de contratação que muitos problemas causaram ao país. Assim sendo, o art. 3º dessa Emenda não atende ao interesse público, devendo ser aprovado qualquer Destaque ou Emenda que o suprima.
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A Lei nº 13.303/2016, que instituiu o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, nos termos do art. 173, § 1º, da Constituição Federal, determina que as aquisições e contratações feitas por essas empresas ocorram por meio de licitações públicas.
A regulamentação desse dispositivo constitucional, por meio de lei específica para disciplinar as atividades de empresas estatais que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, inclusive no que diz respeito a licitações e contratos celebrados por essas entidades, era uma necessidade do País.
Com a ausência dessa regulamentação, empresas estatais vinham sendo submetidas a um conjunto inadequado de normas e procedimentos. No caso da Petrobras, o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado, conforme disposto no Decreto nº 2.745/1998, não constituía solução adequada para o problema.
Esse Regulamento restringe o número de licitantes aptos à disputa, com violação ao princípio da impessoalidade. Também não se deveriam realizar licitações sob a forma de convite para levar a termo contratos bilionários celebrados pela estatal.
A Operação Lava Jato, apesar de todos os seus abusos, comprovou a inadequação dos processos de contratação da Petrobras. Não se nega, contudo, as disfunções administrativas relacionadas às normas gerais sobre licitações e contratos inseridas na Lei nº 8.666/1993. De fato, esse diploma legal apresenta frequentes problemas na aplicação de seus comandos sobre situações concretas. Daí a importância da Lei nº 13.303/2016.
Sobre o tema, vale mencionar novamente o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA sobre a reforma da Lei nº 8.666/1993, que aponta, dentre outras, as seguintes falhas na legislação em vigor:
- excesso de formalismo, no lugar de foco nos resultados;
- profusão de recursos;
- inconveniência da adoção do conceito de modalidades de licitação;
- necessidade de incorporar o instituto da contratação integrada;
- indevida limitação dos critérios de adjudicação, que privilegia o menor preço e dificulta a obtenção de nível de qualidade adequado do bem ou serviço fornecido;
- inexistência de previsão de divulgação de informações aos licitantes apenas após o certame, a fim de evitar conluio; e
- ausência de mecanismos de remuneração variável, baseada no desempenho.
No que diz respeito ao fornecimento de bens e serviços ao aparato estatal, mais especificamente “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”, buscou-se uma resposta satisfatória a algumas das falhas mencionadas com a edição da Lei nº 10.520/2002, resultante da Medida Provisória nº 2.182-18, de 2001, reedição, por sua vez, de outras 17 com o mesmo intuito.
Instituiu-se, nesse diploma, um conjunto de procedimentos distinto do inserido na Lei nº 8.666/1993, ao qual se atribuiu a denominação de “pregão eletrônico”. A lógica que norteou a Lei nº 10.520/2002 baseou-se nos seguintes pressupostos:
- inclusão de orçamento dos bens e serviços a serem licitados exclusivamente nos autos internos do procedimento, fórmula que contrasta com a adotada na Lei nº 8.666/1993, em que se obriga o ente licitante a inserir no edital tais valores;
- condução monocrática do processo, por um personagem identificado como “pregoeiro”, auxiliado por uma equipe de apoio, em substituição às comissões permanentes ou temporárias de licitação;
- uniformização de procedimentos, que, no campo do pregão eletrônico, independem do valor atribuído ao objeto da licitação;
- inversão das fases de habilitação e julgamento no âmbito do procedimento licitatório, verificando-se a aptidão apenas do licitante vencedor ou dos candidatos imediatamente abaixo na ordem de classificação, nesse último caso quando inabilitado o primeiro colocado;
- utilização de recursos eletrônicos para apresentação de propostas, permitindo-se que o licitante que houver apresentado o menor preço e os que o superarem em até 10% formulem “novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor”, igualmente por meio eletrônico;
- concessão de maior flexibilidade na elaboração dos editais em relação às condições de habilitação, adotando-se o critério de menor preço como a única fórmula para julgamento das propostas;
- atribuição, ao pregoeiro, da prerrogativa de resolver sobre a aceitabilidade da proposta vencedora, em detrimento da fórmula matemática estabelecida pela Lei nº 8.666/1993;
- nas hipóteses em que a proposta não é aceitável ou naquelas em que o licitante mais bem classificado desatende as condições de habilitação previstas no edital, concede-se ao pregoeiro a prerrogativa de negociar com o vencedor, no primeiro caso, ou com os licitantes classificados abaixo dele, no segundo, com o intuito de se atingir preço tido como aceitável;
- simplificação extremada dos mecanismos recursais em via administrativa, conferindo-se prazo de três dias após manifestação do interessado para adoção da providência, obrigatoriamente efetivada no momento em que for declarado o vencedor da licitação, sob pena de preclusão.
O pregão eletrônico serviu de inspiração para a primeira tentativa, levada a efeito em 12 de maio de 2010, por meio da Medida Provisória – MP nº 489, de se estabelecer um sistema de licitações capaz de servir como alternativa à Lei nº 8.666/1993 também em relação à realização de obras públicas.
Nesse contexto, vale ressaltar a Lei nº 12.462/2011, que apresenta 47 dispositivos para disciplinar o novo modelo de licitações, denominado na ementa do diploma e em seu art. 1º de Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, sigla pela qual se tornaria conhecido; a MP nº 489/2010 dedicava ao tema apenas 11 artigos.
Observa-se, então, que o RDC não é obra do acaso nem fruto de circunstâncias fortuitas. Esse regime resultou de discussões em torno dos procedimentos a serem seguidos nas licitações públicas, não apenas como resultado do debate em torno do projeto de lei de conversão que o introduziu, mas como resultado da lenta evolução do sistema normativo a respeito do assunto.
O motivo essencial para se conceber o RDC deve-se, preponderantemente, ao fato de a Administração desejar instrumentalizar-se com maneiras mais céleres, econômicas e eficientes de contratação pública. A criação de um diploma destinado especificamente a atender obras de infraestrutura de grande vulto representa a consolidação de uma política nacional.
Contudo, deriva do seu histórico o entendimento contraposto de que a lei de contratação pública diferenciada é fruto de uma omissão político-administrativa. Mediante a inércia governamental ocorrida por considerável lapso de tempo, desde a escolha do Brasil como sede da realização dos jogos, seria inviável a execução das obras e contratações nos termos da Lei nº 8.666/1993.
Em termos de conteúdo normativo, o RDC adota características do pregão eletrônico, em especial o recurso a mecanismos informatizados para apresentação de propostas, adicionando-lhes as seguintes inovações:
- atribuição de caráter sigiloso ao orçamento relacionado ao contrato visado pelo procedimento licitatório, exceto quando se adotar o critério de julgamento denominado “maior desconto”;
- aproveitamento do sistema de contratação integrada;
- introdução de novos critérios para julgamento de propostas, identificados como “maior desconto”, “melhor conteúdo artístico” e “maior retorno econômico”;
- flexibilização dos critérios de apuração da exequibilidade de propostas, nos moldes do procedimento adotado no âmbito do pregão eletrônico;
- instituição de sistema denominado “pré-qualificação”, sistema de seleção prévia de potenciais fornecedores.
Em razão dos aspectos anteriormente descritos e das características que o sistema aproveita do pregão eletrônico, o RDC serviu de parâmetro para a regulamentação do que prevê o art. 173, § 1º, III, da Constituição Federal.
Os pressupostos que nortearam a construção do RDC afiguram-se aptos a atender às empresas estatais que exploram atividade econômica. O RDC agiliza procedimentos, admite a compatibilização entre o rito adotado e o objeto a que se destina, e sua adoção pode coibir os frequentes conluios entre licitantes e conceder flexibilidade e autonomia aos administradores.
Com ajustes, o RDC tem potencial para suprimir problemas de antigos regimes de contratação de empresas estatais, como, por exemplo, os existentes no Decreto nº 2.745/1998, que era utilizado pela Petrobras nas suas aquisições e contratações, a partir dos quais se disseminaram irregularidades na empresa.
Ao contrário da Lei nº 8.666/1993, que determina a apresentação detalhada do orçamento para os interessados, no RDC, somente após o encerramento da licitação é que se conhecerá o preço estimado para a contratação. Na hipótese de não constar do instrumento convocatório, o orçamento adquire caráter sigiloso, ficando apenas acessível para os órgãos de controle interno e externo da Administração Pública. Esse sigilo longe de constituir afronta ao princípio da publicidade, pode fomentar a competição, de modo a alcançar o mínimo valor.
No caso das obras e serviços de engenharia, as novidades mais significativas do RDC estão por conta da contratação integrada. Nessa pactuação, a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto ficam por conta de uma empresa.
Na prática, a contratação integrada promove o encurtamento de ritos. Faz a soma de diversos procedimentos que seriam necessários sob o ponto de vista da licitação nos moldes usuais. Esse regime elimina gastos e expurga a morosidade.
Ressalte-se, contudo, que na contratação integrada está o ponto mais crítico do RDC. A simplificação é extrema se levarmos em consideração todos os mecanismos dispostos na Lei nº 8.666/1993. Entretanto, devem ser feitas algumas ponderações. O dever de licitar para contratações de obras e serviços de engenharia pressupõe a adequada configuração do objeto, de modo a viabilizar a isonomia entre os participantes da licitação.
Julga-se importante, então, a prévia exigência de projeto básico nas contratações de obras e serviços de engenharia pelas empresas estatais, usando o conceito estabelecido na Lei nº 8.666/1993.
Em relação ao RDC, a principal modificação trazida pela Lei nº 13.303/2016 é a introdução da modalidade de contratação semi-integrada. Em geral, as empresas estatais têm condições técnicas de elaborar ou contratar o projeto básico antes da contratação das obras e serviços de engenharia.
Nessa modalidade, as licitações para obras e serviços de engenharia deverão ser realizadas a partir de um projeto básico previamente aprovado na estatal, que será a referência para orientar os interessados a apresentarem suas propostas.
O contratado poderá inovar, em relação às soluções previstas no projeto básico, nos materiais, insumos, serviços, métodos construtivos, soluções técnicas etc., desde que demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, aumento da qualidade, redução do prazo de execução e facilidade de manutenção ou operação. Em razão disso, dependerá de termo de acordo entre as partes.
Importantíssimo para as contratações da Petrobras na exploração, desenvolvimento e produção da província petrolífera do Pré-sal foi o fato de a Lei nº 13.303/2016 ter que ser aplicada aos consórcios cuja operadora seja a estatal, nos termos do art. 1º, § 6º, transcrito a seguir:
“Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
(…)
6o Submete-se ao regime previsto nesta Lei a sociedade, inclusive a de propósito específico, que seja controlada por empresa pública ou sociedade de economia mista abrangidas no caput.
(…)”
No dia 20 de junho de 2018, foi aprovado, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, Emenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei – PL nº 8.939/2017, que elimina, na prática, por meio do seu art. 3º, a exigência de que a Petrobras realize licitações públicas para contratações no Pré-sal, conforme transcrito a seguir:
“Art. 3º As contratações de bens e serviços efetuadas por consórcios operados por sociedade de economia mista, que exerça as atividades de exploração e produção de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, e que visem a atender a demandas exclusivas desses consórcios não se submetem ao regime previsto na Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016.”
Ocorre que a Petrobras é a grande operadora das atividades de exploração, desenvolvimento e produção no horizonte geológico da principal área do Pré-sal, que é a Bacia de Santos. Nesse caso, apenas no Contrato de Cessão Onerosa a estatal não opera por meio de consórcio. Mas, até mesmo nesse Contrato, a Emenda Substitutiva Global aprovada na Câmara permite a formação de consórcio.
O Relator, Deputado Fernando Coelho Filho, do PL nº 8.939/2017, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia, cita que o modelo adotado pela indústria petrolífera prevê uma modalidade equiparada ao convite para dar início ao seu processo de consulta ao mercado e, ao final do processo de contratação, há a deliberação por todos os consorciados quanto à celebração do contrato com o fornecedor vencedor. Nessa modalidade, tanto o operador quanto os não-operadores podem indicar fornecedores, formando uma lista de convidados a apresentar propostas.
Nesse aspecto vale ressaltar os gravíssimos problemas decorrentes das contratações feitas pela Petrobras sem licitação ou na modalidade convite, onde há grande poder discricionário por parte dos administradores.
A ausência de licitações públicas nas contratações da Petrobras pode ter um grande impacto nas empresas nacionais, pois, as empresas do consórcio, poderão “escolher” livremente quem convidar. Assim, poderão ser “convidadas” principalmente empresas estrangeiras, com gravíssimas consequências para as empresas e para a engenharia nacional.
Em suma, a Petrobras tem à sua disposição, por meio da Lei nº 13.303/2016, mecanismos transparentes, ágeis e impessoais para realizar suas aquisições e contratações como operadora no Pré-sal. A aprovação dessa Lei, ocorrida há apenas dois anos, foi uma importante resposta do Congresso Nacional para o combate à corrupção no Brasil.
Dessa forma, a Emenda Substitutiva Global, apresentada pelo Deputado Fernando Coelho Filho, ao estabelecer, na prática, o fim das licitações públicas na exploração, desenvolvimento e produção do Pré-sal na Bacia de Santos retoma mecanismos de contratação que muitos problemas causaram ao País. Assim sendo, o art. 3º dessa Emenda não atende ao interesse público, devendo ser aprovado qualquer Destaque ou Emenda que o suprima.
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Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e Ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às terças-feiras.
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