Quem lucra com o nióbio do brasileiro?

Por Paulo César Ribeiro Lima, para o Duplo Expresso

A Lei nº 13.540/2017 alterou o art. 2º da Lei nº 8.001/1990 para estabelecer que as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM incidirão, no caso do consumo, sobre a receita bruta calculada, considerado o preço corrente do bem mineral, ou de seu similar, no mercado local, regional, nacional ou internacional, conforme o caso, ou o valor de referência, definido a partir do valor do produto final obtido após a conclusão do respectivo processo de beneficiamento.

O valor de referência será definido pela entidade reguladora do setor de mineração a partir de metodologia estabelecida em decreto do Presidente da República, de modo que jazida de maior teor da substância de interesse implique aumento relativo do valor de referência.

Para analisar a adequação da Lei nº 13.540/2017, tomou-se como exemplo o “consumo” do nióbio, cuja alíquota da CFEM aumentou de 2% para 3%. No cenário mundial, o Brasil destaca-se como o principal produtor dessa substância, com participação de 93,7% no mercado global, de acordo com o Sumário Mineral 2015.

O nióbio é usado como liga na produção de aços especiais e um dos metais mais resistentes à corrosão e a temperaturas extremas. É considerado um recurso estratégico, um insumo essencial para a indústria de alta tecnologia, de óleo e gás, naval e automotiva. O nióbio é empregado em automóveis, turbinas de avião, gasodutos, tomógrafos de ressonância magnética, e na indústria aeroespacial, bélica e nuclear.

De acordo com o Anuário Mineral Brasileiro de 2016, o Brasil produziu, em 2015, 160,738 mil toneladas de nióbio, com destaque para o Estado de Minas Gerais, cuja produção foi de 114,978 mil toneladas.

Nesse estado, o nióbio é produzido pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM, que produz essa substância a partir do pirocloro, com teor médio de nióbio de 2,56%. O Estado de Goiás foi o segundo produtor nacional de nióbio, também a partir do pirocloro, por meio da China Molybdenum. O pirocloro de Goiás tem teor médio de nióbio de apenas 0,64%. A tabela 1 mostra a produção bruta em 2015. A tabela 2 mostra a produção comercializada beneficiada.

Mais de 90% do nióbio produzido no mundo é consumido na fabricação de aços na forma da liga ferro nióbio que contém cerca de 66% de nióbio. O principal produto da CBMM é o ferro nióbio. Ainda como elemento de liga, cerca de 5% do nióbio são usados em superligas de níquel.

 

De acordo com a dissertação de mestrado de Marcos Antônio Lemos Júnior da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, intitulada “Estudos para avaliação da capacidade de reservatório de rejeitos de nióbio”, o processo de beneficiamento do minério inclui todas as etapas necessárias para a obtenção do concentrado de pirocloro, composto constituído por mais de 60% de Nb2O5 (óxido de nióbio).

Importa registrar que, além da mina e da unidade de concentração, o complexo industrial da CBMM em Araxá é composto de várias outras unidades, tais como de sintetização, desfosforação, ligas especiais, metalúrgica, óxidos, nióbio metálico, entre outras.

A tabela 3 mostra que a CBMM tem apresentado excelentes resultados financeiros com receitas líquidas anuais acima de R$ 4 bilhões, baixos custos e lucros líquidos anuais da ordem de R$ 1,5 bilhão.

No ano de 2015, o valor arrecadado de CFEM decorrente do pirocloro no Estado de Minas Gerais foi de apenas R$ 5,429 milhões. Esse valor representa 0,32% das receitas líquidas da CBMM que, em 2016, foram de R$ 4,567 bilhões.

Nesse ano, a alíquota da CFEM teve como base de cálculo um valor de R$ 271 milhões. Assim, os processos industriais da CBMM aumentaram de R$ 271 milhões para R$ 4,567 bilhões o valor dos produtos da empresa, o que representa um aumento de 16,8 vezes.

Importa registrar que o Estado de Minas Gerais comercializou 132,501 mil toneladas, enquanto o Estado de Goiás comercializou apenas 20,208 mil toneladas de pirocloro. No entanto, no Estado de Goiás, a arrecadação de CFEM decorrente do minério de nióbio e do nióbio, em 2015, foi de R$ 5,971 milhões, valor superior à CFEM decorrente do pirocloro de Minas Gerais.

Essa distorção entre os valores pagos de CFEM e o baixo valor dessa compensação ao Estado brasileiro decorre do fato de a base de cálculo ter sido, nesse período, o custo de produção do concentrado de nióbio.

A Lei nº 13.540/2017, no caso do consumo, aboliu o custo de produção para estabelecer uma metodologia que visa a apurar o valor de mercado. No entanto, o decreto nº 9.252/2017 estabeleceu como valor de referência o valor da produção multiplicado por um fator de ajuste.

Esse decreto define como valor de produção a soma das despesas operacionais e administrativas, diretas e indiretas, incorridas até a última etapa de beneficiamento do bem mineral; o fator de ajuste varia apenas de 0,9 a 1,1.

Dessa forma, o decreto nº 9.252/2017, ao arrepio da Lei nº 13.540/2017, ressuscitou o custo de produção como base de cálculo da CFEM. Assim sendo, o Brasil continuará arrecadando valores distorcidos e insignificantes de CFEM de um minério estratégico como o nióbio.

Mais uma vez, os valiosíssimos recursos naturais continuarão sendo utilizados para altíssimos lucros privados, e não em benefício do país.

 

Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e Ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às terças-feiras.

 

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