“Kakay” comenta carteirada de Moro para cima do TFR-1: extradição – ilegal! – de luso-brasileiro
- Participação do criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o “Kakay”, no Duplo Expresso de 30/abr/2018.
Integralidade do programa aqui.
- Kakay: “eu, quando era estudante, eu achava que o cumprimento da Constituição era algo reacionário, porque eu queria sempre avançar mais em termos de direitos individuais, de direitos coletivos. No Brasil de hoje, nesse momento punitivo pelo qual passamos, cumprir a Constituição passou a ser revolucionário!”
- Romulus Maya: “(Kakay) esclareceu essa questão interessantíssima, fora a questão dramática de a gente ver se Constituição vale ou não. Questão interessantíssima: o indivíduo ter primeiro iniciado o processo (de extradição de Portugal para o Brasil) como português naturalizado, depois juntado os documentos para ter reconhecida a sua nacionalidade portuguesa originária, (ter também recorrido, com sucesso, ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos contra o pedido de Moro) e permitir essa discussão, que transcende o Direito e hoje adentra a esfera política: saber se a sociedade brasileira – a classe política inclusive – tem a garantia da Constituição diante do avanço de determinados magistrados (leia-se: Sergio Moro)”.
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– TRANSCRIÇÃO:
Rubens Rodrigues: Romulus, é o seguinte, eu estou com Kakay aqui na linha e é o cliente dele, né, a situação dele. Então, nada mais indicado do que o próprio para explicar a situação, tá ok? Então, estou colocando aqui em viva voz. Bom dia, Kakay, está me escutando bem aí?
Kakay: Bom dia. Estou ouvindo bem. Prazer falar com você.
Rubens Rodrigues: Kakay, primeiramente é um prazer enorme falar contigo, te considero um mestre do pragmatismo da advocacia, sigo teus passos. Segundo, que pudesse explicar para a gente aqui o que está acontecendo no caso do Raul.
Kakay: Bem, em primeiro lugar, é uma alegria, um enorme prazer falar com você, com seus ouvintes. Veja bem, o Raul tem um mandado de prisão contra ele, está respondendo um processo em Curitiba. Ocorre que, quando saiu esse mandado, o Raul ele já morava em Portugal e à época, ele era português naturalizado. Sendo português naturalizado, existe uma hipótese de o Brasil oferecer uma reciprocidade, é assim que faz em todos os países do mundo e ao oferecer essa reciprocidade, a extradição é possível que seja concedida. Então, foi concedida a extradição com uma cláusula expressa, o judiciário português concedeu com uma cláusula expressa: que ele só poderia responder aos possíveis crimes praticados antes da naturalização. Ocorre que, durante esse processo, o Raul conseguiu o documento que comprova que ele agora passa a ser português nato, é como se fosse um original português, e tanto a Constituição brasileira como a Constituição portuguesa proíbem que se extradite o nacional. Então, a partir desse momento, o Raul não pode ser extraditado, juridicamente falando, seria uma ofensa à Constituição. E o que nós fizemos? Nós fizemos foi pedir ao Poder Judiciário brasileiro que determinasse, que reconhecesse que o Brasil não pode mais oferecer reciprocidade. Ou seja, a partir do momento que o Raul consegue por uma lei portuguesa o reconhecimento de ser português nato, o Brasil não pode proceder à reciprocidade por um motivo simples: porque o Brasil não extradita o seu nacional. Então, eu inclusive estive com o Ministro da Justiça, disse a ele “Olha, vai abrir um precedente perigoso, porque se o Raul vier e cumprir a determinação de ele vir para o Brasil, nós vemos uma hipótese de, no futuro, um brasileiro estando morando no Brasil ter a sua extradição pedida e Portugal alegar: ‘Olha, quando aconteceu lá o caso Raul nós oferecemos a reciprocidade, devolvemos a pessoa…’ e com isso nós temos pela primeira vez a hipótese da extradição de um brasileiro (nato)”. A questão é puramente jurídica e ela é de uma simplicidade enorme do meu ponto de vista. Então, o que é que nós estamos agora é querendo fazer com que se cumpra a Constituição. Ocorre que, de uma forma do meu ponto de vista, absolutamente inoportuna e até inesperada, o juiz da 13ª Vara de Curitiba, que é quem determinou a prisão, fez um ofício ao Tribunal Regional aqui (Brasília) dizendo que a liminar do tribunal estaria descumprindo a ordem dele. Acho que ele fez uma enorme confusão jurídica. A ordem de prisão dele, quando ele determinou a prisão do Raul, nós enfrentamos via Habeas Corpus, está hoje no Supremo Tribunal Federal. O que nós entramos aqui em Brasília foi contra o Ministro da Justiça, Ministro Torquato, porque ele é a autoridade responsável pelo contato com o governo português, enquanto Ministro da Justiça, e com o departamento DRCI do Ministério da Justiça. Então, é óbvio que a competência, nesse caso, é Brasília, não tenho nenhuma dúvida disso. Houve um certo voluntarismo que o (juiz) da 13ª Vara de Curitiba (Moro) que, no meu ponto de vista, pensa que tem uma jurisdição nacional. Nós não estamos atacando a ordem de prisão preventiva que foi azarada pelo juiz de Curitiba, nós entramos com Habeas Corpus contra a ordem do governo brasileiro, desse Departamento do Ministério da Justiça, que comunicou ao governo português a hipótese de reciprocidade. Então, como causou essa, eu diria essa confusão jurídica, no meu ponto de vista sem nenhuma necessidade, que é óbvio o juiz de Curitiba não tem poderes especificamente sobre a extradição, o Ministro do Superior Tribunal Justiça aceitou o conflito de competência, que o Tribunal Regional aqui de Brasília que é quem tinha nos dado… o Dr. Leão… é o Desembargador do Tribunal Regional de Brasília que tinha nos dado a liminar suspendendo a extradição, porque o problema nesse caso é que, se o Raul for extraditado, perde o objeto. Depois que ele chegar aqui, evidentemente essa discussão toda não terá mais sentido porque ele não vai voltar a Portugal. Então, eu pretendo hoje inclusive despachar com o Ministro Kukina, que é o ministro responsável pelo Superior Tribunal de Justiça, dizendo da necessidade de mantê-lo em Lisboa pelo menos até que essa discussão jurídica se resolva.
Ruben Rodrigues: Muito obrigado pelo esclarecimento, Kakay. Nada melhor do que beber água da fonte.
Romulus Maya: Rubens, só confirma com ele, eu não sei se ele está me ouvindo, porque eu tinha lido esse despacho do ministro Kukina do STJ ontem e eu tinha entendido que, por esse despacho, essa decisão dele aqui, que ele já… como ele suspendeu a ordem do Moro, que isso já garantiria que o cidadão, esqueci o nome dele (Raul), não seria trasladado para o Brasil, não seria extraditado. Mas, então, ele ainda vai despachar para garantir isso?
Kakay: É, na realidade, eu também entendo como você. Eu entendo que ele deixou muito claro que o Moro não tem competência, mas ele aceitou em princípio o conflito de competência. Então, embora eu entenda que essa ordem de liminar do Dr. Leão esteja válida, é necessário que essa ordem seja implementada, ou seja o Ministério da Justiça tem que comunicar ao Ministério da Justiça português que, por enquanto, ele não pode oferecer a reciprocidade. Então, para que essa ordem seja implementada, eu acho que é conveniente que a gente… eu fiz uma petição, entreguei ontem, ainda no domingo, para que isso fique bem claro, para que o ministro Kukina determine que seja feita essa implementação porque, veja bem, esse é um caso, primeiro não é um caso comum, é um caso raro, e depois que nós temos o que a gente chama de Periculum in Mora evidente, que é a necessidade do cumprimento imediato, porque se eles dessem sequência lá em Portugal à extradição, se o Ministro da Justiça sentir que, tendo estabelecido conflito, ele não deve comunicar, se o Raul vier para cá, perdeu o objeto. Veja como essa história é interessante: há um pouco mais de 20 dias, a defesa, na falta de uma implementação desse documento no Brasil dizendo que não pode fazer reciprocidade, nós recorremos ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, também é uma coisa rara. E no Tribunal Europeu de Direitos Humanos, nós conseguimos uma liminar para que o Raul não fosse extraditado até resolver algumas questões. Dentre os fundamentos que nós fizemos no Tribunal Europeu de Direitos Humanos para pedir essa liminar, nós alegamos a miserabilidade do sistema penitenciário brasileiro. Quer dizer, o Raul sendo português é um cidadão europeu. Nós levantamos a necessidade de se fazer uma discussão entorno do sistema penitenciário brasileiro, claramente não tem condições de atender os milhares e milhares de presos de forma minimamente… A Folha de São Paulo de hoje traz uma matéria interessante dizendo que, se fossem cumpridos os mandados de prisão que estão nas ruas, a população carcerária brasileira, que já é a terceira do mundo com 700 mil presos, passaria de um milhão de presos e que nós não teríamos vagas, teria mais ou menos 6 presos por vaga no Brasil. Então, essas são questões… Processos como esse, servem para discutir questões mais amplas. Nós fomos ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos e conseguimos uma liminar, porque o Tribunal Europeu de Direitos Humanos disse “Olha, vamos discutir primeiro essa questão. Até lá, o Raul não pode ser extraditado”. Nesse momento, a liminar do tribunal está valendo, mas o tribunal deu um prazo, o prazo é dia dois que é agora, depois de amanhã. Então, a nossa necessidade de deixar absolutamente claro que o Brasil não pode fazer a reciprocidade é em função de tudo isso. É claro que nós também iremos a Estrasburgo (na França, sede do Tribunal Europeu de DDHH) pedir a prorrogação desse prazo.
Romulus Maya: Muito bem. Rubens, eu acredito que o Kakay está me ouvindo. Esse caso evidentemente tem uma importância… transcende a dimensão jurídica, porque tem uma importância política hoje no Brasil pelos seguidos desrespeitos lá que a 13ª Vara de Curitiba, o juiz Sérgio Moro, tem praticado, inclusive agora contra o próprio Poder Judiciário, outras instâncias do Poder Judiciário. E eu devo dizer, Kakay, eu sou advogado também, minha área de especialização é Direito Internacional, estudei muito precedente de extradição no mestrado lá na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ, e eu devo dizer que esse caso certamente será estudado no futuro, tendo em vista o que você falou, porque era uma questão de extradição de naturalizado, de nacionalidade derivada, depois se tornou um caso de extradição de nacionalidade originária, do português nato, de promessa de Reciprocidade e ainda com a intervenção da Corte Europeia de Direitos Humanos. Então, esse caso certamente será estudado no futuro e vamos esperar que a lição, a conclusão seja a prevalência da Constituição Brasileira, né, porque de desrespeito à Constituição a gente já está farto, já chegamos até aqui por não respeitar sequer a literalidade da Constituição Federal. Esperemos que quem for estudar extradição, Direito Internacional, no futuro, estude e a conclusão seja a prevalência da Constituição sobre toda ordem jurídica brasileira e sobre todos os magistrados do Brasil. Todos.
Kakay: É. Isso é uma coisa interessante. Eu, quando eu era estudante, eu gosto de ler e palestras eu faço bastante, eu achava que o cumprimento da Constituição era algo reacionário, porque eu queria sempre avançar mais em termos de direitos individuais, de direitos coletivos. No Brasil de hoje, nesse momento punitivo pelo qual passamos, cumprir a Constituição passou a ser revolucionário. É exatamente isso. Nós estamos pedindo rigorosamente que se cumpra a Constituição. Quer dizer, não existe um único caso de extradição, como você bem disse, de brasileiro que seja natural. Nós estamos na tentativa de fazer cumprir a Constituição e, infelizmente, o juiz da 13ª Vara de Curitiba insiste que seja feita a extradição apesar de ter uma cláusula expressa que proíba na Constituição brasileira e na portuguesa. Mas, eu acredito que agora no Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal de Brasília, que é um tribunal muito independente, com desembargadores extremamente competentes, essa decisão do Dr. Leão, embora seja no meu ponto de vista quase a óbvia, que é cumprir a Constituição, revela a independência deste tribunal e, quando o doutor juiz lá de Curitiba mandou um ofício dizendo que entendia que estava usurpando a competência dele, o presidente da Terceira Turma, em nome do tribunal fez uma nota muito forte, muito forte, porque nessa determinação do juiz da 13ª Vara ele incitava, mandava ofício para polícia Federal, quase que determinando o descumprimento da decisão do juiz do Tribunal Regional e o doutor Ney Bello, que é um excelente juiz, experiente, extremamente sério e independente, fez uma nota dizendo que é inconcebível que o juiz faça uma espécie de um incentivo ao descumprimento da lei, descumprimento da decisão judicial. Então, o momento não é o momento fácil. Nós estamos em um momento punitivo extremamente grave e o que nos resta como advogados é isso: é buscar o poder judiciário com todo respeito e acatamento que é poder mostrar que não estamos em um momento, em um quadra, que nós temos que fazer o mínimo que é cumprir a Constituição. A Constituição proíbe expressamente que seja extraditado o brasileiro nato. Então, o Brasil não pode oferecer reciprocidade.
Romulus Maya: Muito bem. Kakay, você sabe que a gente teve aqui no programa outro dia o professor Afrânio Silva Jardim e ele falava que, por tática, ele se tornou agora um positivista, porque ser progressista no Brasil… como você disse, revolucionário e defender o primado da Constituição e até o Código de Processo Civil na sua literalidade, isso é ser garantista e progressista, porque o pessoal desse neoconstitucionalismo aí, que teoricamente é o “progressismo” aí para fazer “mutações constitucionais” e aumentar as garantias… ao contrário, as mutações constitucionais são para destruir as garantias e os direitos individuais. Então, realmente hoje, como você falou, defender o primado da Constituição é ser revolucionário no Brasil. É incrível isso. Carlos Krebs, tem alguma pergunta para o Kakay?
Kakay: Afrânio é um grande professor, é uma grande figura e infelizmente nós temos que fazer a resistência do óbvio. Eu acho que é o que estamos fazendo.
Carlos Krebs: Não. Eu particularmente fico muito feliz de ouvir que se defendam as garantias mínimas contra esse Estado punitivista. Realmente, eu gostaria que isso fosse a voz comum de todos que exercem a advocacia no país. Infelizmente, neste momento, não é.
Kakay: Muito obrigado pelas palavras. Eu acho que o que interessa é que a gente está lutando o bom combate e estamos juntos.
Romulus Maya: Muito bem. Muito obrigado, Kakay, pela participação aí hoje cedo aqui, às 7h26, no Brasil. Muito obrigado e obrigado Rubens por ter viabilizado esse esclarecimento. Você vê, a gente até esclareceu essa questão interessantíssima, fora a questão dramática de a gente ver se Constituição vale ou não. Questão interessantíssima: o indivíduo ter primeiro iniciado o processo (de extradição de Portugal para o Brasil) como português naturalizado, depois juntado os documentos para ter reconhecida a sua nacionalidade portuguesa originária (ter também recorrido, com sucesso, ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos contra o pedido de Moro) e permitir essa discussão, que transcende o Direito e hoje adentra a esfera política: saber se a sociedade brasileira – a classe política inclusive – tem a garantia da Constituição diante do avanço de determinados magistrados (leia-se: Sergio Moro)”. Então, muito obrigado Rubens por ter viabilizado aí esses esclarecimentos tão pertinentes do Kakay.
Transcrição da colaboradora voluntária Maíra Valente
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