É a China, estúpido! Bloqueio do milho brasileiro ao Irã confirma nosso novo papel geopolítico: “alavanca da fome” eurasiana
Publicado 22/jul/2019 – 20:15
Atualizado 23/jul/2019 – 15:15 – resumo audiovisual (final)
Eis a chave para compreender o bloqueio — de fato — do navio carregado de milho destinado ao Irã no Porto de Paranaguá, na costa brasileira.
Mais um C.Q.D. para este Duplo Expresso. Dos mais relevantes, diria eu na qualidade de editor do site.
Claramente, o alvo da ação no Brasil, para além do imediato, o Irã, é também a própria China, devidamente “avisada”.
É jogo de cachorro grande. O Brasil — “país”-continente que teria de criar sustento para 210 milhões de almas — tornou-se não mais que a “alavanca da fome”, do Deep State americano, mirando a Eurasia.
Bom, também alavanca da própria fome: 210 milhões de bocas, afinal…
E como “chega primeiro”…
É a China, estúpido: bloqueio do milho brasileiro ao Irã confirma nosso novo papel geopolítico — a “alavanca da fome” eurasiana
E nossa também…
Por Romulus Maya, para o Duplo Expresso
Eis que, na última semana, veio mais um C.Q.D. para este Duplo Expresso. Dos mais relevantes, diria eu na qualidade de editor do site.
Em 13 de junho último publicamos o artigo “Exclusivo: militares usarão #VazaJato, Greenwald e “russos” para dar golpe?“, que trazia a chave para compreender o bloqueio — de fato — do navio carregado de milho destinado ao Irã no Porto de Paranaguá, na costa brasileira:
Proibidos de abastecer, navios do Irã estão parados perto de Paranaguá após sanção dos EUA
Embarcações não conseguem comprar combustível por causa da restrição imposta pelos norte-americanos.
Por Reuters
Dois navios do Irã que trouxeram ureia [D.E.: tomar nota — principal fertilizante agrícola, derivado do petróleo] ao Brasil e pretendiam retornar ao Irã carregando milho brasileiro estão parados ao largo do porto de Paranaguá (PR) desde o início de junho, com dificuldades de obter combustível para a viagem ao país asiático devido às sanções dos Estados Unidos à república islâmica.
Os EUA têm ampliado suas sanções contra o Irã neste ano, visando atingir setor petrolífero do país. Isso atrapalhou o reabastecimento dos navios, com a estatal Petrobras recusando-se a vender combustível por temer represálias ao violar as regras norte-americanas.
Os iranianos são os maiores importadores de milho do Brasil e também estão entre os principais compradores de soja e carne bovina. Embora alimentos não sejam o foco das sanções dos EUA, o caso levanta alguma preocupação sobre as exportações do agronegócio ao país islâmico.
O navio Bavand já carregou cerca de 50 mil toneladas de milho, em maio, no porto catarinense de Imbituba, enquanto o Termeh deveria chegar em meados de julho ao local para carregar 66 mil toneladas do cereal, de acordo com informações de agentes do setor portuário.
Ao menos um outro navio iraniano, o Daryabar, que está na mesma lista de sanções, carregou milho em Imbituba em junho e partiu, segundo documento de agência marítima, que aponta também que outra embarcação do Irã sancionada, a Ganj, deve carregar o produto em agosto.
(…)
Procurada, a Petrobras informou em nota nesta quinta-feira (18) que os navios encontram-se sancionados pelos EUA, e por isso não está fornecendo o combustível solicitado, sob pena de a petroleira vir a ser punida pelo governo norte-americano, que também incluiu a ureia importada pelo Brasil na lista de sanções implementadas por conta do programa nuclear iraniano.
“Caso a Petrobras venha a abastecer esses navios, ficará sujeita ao risco de ser incluída na mesma lista, sofrendo graves prejuízos decorrentes dessa sanção”, disse a Petrobras em nota, acrescentando que “existem outras empresas capazes de atender à demanda por combustível”.
Não ficou imediatamente claro por que os navios ainda não partiram de volta e se outras companhias não querem fornecer o combustível também por temores de enfrentarem sanções dos EUA.
A Sapid, dona dos navios, não respondeu a pedidos de comentários.
O Itamaraty diz ter conhecimento da situação e que está em curso uma ação judicial, sobre o assunto, que corre sob segredo de Justiça.
‘Situação inédita’
O caso, com um navio de um país sancionado tentando comprar combustível da Petrobras durante sua rota de passagem pelo Brasil, trata-se de algo inédito, de acordo com uma fonte na estatal.
“O Irã é um país sancionado… Nós temos ações na Bolsa de Nova York. Sendo assim, a Petrobras fica impedida de negociar com empresas/países sancionados. Essa é uma questão jurídica internacional relevante”, disse a fonte, que falou sob a condição de anonimato.
O caso ocorre ainda em momento em que as relações entre Brasil e EUA estão mais próximas, com o presidente Jair Bolsonaro buscando maior aproximação com o país governado por Donald Trump.
De acordo com outra fonte da Petrobras, a empresa teve de recorrer de decisão judicial no Brasil para manter sua posição de não fornecer o combustível aos navios iranianos.
No primeiro semestre de 2019, o Irã importou cerca de 2,5 milhões de toneladas de milho do Brasil, praticamente o mesmo volume importado no mesmo período do ano passado, de acordo com dados do governo brasileiro.
O país asiático, além de ser o maior importador de milho brasileiro, é um dos principais clientes da indústria de soja, tendo importado no mesmo período 1,25 milhão de toneladas, ante aproximadamente 1 milhão no mesmo período do ano passado.
Notar: o bloqueio passou pelas mais altas instâncias de poder no Brasil. Para além do Executivo, mencionado na matéria (Bolsonaro, Itamaraty, Petrobras), também a PGR e o STF — cujo Presidente, Dia Toffoli, saiu do recesso para garantir o bloqueio!
Vale lembrar, por oportuno, quem é o misterioso marido de Raquel Dodge. E, também, que seus filhos fazem graduação não no Brasil mas nos EUA, onde constituirão suas vidas. E para onde, certamente, mudar-se-á o casal quando aposentado. Netinhos, não é mesmo?
Eis o trecho do nosso artigo de junho, que esclarece como os EUA usarão daqui para a frente o “peão” Brasil no seu jogo de xadrez contra China e Rússia; ao que antes era um (projeto de) Estado nacional foi legado o papel de “alavanca da fome”, devidamente operada pelo Deep State americano já na última semana:
I. “É o petróleo (e o prato de comida), estúpido!”
O golpe no Brasil não foi “misógino”. Foi por petróleo, que não tem sexo. O golpe foi no petróleo e, com base nesse, também na agricultura brasileira. Ao contrário do que supõe a indigência intelectual da Ministra Carmen Lúcia, manifestada na última quinta-feira no Plenário do STF, agricultura e petróleo tem tudo a ver. Ora, o preço do petróleo, e de seus derivados, é dos elementos mais importantes na matriz de custos da produção agrícola. No Brasil e em toda parte. Fertilizantes (amônia, viu, Carmen Lúcia?),…
[D.E.: ou ureia (como a que veio do Irã), no estado sólido, menos volátil — embora menos performante. O uso direto da amônia, mais performante, como ocorre nos EUA, requereria uma extensa rede de gasodutos rurais. Mais que nunca uma miragem, diante do atual desmonte da infraestrutura brasileira, com a entrega dos gasodutos já existentes ao capital financeiro transnacional, a quem não interessa internalizar a externalidade positiva — para o todo da economia brasileira — do pesado investimento numa rede capilar de gasodutos rurais. Tal interesse, holístico, só poderia vir de uma Petrobras — mais que estatal — pública e indutora do desenvolvimento.
Suspiro: “pública”? “Indutora do desenvolvimento”? Ora… não foi a própria Petrobras quem saiu operada, diretamente pelos EUA, neste episódio do milho para o Irã?]
… defensivos agrícolas com moléculas de síntese, energia (tratores, irrigação), sacas e, finalmente, o preço do frete do caminhão. Tanto na ida, trazendo todos esses insumos, como na volta, levando o produto agropecuário final ao seu destino (sobretudo a exportação).
A faca do golpe no Brasil teve dois gumes principais:
(i) Petróleo “para fora”: negar acesso aos chineses ao petróleo brasileiro – eles que tinham levado o primeiro leilão do Pré-sal, o de Libra, sob Dilma; e
(ii) Petróleo “para dentro” – desnacionalizar a produção e o refino de petróleo no Brasil, de forma a dar aos americanos o controle sobre o preço de petróleo e derivados no país. Para torna-lo mais caro, bem entendido. De forma que, a partir daí, pudessem deixar o agronegócio brasileiro andando perpetuamente com o freio de mão puxado. Lembremos, por óbvio, que os EUA são os maiores concorrentes do Brasil nesse mercado. No entanto, o alvo principal aqui é mais uma vez a China, sendo os agricultores americanos beneficiários “apenas” colaterais.
O cálculo é simples: a China é o maior importador mundial de alimentos. 1.4 bilhão de bocas para comer. Ou melhor, muito mais: para além da alimentação humana, há a animal. A soja é fundamental para ambas, com especial destaque na culinária chinesa. O milho, lá, serve mais à alimentação animal. Soja e milho constituem, combinados, a base da alimentação animal no mundo. Nesse mercado relevante, juntos, EUA + países do MERCOSUL – incluídos aí Brasil, Argentina e Paraguai (todos esses “casualmente” alinhados sob a direita americanófila) – controlam simplesmente 80% (!) das exportações mundiais de soja e de milho.
Pois adivinhem quem seria o principal comprador?
Que depende dessas importações para não cair numa convulsão social?
Sim, a China. No quadro geopolítico atual, a ameaça de uma grande fome na China constituiria uma considerável arma de dissuasão nas mãos dos EUA.
(mais sobre isso aqui)
Contudo, para tornar tal ameaça crível, os EUA precisariam controlar, também, a produção e a exportação agrícola do Brasil. E, por óbvio, os seus preços. Os EUA conseguiriam fazê-lo, como aludido acima, controlando o petróleo “para dentro”. Mas não apenas. Além disso, também controlam as quatro tradings globais, o oligopólio mundial que controla o comércio de commodities agrícolas. Dessas quatro, três têm sede nos EUA. E, portanto, estão sob a sua jurisdição – bem como das suas “sanções” visando à “segurança nacional” (sic). São elas: ADM, Cargill e Bunge. A quarta, a francesa Louis Dreyfus, está sob o controle de aliado (i.e., vassalo) europeu.
(mais sobre isso aqui)
A propósito, lembram-se da JBS, “brasileira”, a maior exportadora de proteína animal no mundo?
Pois é: na reorganização societária do grupo, a holding – “casualmente” – mudou-se para os… EUA! E, por óbvio, para a sua jurisdição (e sanções).
Depois disso, alguém aí ouviu falar de Joesley Batista preso?
De problemas dele na Justiça?
Seja na do Brasil, seja na dos EUA, onde mora em suntuosa cobertura de Manhattan?
(ficando também sob a jurisdição americana na pessoa física)
Pois é.
Esse é o jogo, minha gente.
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Ainda nesse contexto de sabotagem à agricultura brasileira:
– A renúncia ao status de “país em desenvolvimento” na OMC, exigida pelos EUA de Bolsonaro, não é gratuita: limitará subsídios. Adeus, financiamento do Banco do Brasil com taxas de juros abaixo das de mercado;
– A instrumentalização do sionismo cristão, evangélico, fornece o álibi (“embaixada em Jerusalém”) para destruir as exportações agrícolas para o Oriente Médio, descapitalizando o setor rural.
Para poderem instrumentalizar a carência da China por soja e milho, os EUA precisam deixar a agricultura brasileira com o freio de mão puxado. Lembremos que o “triângulo” Brasil é único no mundo: um território continental (terras) quase integralmente compreendido entre o equador e o Trópico de Capricórnio, o que significa abundância de pluviosidade (água) e insolação, sem corrente marinha fria em sua costa que gerasse regiões desérticas. Já dizia Pero Vaz de Caminha: “em se plantando tudo dá”.
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II. Da Antiga à “Nova Roma”: “divide et impera”
No programa Duplo Expresso da última terça-feira, Pepe Escobar falou uma vez mais do projeto americano de fazer um novo “Nixon vai à China”. Henry Kissinger, ciente da impossibilidade de os EUA encararem as forças combinadas de Rússia e China, teria recomendado ao governo americano que trate de colocar uma cunha para separá-los, trazendo a China para si e isolando os russos.
Ocorre que faltou combinar com os…
– … russos!
Sagazes, chineses e russos conhecem perfeitamente o plano de Kissinger. Da mesma forma, a China, que não é boba, sabe bem que, depois dos russos, seria inevitavelmente o alvo seguinte do Império. Portanto, o poder de atração desse “canto de sereia” dos EUA não consegue ser lá tão grande. Ao menos por ora.
E é exatamente aí que entra o Brasil: Rússia e Irã podem suprir, em abundância, a China de petróleo e derivados, no lugar do pré-sal. Mas nenhum dos dois pode, ainda, alimentar o 1.4 bilhão de bocas chinesas. I.e., 1.4 bi de bocas humanas…
Há, ainda, as animais!
Chineses e russos sabem perfeitamente bem ser esse o calcanhar de Aquiles da aliança estratégica que os une. E, por isso, sucedem-se os anúncios de cooperação entre ambos para fazer explodir o cultivo de soja em solo russo.
Milho lá não produzem, mas em compensação tornaram-se os maiores exportadores de trigo – tomando posição secular dos… EUA (!). Da mesma forma, são os maiores produtores de outra variedade, o “trigo forrageiro”, que pode substituir o milho no mix com a soja para a alimentação animal.
Ou seja, é apenas questão de tempo para o bloco sino-russo blindar-se da ameaça de “fome na China”. No entanto, esse tempo é estimado por especialistas em economia agrícola em, no mínimo, uma década.
Assim, esse é o horizonte de tempo de que dispõem os EUA para usar o Brasil como ameaça – crível – aos chineses. É o limite máximo de que gozam para lograrem sucesso na difícil tarefa de romper a aliança estratégica sino-russa.
É agora ou nunca. Simples assim.
Dessa perspectiva, fica claro por que não era possível aos EUA aguardarem 2018 para tirarem o PT do poder. O avanço da China no Brasil tinha de ser contido o quanto antes, ainda em 2016, para que não se tornasse – depois – irreversível.
Lembrem-se: o golpe foi no Pré-sal e na Petrobras; petróleo “para fora” e “para dentro”. Energia e alimento.
Em tempo: claramente, o alvo da ação no Brasil, para além do imediato, o Irã, é também a própria China, devidamente “avisada”.
É jogo de cachorro grande. O Brasil — “país”-continente que teria de criar sustento para 210 milhões de almas — tornou-se não mais que a “alavanca da fome”, do Deep State americano, mirando a Eurasia.
Bom, também alavanca da própria fome: 210 milhões de bocas, afinal…
E como chega…
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P.S.: o jornalista Pepe Escobar apresentou essa nossa análise a um público anglófono em “Brazilgate is Turning into Russiagate 2.0” (20/jun/2019).
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Atualização: resumo audiovisual no D.E.
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