Pense e dance, pense, pense e dance
Por Carlos Krebs*, para o Duplo Expresso:
Muitas pessoas (inclusive eu) apregoam a necessidade de buscarmos fontes alternativas de energia. Há necessidade que se diminua o impacto provocado no meio ambiente pelo consumo exponencial de eletroeletrônicos. E a tendência é de que a humanidade demande isso cada vez mais.
Aproveitando o fato da mídia corporativa e parte da mídia alternativa incitarem as pessoas a um posicionamento no padrão oito ou oitenta, e de estarmos em ano eleitoral, que tal imaginar o Brasil como uma imensa pilha? Com tanta polaridade alimentada durante os anos mais recentes, que tal pensarmos em uma forma de produção de energia que serviria tanto aos patos amarelos e seus protestos (de)coreografados, quanto aos patos vermelhos e suas micaretas (r)evolucionárias?
Hemisférios Cerebrais
Nossos cérebros tem dois hemisférios responsáveis por processar as informações distintamente. Enquanto o hemisfério esquerdo diz respeito às atividades racionais e analíticas, o da direita ocupa-se das atividades sensoriais e emocionais. Notem que não há polaridade entre eles, mas sim, uma necessária dualidade.
Se tivéssemos apenas o hemisfério esquerdo atuando e fôssemos colocados e frente a uma floresta, poderíamos entender que uma árvore é diferente da outra que é diferente da outra e da outra e assim por diante. Se tivéssemos apenas o hemisfério direito, veríamos essa floresta apenas como uma grande massa vegetal verde, sem a singular distinção entre as árvores…

Ninguém precisa possuir as genialidades de um Einstein (com seu domínio lógico) ou de um Dalí (com sua sensibilidade artística) para entender melhor a situação do Brasil, e sob quais condições estamos obrigados a viver. Nem só pensar, nem só dançar. Quem quiser se deixar levar pelas emoções, vai dançar – e não será por diversão. Quem evitar o raciocínio sobre o que estão oferecendo como contraponto político ao regime atual, também dançará. Os think tanks que atuam no país induzem ao pensamento linear e coordenam discussões que fazem que olhemos as árvores sendo cortadas uma a uma, sem que possamos entender o tamanho do “mato sem cachorro” que nos enfiaram…
Piezoeletricidade
O tema abordado esta semana, do ponto de vista técnico, não é nenhuma novidade. Trata-se da piezoeletricidade, que é a capacidade de alguns cristais gerarem tensão elétrica por resposta a uma pressão mecânica. A palavra “piezo” provém do grego piezein [pí-zín], que significa apertar/pressionar, ou seja, eletricidade gerada por pressão.
O efeito piezoelétrico (mecânico-elétrico) foi descoberto em 1880 pelos físicos e irmãos franceses Jacques e Pierre Curie (este último, ganhador do Nobel de Física em 1903 junto com sua esposa de nacionalidade polonesa, a físico-cientista Marie Curie), explorando as potencialidades do quartzo. O efeito piezoelétrico inverso foi deduzido matematicamente no ano seguinte pelo físico franco-luxemburguês Gabriel Lippmann, a partir da observação dos princípios fundamentais da termodinâmica [DE1].

Entretanto, essas descobertas permaneceram no mundo das curiosidades até o físico alemão Woldemar Voigt lançar o “Livro da Física do Cristal”, onde ele apresenta as estruturas cristalinas capazes de gerar uma corrente elétrica quando submetidas a uma determinada pressão mecânica.
Com isso temos a transformação mecânico-elétrico:
– Agulha de toca-discos;
– Microfone.
Ou a transformação elétrico-mecânico:
– Ultrassom;
– Alto-falantes.
Há dez anos a empresa Energy Floors, a partir de um conceito básico desenvolvido na University of Technology Delft (TU Delft), apresentou uma proposta interessante para melhor aproveitar o know-how dos DJs holandeses e o frenesi das pessoas dançando no ritmo alucinante das raves eletrônicas. Sob o slogan “pense global, dance local”, instalou uma pista de dança modular no clube noturno de dança WATT na cidade de Rotterdam (NED).

Concebido como um clube de dança sustentável, e apostando em um ecossistema ambientalmente amigável como diferencial de mercado na primeira década deste século, o projeto foi desenvolvido pelo Döll | Atelier voor Bauwkunst – em parceria com Kossmann.dejong, de Amsterdam (NED), para Brotherhood Holding (2007-2008). Segundo um exagero de descrição dos autores, a WATT tornava-se uma cidade em si, um prédio para passear. Cada ambiente tinha uma atmosfera específica, criados pelo uso de materiais e cores únicas, através da adaptação do um antigo Cine-Teatro Roxy (posteriormente rebatizado Arena) que sobrevivera à Segunda Grande Guerra. O elemento principal do design era a entrada monumental da rua que conectava as principais funções do edifício: a área de shows para 1400 pessoas, o salão de dança para 300 pessoas, o salão-teatro para 150 espectadores e o café-restaurante com 200 lugares.

O clube oferecia ambientes ao ar livre para que o público experimentasse a relação entre a cidade e a natureza. No terraço mais alto, o WATT coletava a água da chuva que era utilizada nos sanitários. No desenho da fachada havia uma grande parede de led que servia como elemento de comunicação dos aspectos sustentáveis do clube e dos critérios de respeito com o meio ambiente, além de uma parede lateral vegetada que apresentava-se como continuação vertical do parque adjacente.
Diferente das propaladas inteções do projeto, a operação do clube não teve uma vida tão sustentável quanto se imaginava. Em 2010, o WATT foi à falência devido à repetidas reclamações pela poluição sonora, uma grande dívida e uma relação pouco clara com o município, responsável (entre investimentos e subsídios) por €3,5 milhões injetados na operação.

Se o clube noturno não deu certo, a Energy Floors não tem do que reclamar. De acordo com números obtidos em seu website, a empresa tem atuado em diversos locais do mundo. Já “energizou” quase 300 eventos, tem 34 instalações permanentes, atingiu 12 milhões de pessoas e gerou 5,8 bilhões de joules (1611,1 kWh).

A energia E em kilowatt-hora (kWh) é igual à força P em watts (W), vezes o período de tempo t em horas (h), dividido por 1000:
E(kWh) = P(W) × t(h) / 1000
Então:
kilowatt-hour = watt × hora / 1000
ou
kWh = W × h / 1000
Imaginemos então as 80.000 pessoas que participaram do evento Festival Lula Livre no Rio de Janeiro. Digamos que cada pessoa pudesse dançar e cantar as músicas por duas horas, além de gritar slogans e pular ritmadamente por mais uma hora durante o tempo do evento.
Seguindo a fórmula, teríamos gerado algo como 80.000 x [(10W x 2 / 1000) + (20W x 1 /1000)], ou seja, 3.200kWh.
Artigo baseado em pesquisa no Conjunto Habitacional Jardim São Luís, em São Paulo, apontou um consumo de eletricidade de 47kWh/mês por morador, com ocupação média de 3,3 moradores por habitação. Assim, essa energia totalizada no evento poderia significar a demanda de mais de vinte meses para uma família de baixa renda.
Se for para discutir a inutilidade do discurso de liberadade sem ação política associada, eu prefiro investir então no tunt-tunt sustentável. Já tenho até um misto de garoto-propaganda, mentor com forte liderança e eficiente diretor de recursos humanos em mente. E você?

* Carlos Krebs é arquiteto, cinéfilo, explorador de sinapses, conector de pontinhos, e mais um que acredita que o Brasil ainda tem tudo para dar certo.
* * *
DE1 – “Termodinâmica” é o ramo da Física que estuda as leis regentes das relações entre calor, trabalho e energia. De uma forma mais específica, trata a transformação de um determinado tipo de energia em outro, ou da disponibilidade de energia para a realização de trabalho, ou ainda a direção das trocas de calor. No âmbito da física das construções, entender a direção do fluxo de calor significará compreender quando/quanto o ambiente interno ganha/perde de calor em relação ao meio externo. Sempre haverá uma busca pelo estado de equilíbrio entre as duas partes. Impedir ou facilitar essa condição poderá ampliar a sensação de conforto de um usuário ou morador, por exemplo.
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