Luiz Moreira: “Todo o sistema jurídico brasileiro foi montado para excluir o povo”

Da Redação do Duplo Expresso

O programa Duplo Expresso do dia 18 de abril de 2018 recebeu como convidado o jurista Luiz Moreira. Em uma entrevista que contou com a importante intervenção do nosso comentarista, o advogado Samuel Gomes, Moreira expôs as vísceras de um sistema judicial que sequestrou a política.

Confira a transcrição da íntegra e também assista trechos da entrevista nos dois vídeos a seguir.

Transcrição realizada pela colaboradora voluntária, a pedagoga e mestra em Educação, Maíra Valente.

“LIBERTAR LULA É EMANCIPAR O POVO DA DITADURA JUDICIAL”

Wellington Calasans: É um prazer ter aqui com a gente agora, Romulus, dois juristas. Um que é o nosso comentarista, o Samuel Gomes, que dispensa apresentação porque já é conhecido do público, mas de notável inteligência e conhecimento. E o outro é estreante aqui, no programa, e eu espero que seja a primeira de muitas outras participações. É um jurista que eu admiro muito, o Luiz Moreira, que já está aqui com a gente e eu passo a cumprimentá-lo. Bom dia, Luiz Moreira, bem-vindo ao Duplo Expresso.

Luiz Moreira: Bom dia, Wellington. Tudo bem?

Wellington Calasans: Tudo ótimo. Prazer tê-lo aqui, Luiz Moreira. Somos admiradores do seu trabalho e os seus recentes textos convergem para uma série de pensamentos que nós temos defendido aqui. Não só eu e o Romulus, como apresentadores, mas todos os convidados que têm vindo aqui e eu estou me referindo exatamente à judicialização do que seria uma luta política, não é? Nós estamos considerando que a luta jurídica, ela tem reforçado a importância de uma ditadura de toga. De certa forma, até dando legitimidade a uma série de ações da justiça que passam a ser debatidas quando a ação política deveria resgatar um princípio básico da constituição que é: “Todo poder emana do povo e por ele deverá ser exercido”. Então, no caso específico de Lula preso, temos aí um candidato que teve um crime forjado pela justiça para que fosse punido e assim, o povo tivesse a sua pretensão de eleger, de escolher o seu representante preterida, presa talvez junto com o próprio Lula. Como é que nós podemos reverter esse cenário, Luiz Moreira?

Luiz Moreira: Bem, a situação é muito difícil porque se montou, se estruturou, pelo menos após a constituição, um arcabouço jurídico, ao mesmo tempo, de criminalização da política. Então, o que é que nós tivemos? Repare o seguinte, Wellington, nós tivemos uma constituição, que foi obra da política. Então, obra daqueles que sobreviveram ao golpe militar. Imediatamente após a promulgação da constituição, as instituições jurídicas se apropriaram dessa constituição e a converteram em um documento jurídico, como se tivesse ocorrido tudo bem no Brasil e nós, simplesmente tivéssemos chegado àquela constituição, que é uma constituição prenhe de contradições porque fruto dessas demandas e controvérsias surgidas no seio de uma ditadura. Quando ela é promulgada, o que é que há? Imediatamente vão se estabelecendo institutos jurídicos, que mitigam, que relativizam o golpe e a política. O mesmo congresso constituinte que promulga a constituição é o congresso que passa a ser demonizado como se a política fosse uma esfera distinta daquela que constitui a sociedade civil, os tribunais e o ministério público. Então, o que é que houve? Uma criminalização da política e a permanente passagem do protagonismo da política, do congresso nacional e fundamentalmente, da sociedade civil para os tribunais. E o TSE, o Tribunal Superior Eleitoral e a justiça eleitoral como um todo, foi o laboratório do que hoje nós assistimos em Curitiba ou no Supremos Tribunal Federal que é a desvinculação da decisão à constituição ou à lei. Repare o seguinte, esse sistema constitucional brasileiro, ora em vigor, é um sistema que prestigia em cooperação com aquilo que se fez nas faculdades de direito, a vontade política do magistrado e do ministério público. Então, quando é que o juiz e o promotor são bons? Quando eles aplicam, quando eles substituem o que está escrito na lei ou na constituição pela sua própria vontade. O que é que isso resultou pelo TSE? Na concentração na justiça eleitoral, dos poderes executivo – repara que o TSE que organiza as eleições – do legislativo – também é a justiça eleitoral que normatiza, que baixa as leis, as normas que regularão as eleições. E são eles que julgam e aqui, um detalhe: no Brasil, diferentemente de outros países, o voto vale muito pouco. Por que é que vale muito pouco? Porque nós herdamos uma tradição antropológica pela qual a nossa sociedade, por ser feita de miscigenados, a expressão dessa vontade dos miscigenados, portanto dos caboclos, dos brancos, dos índios e negros que constituíram o Brasil, deve ser substituída por uma vontade aristocrática. Então, o que é que nós temos? Ora, se o nosso povo é o zé povinho pra essa concepção, se o nosso povo é fruto de uma miscigenação, de um cruzamento, pra usar um termo biológico, de um cruzamento que gerou um povo deturpado, um povo de corruptos, é necessário que a vontade desse povo corrupto seja substituída pela vontade dos juízes. Então, aí o que é que há? Há o encontro de duas tradições. Uma tradição antropológica, que entende que o Brasil é constituído por um povo pobre, fraco, frágil, corrupto, por assim dizer, e um arcabouço jurídico que não prestigia a soberania popular, mas a vontade dos juízes e a vontade do ministério público pra substituir a vontade do povo. Então, aqui o caldo está formado para que nós tenhamos um Estado submetido ao arbítrio judicial.

Wellington Calasans: Pois é. Estamos falando com o jurista Luiz Moreira. Você está assistindo ao programa Duplo Expresso, seu programa de comentários, entrevistas e reportagens sobre política. Daqui a pouco vamos ter também o Samuel Gomes, nosso comentarista de assuntos institucionais. Eu passo a palavra, agora para o Romulus, que está na Suíça. Romulus, por favor, sua vez de perguntar.

Romulus Maya: Professor Luiz Moreira, eu acho importantíssima essa sua introdução com essa análise sociológica, né, pode-se dizer, sobre sociologia jurídica, de como a gente chegou até aqui. E eu queria acrescentar e pedir a sua opinião, professor, que é algo que nós enfatizamos muito aqui no Duplo Expresso, que é a dimensão internacional do golpe que algumas vezes os analistas tendem a ignorar e pintar como se fosse apenas uma disputa paroquial, entre a velha direita e a velha esquerda no Brasil, quando a gente está num mundo diferente. Chegamos à beira da terceira guerra mundial. O que ocorre na Síria, está muito próximo do que ocorre no Brasil, é uma disputa entre os Estados Unidos para manter a sua hegemonia decadente e os atores em ascensão no mundo. E identificaram o Brasil como o elo mais fraco dessa aliança dos desafiantes. E aí eu queria relacionar isso à sua fala de abertura porque você muito bem apontou que o judiciário quer assumir esse papel de tutor da democracia, nas palavras do Barroso – que foi meu professor de constitucional, professor Luiz Moreira, acredite nisso – falando que tem que separar o joio do trigo. Eles decidem quem é o trigo e quem é o joio. Mas, o senhor falava aí, professor, dessa questão da mistura das raças, e do país dos degredados, mais do que isso, a gente está recebendo agora missionários estrangeiros, porque a gente vê esse pessoal indo estudar fora com os louros de olhos azuis, que… uma pátria que não tem corrupção, né, na versão Disney da história deles. O pessoal, que não conhece o século dezenove dos barões ladrões, dos robber barons, compraram isso aí de que eles vêm nos catequizar, nesse combate à corrupção que é, entre todas as aspas esse combate à corrupção, que na verdade se destina à tutela da política. Então, isso é verdade, os novos capitães do mato fazem parte do judiciário local e do ministério público, tentam eles instituir a juristocracia, chamada a juristocracia, mas com a inspiração, seja cultural por essa assimilação, essa catequese cultural indo estudar lá, seja pela cooptação mais grosseira com suborno, com chantagens em nível pessoal. A gente teve informação aí de até ministros do STF sendo chantageados com questões até da sua vida privada, é… todo o tipo de cooperação alimentando e manipulando. A gente inclusive soube, professor Luiz Moreira, que no leito de morte, um embaixador americano, lá na Itália na época das Mãos Limpas, há três anos atrás mais ou menos, ele confessou que eles manipularam naquela operação que é a inspiração da Lava Jato, falou que a CIA com a sua inteligência manipulou a todo momento os passos dos procuradores e dos juízes e isso vem se repetindo. Então, é mais do que o senhor fala. Não só essa casta jurídica quer tutelar, mas também ela quer ser o braço local de uma missão estrangeira que não tem nada de desinteressada. E eu queria ouvir as suas palavras sobre essa dimensão internacional desse projeto de juristocracia, no Brasil.

Luiz Moreira: Bem, Romulus, eu concordo. Bom dia, muito obrigado aí pela interlocução. Finda a segunda guerra mundial, concluída a segunda guerra mundial, os Estados Unidos desenvolveram um projeto. Qual era o projeto? Era subordinar os vencidos, através de uma onda de constitucionalização dos países. Então, onde é que isso aconteceu em primeiro lugar? Na Europa. Repare o seguinte: a Alemanha, a tão saudada Alemanha, a tão venerada Alemanha nas faculdades de direito, ela não tem constituição. O que é que a Alemanha tem? A Alemanha tem uma Lei Fundamental. E a diferença é muito importante, porque os alemães nesse caso são muito técnicos. O que é que eles fizeram? Se fosse feita uma assembleia constituinte, na Alemanha após o fim da segunda guerra mundial, a Alemanha teria eleito apenas nazistas, que era a única força política bem estruturada na Alemanha. E os norte-americanos sabiam disso. Então, o que é que eles fizeram? Eles outorgaram uma carta chamada Lei Fundamental, que afastou da deliberação política o povo alemão. E de lá pra cá, a Alemanha nunca teve uma assembleia constituinte pra legitimar a sua ordem jurídico-política. Então, o que é que houve? Os norte-americanos, após a segunda guerra mundial, inventaram uma história pela qual eles tutelariam o planeta, tutelariam os países que seriam, portanto, satélites desse sistema e foram criando ondas de constitucionalização. Repara que tanto a intervenção na Líbia, quanto na Síria obedecem a essa matiz de uma intervenção externa que se faz em países para tutelar os direitos humanos. Então, o que é que nós tivemos de lá pra cá? Um amplo processo internacional de submissão de países à influência norte-americana. Como é que isso ocorreu? Estabelecendo constituições que meio que introjetavam, internalizavam o sistema jurídico americano com o qual a política era substituída pelos tribunais, pelas supremas cortes. Então, houve a primeira onda de constitucionalização e ondas outras se seguiram sempre com o propósito de interditar a política e em seu lugar, estabelecer nesses marcos regionais, não os congressos nacionais e as políticas como as instâncias decisórias, mas os tribunais, notadamente, as supremas cortes. Esse processo é tão bem articulado, tão bem estruturado, que há inclusive um clube de tribunais constitucionais que se reúne – esse clube se reúne anualmente – para que esses juízes dos tribunais constitucionais possam arquitetar, possam dar unidade as suas respectivas intervenções nas áreas internas. Então, esse processo de criminalização e judicialização da política é um projeto internacional que surge após a segunda guerra mundial com o propósito de criar uma superestrutura planetária cujo propósito é substituir a deliberação da soberania popular pela vontade dos magistrados. Ou seja, não é possível que a intelectualidade brasileira, aquela que se propôs a fazer uma análise do sistema de dominação jurídico, passe ao largo da internacionalização do direito porque essa foi uma trama orquestrada com o propósito sempre de mitigar a política. Ou seja, os sistemas políticos são substituídos por uma estrutura burocrática facilmente manejável. Esse é, do ponto de vista jurídico, Romulus, o dado à característica jurídica que se vincula à geopolítica internacional.

Wellington Calasans: Muito boa essa resposta. Acho que até que vai merecer transcrição aqui, viu, Romulus, depois do programa, com certeza. Assim, tanto a introdução do Romulus para contextualizar, como…

Romulus Maya: Olha, Wellington, e ousada, tá? Eu nunca vi alguém com coragem pra falar… um jurista do quilate do professor Luiz Moreira com coragem pra fazer uma contraposição negativa ao processo de constitucionalização a partir da segunda guerra. Porque eles sempre acenam: “Ah, olha o horror do holocausto. Se deixar a política sozinha, olha no que dá”. É verdade. Então, por isso a gente tem as garantias fundamentais. Mas, isso foi pervertido pra, hoje um Barroso pegar o princípio da moralidade administrativa e fazer o que quer. Esse neoconstitucionalismo que prega essas cláusulas abertas da constituição, esses princípios e faz o que quer e ignora o texto legal, isso é uma perversão dessa finalidade ao original. Então, eu queria exaltar aqui a coragem do professor Luiz Moreira de criticar a deriva que houve nessa iniciativa lá de trás.

Wellington Calasans: É isso aí. Agora, vamos introduzir aqui no debate o nosso comentarista e também jurista, advogado que atua em Brasília, Paraná também, que é o Samuel Gomes. Muito bem-vindo aqui ao Duplo Expresso, Samuel, que é a sua casa, você sabe disso. Samuel, vou fazer uma pergunta a você que também vai servir para o nosso convidado, o professor Luiz Moreira, que é a seguinte: a política foi invadida pela justiça. Acuados, políticos de todas as legendas viraram reféns de ameaças e chantagens, como Romulus falou aí há pouco. Essa exclusão da política é a forma de excluir o povo das decisões e, ao mesmo tempo, dar um caráter de normalidade ao arbítrio, Samuel?

Samuel Gomes: Bem, bom dia. Uma alegria estar aqui novamente e saudar aí o Wellington, o Romulus e o nosso convidado, Luiz Moreira, a quem eu agradeço a deferência de estar conosco. Dizer aí, Wellington, que o Luiz Moreira, me permita aí rapidamente… essas ideias republicanas que o Luiz Moreira começa a dar conhecimento aí pra comunidade do Duplo Expresso, em breve, poderão se tornar mudanças constitucionais ilegais. Nós tivemos uma conversa produtiva, em Curitiba, o Luiz Moreira, eu e o senador Requião e o Luiz Moreira foi convidado por nós a nos auxiliar fazendo algumas propostas de mudanças constitucionais, legislativas para trazer o centro de gravidade da política novamente para o povo, porque eu acho que, talvez, mais interessante do que dizer, embora tenha um valor essa tua maneira de colocar a questão… mas talvez, ao invés de nós dissermos que a política foi invadida pela justiça, nós poderíamos pensar que o poder do povo é que foi, de certa maneira, fagocitado por uma tecnocracia judicial. Porque a justiça, a palavra justiça é uma palavra política. Na antiguidade, antes enfim da vinda da modernidade, sempre os reis eram juízes. Salomão era juiz, Samuel era juiz, os profetas eram juízes. Os juízes eram líderes políticos. Então, a justiça é um ato político. E com a modernidade, com a divisão dos poderes, houve uma especialização para tentar justamente naquele momento, depois da queda das monarquias e a vinda da sociedade industrial capitalista, estabelecer ali mecanismos que possibilitassem um equilíbrio aí. Mas a justiça é uma função política. Tanto é política que, mesmo nos Estados Unidos, há em algumas, nas instâncias inferiores, eleição de juízes. O árbitro, por exemplo, a arbitragem é um exercício da justiça e é feita por gente eleita. Então, a escolha dos ministros do STF não é feita por concurso. É feita com a participação do poder executivo, do poder legislativo e eventualmente, do poder judiciário, às vezes não quando é um membro do ministério público ou um membro da advocacia a… o início do processo de seleção vem de uma dessas corporações. Mas de qualquer maneira, o fato é que nós hoje… é que é o seguinte: o poder, a força, a dominação do dinheiro, ele encontra seus caminhos. Então, eu ouvia o Romulus dizer que essas aristocracias políticas regionais e etc estavam no Brasil enfim, essas oligarquias regionais e tal eram os meios de dominação dos interesses, primeiro dos interesses ingleses, depois dos interesses norte-americanos. Então, o poder do dinheiro, o poder da matéria, material, o poder circular, ele encontra seus meios. Então, não existe uma solução, digamos, abstrata e atemporal para o lugar da justiça, para o lugar do bem. Do Bem. Não existe. Agora, o fato é que como não há esse lugar atemporal, absoluto, ele tem que ter como princípio a soberania popular e a soberania popular é o critério da razão. Então, por exemplo, se milhões e milhões e milhões e milhões e milhões e milhões e milhões de pessoas dizem que um cidadão lhes fez bem, lhes fez O bem… ora quem sabe o bem é quem recebe, não quem dá, porque você pode fazer o bem para uma pessoa, achar que está fazendo o bem e a pessoa não achar e o critério é de quem recebe o bem. Se milhões de pessoas dizem que o cidadão Luís Inácio Lula da Silva lhes fez bem, lhes fez O bem, esse critério não pode ser substituído pela vontade de UM tecnocrata judicial que diz que não. Claro que eu estou caricaturando e estilizando, porque claro, você tem que ter as regras do jogo, você tem que ter as técnicas processuais, mas na base, está o respeito à soberania popular. Olha, o Chávez, que de bobo não tinha nem o jeito de andar, quando a revolução bolivariana assumiu o poder na Venezuela, ele fez uma mudança profunda institucional. Criou mais um poder, interviu no poder judiciário, criou um novo… O Moreira, que é um constitucionalista, poderá dar algum detalhe. Eu não sei se ele tem uma leitura do processo constitucional bolivariano. Mas, é isso aí. É preciso criar um sistema constitucional com a cara do Brasil. Digamos, respeitando, aí lembrando o Darcy Ribeiro falando de “socialismo moreno”, nós precisamos de um constitucionalismo moreno. Não um constitucionalismo de Cambridge, de Harvard, da Globo. Nós precisamos de um sistema… E agora, com o lombo também se aprende. Não quero fazer aqui a louvação do sofrimento. É fácil pra quem, digamos, está conseguindo sentar como eu aqui no sofá confortável, conversar com um companheiro na Suécia, outro na Suíça. Não é razoável valorizar o sofrimento alheio, porque eu estive ontem, vim meia noite pra casa… Eu estava ali no acampamento, aqui em Curitiba, onde um bando de malaco… esse termo coxinha, pra mim, num… sei lá, eu sou muito velho pra usar… Um bando de ser vergonha foram lá e bateram nos meninos do MST que estão hoje no acampamento confinados lá, num troço assim que parece aqueles troços lá daqueles refugiados da ONU lá de péssima qualidade. Aí tivemos que ir lá, chamar a polícia. Fui eu, foi outra pessoa, garantimos a segurança, fizemos a polícia militar ir lá. Aquela gente de pé firme. Quer dizer, então, não dá pra gente ficar dizendo que o sofrimento é bom. Mas eu quero dizer que com o lombo também se aprende. Eu penso que, seja quem for o próximo presidente da república do nosso campo, que eu acho que será o Lula, espero que seja o Lula, e acho que mesmo que seja o Lula… mesmo eu digo, porque o Lula é um conciliador (inaudível) é da natureza dele procurar acomodar divergências, dentro do que for possível… Mas, mesmo um governo Lula, que teve um Meireles, que não mexeu na estrutura da comunicação social, que não cobrou imposto dos ricos, que fez a carta aos brasileiros, que depois fez o acordo com o capital financeiro para não sofrer o impeachment… e eu não estou fazendo julgamento moral, na época do mensalão, mas sim, de julgar sua inteligência, sua capacidade de sobrevivência e a gente sabe que a capacidade de sobrevivência de um político é muito importante. A Dilma que o diga, que não teve qualquer capacidade de articulação e foi tirada como quem tira um “zé ninguém”. Então, o próximo governo terá que fazer mudanças na comunicação social, na estrutura do judiciário e no rentismo. Esses três aspectos da vida nacional terão, certamente, sistema financeiro. Então, agora é hora de ousadia. Então, com isso eu vou cumprindo essa minha participação inicial, dizendo que a vinda do Luiz Moreira e de outros companheiros constitucionalistas, que nós vamos trazer para este debate, com coragem, ousadia, criatividade, descompromisso com a inércia e inteligência técnica e estratégica é fundamental. A hora é a hora da proposição, da criatividade e as velhas fórmulas não servem pra esse momento em que o Brasil precisa se reinventar, depois desse debacle, dessa tormenta, desta terrível experiência que nós estamos vivendo em que aquilo que há de mais grotesco, primário, bárbaro, selvagem, antirrepublicano da sociedade brasileira se revelou. Pois, que se tenha revelado pra que a gente saiba que nós não queremos isso, que isso não é o Brasil, que isso não é o nosso projeto e que nós vamos criar aqui um espaço de paz, de prosperidade, de democracia, de pluralidade, de diversidade. E pra isso será necessário mudanças de raiz em todo esse edifício carcomido, apodrecido, que é hoje a estrutura dos poderes constitucionais do Brasil.

Wellington Calasans: Obrigado, Samuel. Agora, vamos ouvir o professor Luiz Moreira.

Romulus Maya: Wellington, só antes de ouvir o professor, um comentário. Eu gostei muito dessa frase do Samuel que diz que também se aprende com o lombo. Eu tenho uma amiga dileta, Maria Lucia Montes, que já participou aqui do programa, ela contava que ela tem uma conhecida lá da ciência política, uma professora também como ela, que dizia uma rima “Se não vai com Piaget, vai com Pinochet”. Piaget, Jean Piaget, é um pai da pedagogia do ensino de como passar o aprendizado de uma maneira leve, sutil pra criança. Ela falou “Olha, se não vai com Piaget, vai com Augusto Pinochet”. Então, assim realmente aprende-se com o lombo.

Wellington Calasans: Pois é. Professor Luiz Moreira, a mesma pergunta. Essa exclusão da política é a forma de excluir o povo das decisões e, a o mesmo tempo, dar um caráter de normalidade ao arbítrio?

Luiz Moreira: Todo o sistema jurídico brasileiro foi montado para excluir o povo. Nós temos uma estrutura altamente burocratizada que substituiu, mitigou, relativizou o voto para estabelecer o reino da vontade dos magistrados, o reino do arbítrio. Agora, Wellington, o que a gente precisa discutir, e o Samuel levanta uma questão muito importante, que é a candidatura Lula. O Lula não é candidato a presidente da república. Por que é que não é candidato a presidente da república? Porque o petismo jurídico elaborou uma lei, a lei da Ficha Limpa, que transforma Lula em inelegível. Então, é preciso que nós analisemos quais são as perspectivas. Uma o Samuel levanta com muita clareza, com muita perspicácia, que são os desafios políticos que se nos apresentam. Outra, quais foram as armadilhas que o direito brasileiro constituiu, nos últimos doze, quinze anos, e que resultaram na prisão do presidente Lula. Então, o que é que nós temos? Samuel disse muito bem, milhões de brasileiros reconhecem em Lula aquele cuja política pública lhes trouxe o bem, que melhorou efetivamente suas vidas, lhes tirou da miséria os introduzindo na modernidade, isso eu estou de acordo, radicalmente de acordo, mas há uma nota: o presidente Lula não está preso por acaso. Ele está preso, porque o Brasil assistiu, pelo menos desde os últimos vinte anos, a elevação de uma concepção bárbara punitivista, tanto da política, quanto da sociedade civil. E esse punitivismo assume ares em dois setores, fundamentalmente ao menos, além do penal. Na seara dos gestores, da gestão pública, em que hoje… repara que o Brasil é um país em que há muito por fazer. Para que ele deixe de ser colônia, uma colônia agrícola, é preciso que ele tenha o Estado como fomentador das políticas públicas. Portanto, o gestor público é um elemento fundamental de desenvolvimento. Então, o Brasil, repara Samuel, não é um país de engenheiros, o Brasil é um país de juristas. Por que que o Brasil é um país de juristas? Porque entre nós há a preponderância, aqui o que vale não é a tecnologia, mas o cartório. Então, essas obras que seriam a tarefa do Estado elaborar, elas foram interditadas. Como? Por um sistema jurídico administrativo que impede que o gestor dê execução àquilo que a sociedade brasileira necessita. Pra quê? Pra submeter a gestão ao controle, como uma boa colônia. E na seara punitivista, em eleitoral. Então, o que é que você fez? O que é que foi feito, no Brasil? Repara que a lei da Ficha Limpa, ela tem dois grandes promotores, nesse campo de esquerda: o ex-ministro Zé Eduardo Cardozo, que foi relator da Ficha Limpa, na câmara dos deputados, e o ex-ministro Aloísio Mercadante que, inclusive, tinha proposto no senado, ele apresenta um projeto de lei no senado da república pra estender os efeitos da Ficha Limpa, não apenas para a política, mas para toda a administração pública. Então, o que é que nós temos? O presidente Lula, embora reúna toda legitimidade política e seja vítima de uma injustiça, ele sequer será registrado em agosto. Por que? Porque, ele é inelegível conforme a lei da Ficha Limpa, que é uma iniciativa de dois dos próceres do governo Dilma Rousseff. Então, nós precisamos entender qual a foi a armadilha jurídica que se estabeleceu, porque, digamos que agora o Supremo Tribunal Federal até setembro mais ou menos liberte o presidente Lula do seu cárcere injusto, ele não será candidato. E ele não será candidato por que? Porque, o próprio petismo jurídico estabeleceu esse impedimento, como se impedir Lula fosse, aqui tanto um desejo, Romulus, das categorias políticas, das classes políticas mais conservadoras, quanto de um espectro de seu próprio partido. Então, a lei da Ficha Limpa impede a candidatura Lula. Do ponto de vista jurídico é isso que nós temos e eu não tenho nenhuma ilusão que o Tribunal Superior Eleitoral não permitirá a candidatura de Lula, por quê? Porque, ninguém decretará, agora, a inconstitucionalidade da lei da Ficha Limpa que, repara, utiliza a mesma terminologia, a mesma ideia matriz da Lava Jato. A Lava Jato pretende o quê? Limpar, assim como a lei da Ficha Limpa. Então, há aqui uma concepção de interdição da sociedade civil que se complementa, Samuel. Ou seja, se nós entendemos que se trata de um grande projeto da direita brasileira, da estrutura conservadora brasileira de interditar o Lula, essa interdição, no campo da política, teve um complemento, no campo jurídico, com a promulgação da lei da Ficha Limpa. Eu chamo um detalhe aqui pra encerrar. Em um dos debates, entre os então candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff, ainda na disputa presidencial para o segundo turno, a candidata Dilma Rousseff saúda e comunica a sua audiência do debate que ela tinha, entre os seus coordenadores de campanha, um dos relatores da lei da Ficha Limpa. Vocês sabem quem foram os dois relatores da Ficha Limpa na câmara dos deputados? Foram dois relatores de plenário. Um, o deputado Indio da Costa do DEM do Rio de Janeiro, o outro, o deputado José Eduardo Cardozo do PT de São Paulo. Então, foi essa concepção que interditará a candidatura do presidente Lula, ainda que ele seja libertado da república da masmorra da Lava Jato.

Romulus Maya: Muito bem, professor Luiz Moreira. Eu queria saudar, antes de te fazer uma pergunta, eu queria saudar mais uma vez a sua altivez, é… em linha com o que a gente costuma fazer aqui, no programa, que é dar nome aos bois. Isso causa alguma hostilidade de uma tropa de choque muita ativa do Zé Eduardo Cardozo, que nós vimos criticando aqui, com mais afinco ainda, depois do que se passou em São Bernardo. Mas aqui não posso deixar de saudar a iniciativa do senhor de também ir pra chuva pra se molhar, falando de um momento tão grave do Brasil. É, eu também não compartilho, não nutro ilusões, como o senhor, de que o TSE vá facilitar pra gente. Então, aqui no Duplo Expresso, a gente tem defendido, já desde o início, que a única cartada que o presidente Lula pode jogar pra se cacifar, como interlocutor do golpe, e chegar a um acordo, que seja possível, é a cartada do impasse institucional. E nós tivemos diversas oportunidades, a mais recente lá em São Bernardo. Se ele tivesse esticado, né, a corda um pouco mais até o domingo, até a quarta-feira, quando haveria o julgamento das ADCs… se ele chamasse o blefe… porque aqui a gente faz uma metáfora, dizendo que essas decisões judiciais arbitrárias, saindo do lastro constitucional e da competência dos juízes, elas funcionam meio como vodu, que o pessoal fala que o vodu só funciona, e funciona, pra quem acredita. Se a pessoa acredita, ele vai funcionar lá quando a pessoa der o furinho no boneco. E a gente lembra sempre, do exemplo daquela liminar monocrática do Marco Aurélio Mello afastando o presidente do poder judiciário, então era o senador Renan Calheiros, no final de 2016. E o Renan Calheiros, exímio articulador político que é, chamou toda a classe política e fez eles perceberem: “Olha, isso não é um ataque a minha pessoa. É um ataque ao poder legislativo e, mais do que isso, à política. A gente tem que responder de forma conjunta”. Então, ele chamou todas as forças políticas, toda a mesa do senado, assinou um documento, respaldando e falando: “Não, nós vamos peitar”. E aí, Renan Calheiros, pra mostrar ainda altivez, fez a questão de, quando mandou lá um oficialeco – ele chamou de juizeco, mas dessa vez mandaram um oficialeco de justiça – notificá-lo da liminar, ele não abriu a porta de casa, como se lá não estivesse, mas não tomou sequer o cuidado de se esconder. Aí, veio a imprensa filmando por cima e falou: “Olha, ele está em casa”. Aí, ele falou: “É isso mesmo. Aqui, vocês não se criam”. E quando voltou o julgamento da liminar no pleno, todos os juízes botaram a viola no saco. Marco Aurélio, que então estava um pouco tresloucado, agora parece que voltou ao juízo, mas em 2016 estava marchando junto com esse pessoal da juristocracia, o Marco Aurélio Mello perdeu lá de, sei lá, sete a um, oito a um. Quem estava lá votou contra ele. Então, o poder político tem que peitar. Então, a gente vê na questão do presidente Lula que ali mais uma vez ele foi ludibriado por esse petismo judiciário como você chamou em um artigo excelente. Mas, a gente pensa que, agora que ficou claro ali em São Bernardo a sabotagem e quem é o grão-mestre da sabotagem, da traição ali dentro dessas células dentro do PT, a gente entende que está muito clara a disputa interna no partido. Isso pode fortalecer ou ajudar o lado que está fiel ao presidente Lula, como a senadora Gleisi Hoffman, o senador Lindbergh Farias, o governador do Piauí Wellington Dias e outros até fora do partido, como Guilherme Boulos, as centrais sindicais, os movimentos que querem resistir e levar a candidatura de Lula até o fim, ameaçando com o impasse institucional, seja mantendo a candidatura – não sendo registrada e aí levando ao boicote e eu não acho que esse é o desfecho mais recomendado – ou, seja o presidente Lula falando “Ah é? Vocês não me querem como candidato? Então, eu vou indicar o João Pedro Stédile, vou indicar o professor Luiz Moreira”. Pegar alguém que dê mais medo ainda nessa gente e falar: “Ou vocês me cacifam como interlocutor pra gente sair pra uma saída consensual, negociada, me tira aqui da cadeia e a gente vai conversar pra consertar essa porcaria que vocês fizeram com o país, ou… então, ou sou eu, o razoável que já governei e vocês conhecem…”, um conciliador por natureza, como você colocou, professor Luiz Moreira, ou o caos. A gente vê que eles tinham várias balas no tambor do impasse institucional. A mais recente a de lá em São Bernardo. Os tiros foram na água. E eu vejo essa como a última bala no tambor do presidente Lula pra salvar a si e, por tabela, ao Brasil, a soberania brasileira e o povo brasileiro. Eu queria entender se você vê outra saída pro ano de 2018, não pensando na história daqui a dez, vinte anos, mas agora, nessa luta, que não seja a última bala que possa levar a um impasse institucional, tendo recacifando o presidente Lula como interlocutor incontornável do golpe pra saída do país

Luiz Moreira: Bem, Romulus, esse impasse político, de fato, seria a última oportunidade de uma, pelo menos nesse período agora, mudança de perspectiva do judiciário. O judiciário não tem dado nenhuma mostra de estar aberto ao debate, aberto a chegar a um consenso sobre os rumos do Brasil. O que o judiciário e o ministério público estão fazendo é passando por cima das expectativas populares. Como disse o Samuel, meu amigo Samuel, embora o Lula reúna legitimidade suficiente para promover qualquer alteração política, no marco legal e constitucional brasileiro, a situação dele é hoje muito sofrida. Repara que o presidente Lula está confinado. Confinado. Nem as honras de um ex-presidente da república estão sendo feitas em Curitiba. Ele está detido, em uma sala com algum conforto, é certo – se é que se pode dizer que, em uma gaiola de ouro, ainda que ela fosse de ouro, há conforto – e ele não tem sequer a oportunidade de receber visitas. Então, as questões de um chefe de estado de governo, no Brasil, não têm nenhuma relevância para o judiciário e para o ministério público. Então, o que é que eu acho que se deve… concordo com você, Romulus, quando se diz que a única expectativa de o Brasil pela política chegar a uma solução desse impasse seria, de fato, esse sistema ser posto em cheque. Ocorre que o golpe não aconteceu da noite pro dia. Foram sendo promulgadas diversas iniciativas legais que contaram com o protagonismo desse petismo jurídico justamente para mitigar, para relativizar, para impossibilitar qualquer reação política. Eu dito dois exemplos: a promulgação da lei que criminaliza os movimentos sociais, as ORCRIMs, as Organizações Criminosas. As organizações criminosas, essa conceituação pode, perfeitamente, enquadrar quaisquer movimentos sociais, que ousem se contrapor a esse consenso hoje fático reinante no Brasil. Então, o que é que você faz? Quem for divergente eu criminalizo. E mais, como é que você financia esse impasse pelos movimentos sociais? Ocorre que os sindicatos estão muito fragilizados. Samuel sabe da dificuldade que é remunerar ou subsidiar o acampamento, em Curitiba. Por que? Porque, simplesmente, não há dinheiro. Não tem nenhuma instituição, no Brasil, que possa sequer financiar movimentos de massa. Então, qual é a minha expectativa? É certo que o presidente Lula é injustiçado, é certo que o presidente Lula é um homem que conta com a solidariedade de milhões de brasileiros… não é por acaso que Vox Populi diz que ele se elegeria hoje, no primeiro turno, com 51% das intenções de voto. Mas aqui nós estamos no mundo da política. O judiciário não tem dado nenhum sinal de que está aberto a essa lógica, a lógica que produz consensos. O que o judiciário está fazendo e o ministério público… repare o seguinte, a Lava Jato, através do ministério público federal e do juiz lá de Curitiba, eles só existem, porque contaram com o beneplácito e, mais que o beneplácito, com o estímulo da Procuradoria Geral da República por intermédio do subprocurador Rodrigo Janot e do Supremo Tribunal Federal, sobretudo do ministro Teori Zavascki. Então, foi essa união de forças do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República, utilizando-se das normativas das leis promulgadas, que finalmente prenderam o maior líder político brasileiro, o único líder popular brasileiro. Então, o que é que você tem preso, em Curitiba? O que nós temos preso, em Curitiba, é o homem comum, que não teve formação clássica, portanto não frequentou as escolas e universidades, ou seja, um retrato do povo brasileiro. Alguém que, pelo esforço e pelo trabalho diário e noturno, se transforma em líder popular, funda uma central sindical, a CUT, funda um partido, elege-se presidente da república e é, justamente esse homem que está confinado, em Curitiba, e que sequer tem direito a receber visitas. Então, a situação do presidente Lula e a situação do cenário jurídico político brasileiro não é uma situação de consenso em que o judiciário abre diálogos. Você citou, Romulus, o senador Renan Calheiros. O senador Renan Calheiros é um dos maiores senadores da república, junto com, por exemplo, o senador Requião, a senadora Gleisi, o senador Lindbergh. Quem mais? Quem é que tem visão, no senado, pra entender que o Brasil está num impasse, porque o congresso nacional é incapaz de propor uma saída? Por que é que o congresso nacional não propõe uma emenda à constituição, por exemplo, que conferiria ao presidente da república o cargo de senador vitalício, Samuel, como existe na Itália? A questão é a seguinte: o judiciário e o ministério públicos são aliados, têm o beneplácito do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República e eles estão impondo uma agenda e essa agenda não há contra ela nenhuma oposição do aparato institucional brasileiro, nem a câmara dos deputados. A câmara dos deputados hoje, virou uma câmara dos vereadores de cidade do interior do Brasil, não tem nenhuma relevância hoje. O senado federal ainda tem alguma relevância e, dentre aqueles oitenta e um senadores, apenas alguns deles têm a capacidade… primeiro, capacidade de elaborar uma saída, segundo, vontade política. Não há. Repara que, quando os senadores foram presos, o congresso nacional entrou em férias, como se pudesse entrar em férias. Então, essas discussões são relevantes, por quê? Porque, nós precisamos entender o tamanho do buraco que nos meteram e não é, e eu insisto aqui, e não é correto, pelo menos na minha visão, afirmar que o estado atual de cárcere e de restrição de direitos, eliminação da dignidade do presidente Lula seja fruto apenas da direita brasileira, da elite brasileira. Não é. Essa elite brasileira contou com uma colaboração institucional, tanto do ex-procurador geral da república, o Rodrigo Janot, que era um homem, a parte que mantinha intensa relação com o petismo jurídico, com o Zé Eduardo Cardoso, que contou com o beneplácito dos ministros do Supremo Tribunal Federal, indicados pelo PT: Luiz Roberto Barroso, Teori Zavascki, Carmém Lúcia, Rosa Weber. Ou seja, se nós examinarmos o Habeas Corpus do presidente Lula, em duas instâncias, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal… No Superior Tribunal de Justiça, o placar foi cinco a zero. Quatro dos ministros do STJ foram indicados pelo PT. No Supremo Tribunal Federal, seis a cinco. Mas, no Habeas Corpus do Palocci, foi sete a quatro. Desses sete a quatro quantos foram os votos que não foram petistas, indicados pelo PT? O ministro Barroso chega a dizer, sem ser contraditado, que os governos do PT institucionalizaram a corrupção. Ora, governos corruptos é de se concluir que todos os seus atos são corruptos. Portanto, quais foram os atos que resultaram nas nomeações de suas excelências? Como é que um governo, intrinsicamente corrupto, segundo a concepção do ministro Barroso, indica não corruptos para o Supremo Tribunal Federal? Então, essa concepção precisa ser explicada. Precisa ser explicada. Em que medida os governos de esquerda e o PT produziram o veneno que levou a prisão do presidente Lula. Então, é isso que nós temos que discutir: qual é o alcance daquilo que foi produzido juridicamente pelo PT. Isso precisa ser discutido

Wellington Calasans: Ok. É… Vou, agora, falar com o Samuel, depois dessa resposta, dessa explicação, dessa aula do professor Luiz Moreira aqui…

Romulus Maya: Wellington, Wellington, eu vou secundar o seu pedido. Nós queremos o Luiz Moreira aqui tanto quanto possível. Essas aulas… Eu estou aqui maravilhado, me sentindo de volta aos bancos da faculdade de direito

Wellington Calasans: Pois é. Ô, Samuel, isso é um papel seu, tá bom, Samuel? Você, que é bom camarada, vai trazer o professor Luiz Moreira aqui outras vezes, tá bom? Mas, eu quero perguntar, Samuel, a você… Você é uma pessoa, também que acredita na política. Não estou negando isso ao professor Luiz Moreira, muito pelo contrário. A acusação dele em relação ao petismo judiciário é uma prova disso, não é? Agora, temos aí o Lula condenado sem crime, temos um povo que quer votar em Lula, temos aí um elemento, que eu nunca havia pensado, né, que, se o PT institucionalizou a corrupção, nas palavras de um juiz nomeado pelo PT, logo ele [o juiz] é corrupto… Então, temos elementos aí. O povo não vai entrar? O povo não pode entrar? O povo está proibido de entrar nisso? Não tem jeito mesmo? Lula está jogado aos leões e acabou a história? É carta fora do baralho, porque assim quis a justiça que não é justa, Samuel?

Samuel Gomes: Olha, eu não quero recomendar um artigo meu, porque parece que… Mas, como o artigo não é meu, é… particularmente, o both writer do artigo aí é o Luiz Moreira, eu queria recomendar. Um dia desses eu escrevi, vocês publicaram aí, com o título “Carta a um amigo petista”. Esse artigo, ele é um artigo escrito a quatro mãos, Moreira e eu, porque a partir de um artigo escrito pelo Romulus que sempre cria confusão e, depois, a gente tem que ficar escrevendo pra desenvolver as confusões, boas confusões que ele arma. Ele escreveu um artigo dando-lhe um cacete nesse troço lá de São Bernardo, dos caras… o Lula se entregar pro carcereiro, sair do teatro de operações, que é o teatro do povo, do impasse, da luta, do conflito, de fazer com que o preço a pagar, como disse bem essa ideia do blefe… é… o truco. A política é feita de truco, de jogo. É só ler o Sun Tzu. É quando se estar perto, diz Sun Tzu, você tem que parecer que está longe. Quando se estar longe, você tem que parecer que está perto. Quando se estar forte, você faz parecer que está fraco. Quando se estar fraco, você parece que está forte. A política é o jogo da dissimulação, do jogo. Então, aquilo de tirar o Lula dos braços do povo… a foto ficou linda, mas entregou pro carcereiro. O Moro estava tendo diarreia todo dia, todo momento, porque aquilo era um impasse e, se ficasse até quarta-feira, não tenho dúvida que o Supremo ia ter que julgar, também, tomando remedinho para conter a prisão de ventre. Foi bem… Mas, não vamos ficar nisso, mas só pra dizer, por exemplo, eu vou falar… o Requião, que saiu, foi pra lá, o Requião ia ficar até quarta-feira, quando os advogados… e o Requião participou e deu-lhe um esporro em todos eles e ficou puto e foi para o hotel. Quando eles convenceram… que o Lula ia sair, o Requião, ele falou comigo à noite “Eu tô indo embora pra Curitiba. O que é que eu vou ficar fazendo aqui? O Lula vai se entregar”. E, veja, e o Requião não é o Boulos, com todo o respeito ao Boulos. Não é um jovem, não é um militante de base. O Requião tem história, mas… como Renan Calheiros tem. Que sabem como a política é jogada

Romulus Maya: Ô, Samuel, que foi professor de direito constitucional o Requião

Samuel Gomes: É… E outra, três vezes governador, duas vezes senador, presidente da EUROLAT, conhece o mundo, é respeitado, conversou com todos os líderes mundiais, sabe como é que se faz política, nasceu pra isso. Então, aquilo… o que aconteceu? Foi uma rendição da política a um esquema. Como nós temos pouco tempo, eu não vou desenvolver. Eu sugiro o artigo, não por ter sido eu que escrevi, até porque ele é um artigo um pouco do Romulus, é bastante do Luiz Moreira, que foi ali quem foi passando as informações e eu desenvolvi num histórico. Isso tudo começou lá com Márcio Thomaz Bastos e teve… Mas antes do Márcio Thomaz Bastos, depois o Tarso Genro, do Zé Eduardo Cardoso, dos PGRs desse período, do Gilson Dipp, no STJ, fazendo a articulação dos “meninos do Dipp”, que eram… O Moro era um deles. Quem é que escreveu os votos da Rosa Weber que cujo único mérito, assim conhecido, é ser jogadora de baralho até de madrugada com a Dilma lá no Rio Grande do Sul? Quem fazia os votos? Era o Moro. Os “meninos do Dipp”. Por que que, em 2007, lá nos Estados Unidos estavam o Dipp e o Moro, o Building Bridges, o construindo pontes, projeto do departamento do estado norte-americano? Quem é que está nisso? Então, esse ovo de serpente foi chocado, dentro do PT, por essa idiotice, mas fruto… acho que mais importante do que, digamos, fazer um registro indignado e pontual e factual e cronológico, é pensar o seguinte: o PT nasceu negando a política também. Esse udenismo congênito do PT, lá do comecinho, de que político é tu… o próprio Lula dizia: “Político, corrupção” e tal, que é tudo bem. Realmente, tem corrupção, mas há um udenismo congênito no PT, que foi se construindo, negando a política e permitiu, eu lembro bem, eu fui um dos fundadores do PT, no Paraná, em Foz do Iguaçu, fui candidato do PT, prefeito, é… presidente do partido, etc, eu lembro daquilo. É, por exemplo, outra coisa, o ministério público. O ministério público era, naquele momento, a válvula de escape contra os prefeitos. Então, o PT, que era pequenininho, ia para um promotor de justiça… tudo isso é um aprendizado, não é a gente achar que foi uma idiotice. Na época, era o que é possível. Mas, isso tudo está nos ensinando. Eu queria assim concluir e não deixar de dizer duas coisas. Eu estive ontem na Polícia Federal. Eu consegui aqui, como advogado, viabilizar a ida dos senadores a visitar o presidente Lula. Tivemos que fazer várias operações, inclusive, de troca de membros da Comissão de Direitos Humanos do senado, porque eram doze ou quatorze senadores, a juíza disse que só poderiam entrar os que eram membros da Comissão. Então, como Jorge Vianna não veio, outros não vieram, mas a Lídice estava aqui, Humberto Costa estava aqui, o Pimentel estava aqui, nós fizemos, através dos líderes do senado, com a chancela da mesa e tudo, substituições de última hora ad hoc. Eles foram integrados à Comissão de Direitos Humanos ontem, minutos antes, pra poder entrar pra ver o presidente Lula. E eu, inclusive, era um dos membros da Comissão. Entrei, cheguei a entrar na sede da polícia federal, aí um delegadozinho lá, superintendente substituto, resolveu interpretar a decisão da juíza que tava meu nome e não me permitiu entrar na…. enfim, na carceragem e, depois, na parte de cima, que há uma parte de baixo onde estão os demais presos, Palocci, Duque, essa turma, e está lá na parte de cima, o presidente Lula. Mas eu quero dizer, embora não seja novidade, vocês devem ter visto os depoimentos dos senadores, o presidente Lula está sereno, está firme. Quando os companheiros senadores entraram na cela, ele disse: “Olha, não quero choro. Aqui, não é lugar de chorar”. Já deu uma primeira arrumada ali pra não ficar um negócio emotivo, etc, embora lá ele chegou muito emotivo. É, estimulou, incentivou, deu firmeza, mostrou que não tem esperança, ou melhor, que não tem ilusão, isso todos os senadores, depois nós conversamos, “olha, ele mostrou que não tem ilusão, mas tem esperança, mantém a firmeza e a esperança”. Ele quer que a mobilização continue. Agradeceu a todos. Pediu para que… que, enfim, eu não vou dar detalhes da estratégia que ele passou, mas está firme, está sereno e se revelou um líder. As pessoas saíram de lá tocadas, os senadores estimulados a seguir lutando. Agora…

Romulus Maya: Samuel, uma pergunta brevíssima. O homem quer ser candidato ou ele desistiu?

Samuel Gomes: Não. Ele, ele passou nenhuma ideia qualquer de que não seja. A luta é essa mesmo. Ele quer voltar para governar o Brasil. Agora, não há dúvida nenhuma de que não vamos ficar lambendo parados aquela ferida de São Bernardo. Vamos lamber a ferida na marcha, mas é no impasse. É no impasse. É atitude como a ocupação do tríplex, é a ocupação da fazenda do… lá do…

Romulus Maya: Do Rufião

Samuel Gomes: … do dono do puteiro lá. É ocupação. São atos simbólicos, é protesto em frente da globo, é ir pros símbolos disso tudo… É radicalização democrática que pode chegar a criar uma situação de negociação. O sistema tem que ter um preço para pagar. Realmente, o sistema tem que ter um preço para pagar e esse preço não pode ser acordadas, submissão a essa triste tecnocracia jurídica, que quer paralisar o processo histórico, aprisionar o futuro do Brasil. O projeto nacional brasileiro pertence à humanidade. O Brasil é o único país do mundo que ainda tem terras férteis a ser ocupadas. A China é um concentrado de pessoas num quadrilátero, o resto é um território de ninguém. A Índia não tem mais terras férteis. O único país do mundo que tem terras férteis a ser ocupadas, isso sem falar na ocupação… isso sem falar na ocupação, na recuperação de terras de pastos, terras degradadas. O Brasil tem que ocupar o seu interior, tem que construir ferrovias, tem água, tem condições de ser um esteio de uma humanidade com paz, com prosperidade. Este projeto não pode ser aprisionado por quatro, cinco idiotas togados. Nós temos que levantar o Brasil e nesse momento a nossa alavanca se chama Luís Inácio Lula da Silva. Não tenho dúvida nenhuma disso. o Requião também não tem

Wellington Calasans: Muito obrigado, Samuel. Obrigado mesmo e eu quero agradecer também ao professor Luiz Moreira, porque eu considero, assim… Somos gratos a todos os convidados e comentaristas aqui do Duplo Expresso

Samuel Gomes: Romulus, Wellington, me permita aqui, rapidamente. Olha, o Luiz Moreira está devidamente libertado da minha jurisdição, tá? Então, ele virá aí, sempre e quando vocês quiserem. Vocês podem autarquizar o Luiz Moreira e ele vem, quando quiser. Vocês criam aí um programa, um dia, um bloco, etc e tal. Eu só tive a grata satisfação de trazê-lo ao contato de toda essa comunidade guerreira aí. Aliás, deixa eu te dizer. Eu estou no acampamento, vem alguém “Você é o Samuel” – “Sou” – “Ah, eu sou da…do Duplo Expresso, te acompanho por lá”. Quando eu ando, estou quase ficando famoso aqui, nas bases radicalizadas da democracia brasileira, viu? Tem gente por todo lado. Então, Luiz Moreira, claro, que quando quiser, volta aqui na quarta-feira. Mas, se vocês quiserem combinar com ele, ele é grande demais para ficar sob a minha micro jurisdição

Romulus Maya: Olha, Samuel, aí vai ser o momento cabotinismo. Depois que você falou essa aí que o Samuel da Ferrovia está sendo conhecido também como o Samuel do Duplo Expresso, recebi um relato aqui de um quadro, membro fundador do PT lá do Rio Grande Sul, falando que, no bairro dele, um bairro popular, tinha uma série de aposentados já com seus cabelos brancos discutindo, a maioria ali com aquela coisa da Globo, dizendo: “ai, olha ai, a gente tá nessa situação trágica, por causa do Lula e da Dilma”. E aí, surgiu uma voz dissonante, falando “Não, mas peraí. Já tiraram eles há dois anos. O outro tá preso, a outra, né, processada. Como assim você tá dizendo que o que tá acontecendo ainda é culpa deles?”. E aí ele falou aqui, ó, ((risos)) que o cara chegou e falou assim, o xeque mate dele, “Olha, parem de assistir essas m* dos jornais que só mentem. O meu neto me mostrou, lá naquela coisa em que ele escreve – que seria um PC, um computador. Tem um jornal todos os dias, às seis da manhã, um tal de Expresso, Duplo… é uma coisa assim. Têm dois apresentadores e um monte de comentarista, gente letrada. Tem até um cara aqui de Porto Alegre, que é arquiteto”. Olha aí, Carlos Krebs. Mas, ele não é de Porto Alegre, não. Ele é de outra cidade. Qual é a cidade, Wellington? Depois, você fala aí. “Ao invés de ficar uivando mentiras, vão assistir esses guris. Se não sabe mexer naquela coisa, pede pro neto, né, que eles já nascem sabendo”. Então, assim, realmente assim, a internet é mágica, né? Você nunca sabe onde vai chegar. E, com certeza, Luiz Moreira, se quiser, vira comentarista fixo todo dia aqui, porque, olha, o pessoal está, realmente, como Wellington falou, exultante nos comentários. Eu aqui fiquei babando, me lembrei dos tempos da universidade, mas com lembrança melhor, que, como eu falei, meu professor de constitucional por dois anos, de teoria geral do estado foi o Barroso, na pós-graduação também. Uma grande decepção. Mas, ouvir o professor Luiz Moreira, nossa, me fez ter saudade do que tinha de bom na faculdade de direito da UERJ

Wellington Calasans: Bom, professor Luiz Moreira, eu quero dizer, aqui, em nome da equipe do Duplo Expresso que estamos muito felizes e agradecemos ao Samuel, porque o Samuel é que tem trazido para dividir com ele o espaço do debate, é o modelo que ele propôs para o Duplo Expresso e que nós acatamos com muita alegria, sobretudo pelo nível de convidados que ele traz aqui. A ideia que foi apresentada por ele, eu quero dizer, assim, eu fico constrangido de dizer que… ((risos)) que O Samuel é uma pessoa maravilhosa, ele devolveu a batata quente , mas eu quero dizer, assim, eu não vou dizer que as portas estão abertas, eu quero dizer que as chaves estão nas suas mãos para que, independentemente, até do programa Duplo Expresso, a sua opinião, os seus textos, vídeos, não necessariamente ao vivo, porque o horário, eu reconheço, é um horário duro… acordar cedo e tal às vezes não podemos. Então, marcar dia fixo pode atrapalhar agenda e isso e aquilo. Queremos que fique, totalmente, a vontade, mas eu faço até um apelo público, em nome do público e do Romulus, do Samuel, da Camila e de toda produção, volte mais vezes. Precisamos de pessoas inteligentes aqui

Romulus Maya: E corajosas, Wellington. Corajosas! Gente que dá nome aos bois, como a gente sempre pede, aqui no programa

Wellington Calasans: Foi um prazer enorme

Luiz Moreira: Vamos voltar. Fico muito feliz e voltarei com o Samuel né, Samuel? Também tu não pode agora me abandonar. Tu me convida e vai embora, né, cara?

(Gargalhadas))

Luiz Moreira: Muito obrigado Romulus, muito obrigado Wellington. Samuel, sigamos, meu irmão.

Samuel Gomes: Valeu. Um abraço a todos aí

Wellington Calasans: Valeu. Estamos juntos. Um grande abraço

 

A seguir, trechos da entrevista editados pelo colaborador voluntário Fábio Queiroz.

 

 

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