Samuel Pinheiro Guimarães – “Novas frentes do ataque à soberania brasileira”

Da Redação do Duplo Expresso,

Na quinta-feira(24), o comentarista de geopolítica do programa Duplo Expresso, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, nos brindou com mais uma verdadeira aula.

Leia a íntegra da entrevista, com a transcrição da Pedagoga, com mestrado em Educação, Maíra Valente:

PROGRAMA DUPLO EXPRESSO 22/03/2018
ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES
“NOVAS FRENTES DO ATAQUE À SOBERANIA BRASILEIRA”

Romulus Maya: Bom dia, Embaixador Samuel

Embaixador Samuel: Bom dia. Tudo bem? Como Vamos?

R.M: Tudo muito bem, Embaixador. Muito bem. Primeiramente, nós combinamos diversos temas pra conversar hoje. O senhor tinha listados um dos finais finais. Eu vou, na verdade, antecipar pro primeiro que é o que nós estamos falando agora, que é aquela vergonha nacional, ocorrida no STF. O senhor falava da questão do STF, do presidente Lula, era um dos assuntos que o senhor queria abordar e eu queria a sua avaliação, Embaixador, como um homem que trabalhou, dedicou a vida ao Estado Brasileiro, como o senhor enxergou, enxerga o ocorrido ontem no STF, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães?

E.S: Eu entendo que você está se referindo que vão pautar o julgamento do Habeas Corpus do presidente.

R.M: Sim, mas… É, eu não sei se o senhor viu que teve aquele bate boca lá do Gilmar Mendes com os outros ministros, a Cármen Lúcia, pressionada, resolveu ela mesma pautar, porque ia ser cobrada publicamente. Enfim, uma degradação das instituições em que os ministros discutem uns com os outros na TV Justiça, Embaixador.

E.S: Pois é. Eu não assisti ao bate boca, mas já era um pouco previsível, né? Porque há uma atitude dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, há muito tempo, de virem a público e manifestar sua opinião e se sujeitarem às pressões da grande mídia, né?

R.M: Correto.

E.S: Ao invés de adotarem a posição correta que é não se pronunciar sobre qualquer tema que esteja sendo tratado pela justiça, no Supremo ou em qualquer lugar, justamente para não se deixarem influenciar, porque, na medida em que se pronunciam a favor ou contra, a mídia imediatamente começa a pressioná-los e os movimentos de direita principalmente, exigindo a punição das pessoas e inventando situações que não existem, né? Mas, é muito lamentável isso, porque é um passo no processo de destruição do Estado de Direito e do judiciário mesmo, porque se torna totalmente… se desmoraliza um dos poderes do Estado, né? De modo que é muito grave isso. Que é muito grave. Certamente.

R.M: Correto. Correto. Correto, Embaixador. E ai o senhor falava ontem a questão de que, se o Lula não for reeleito, ele… é… saindo essa… Pode ser processado e preso, então logo depois da primeira instância. Essa é a questão da… é… Logo é julgado na primeira e na segunda e vai pra prisão? É muito fácil a perseguição, o senhor comentava isso até , que é muito fácil, em âmbito estadual – que a justiça criminal, em geral, é estadual – É muito fácil… O senhor lembrava mais uma vez a temeridade da chamada lei da ficha limpa em permitir isso, porque a justiça estadual, que é a responsável pela persecução penal, em geral e, excepcionalmente a federal, que nós estamos vendo ser instrumentalizada, no caso do presidente Lula e da Lava Jato, mais amplamente, o senhor dizia da temeridade dessa lei e que ela é claramente inconstitucional. Isso tem que ser levado novamente ao STF

E.S: Na há a menor dúvida, não há a menor dúvida quanto a isso, porque é de uma clareza absoluta, né? A constituição declara que ninguém pode ser considerado culpado a não ser depois de sentença condenatória, tramitada em julgado. Quer dizer, depois de esgotados os últimos recursos, não é? E, depois é o seguinte, quer dizer, toda a desculpa de que os processos são demorados, que, digamos, as pessoas prescrevem e assim por diante, isso pode ser resolvido de outra forma e não pela prisão de uma pessoa por uma decisão de, nem é de um tribunal colegiado, é de turma de um tribunal, não é? Então, é tudo um absurdo. E esse absurdo é o que nós estamos vivendo. E depois julgar que há uma jurisprudência sobre o caso, quando o que eu entendo é que há uma decisão em um caso; uma decisão por seis a cinco. Quer dizer, portanto, é uma maioria menor, que pode existir no tribunal, que é de seis a cinco.

R.M: Correto. E, sim, Embaixador, e com a grave descoberta pelo ministro Sepúlveda Pertence, por esses dias, de que aquele Acórdão de 2016 sequer foi publicado, Embaixador! Que jurisprudência é essa que produz efeito sem ter sido publicada?

E.S: Pois é. Além disso, porque, mesmo que fosse publicada, não é jurisprudência.

R.M: Exato!

E.S: Não é jurisprudência. É decisão de um caso. Não significa que exista jurisprudência, mesmo que tivesse sido por onze a zero, não é? Porque cada caso é um caso, além disso. E, além disso, não há nenhuma sequência de casos que pudesse dizer que há uma opinião consolidada, não é? Quando isso ocorre, o tribunal pode emitir uma Súmula Vinculante…

R.M: Exato, exato. Ia falar exatamente isso, Embaixador. Caso se quisesse repercussão geral, efeito erga omnes, que é o efeito vinculativo, existe um instrumento da Súmula Vinculante introduzido pela Emenda Constitucional de n°45. O STF não fez uso disso, refletindo que aquilo não era uma posição consolidada. A Corte embaixadora ai fala, uma decisão por seis a cinco num caso concreto. Então, ela não tem efeito geral. Ai tentam… A imprensa tenta vender essa história de jurisprudência, mas isso não é uma jurisprudência. É uma decisão individual. Então, pra decidir isso, Embaixador, deveriam ser as ações que tendem a ir de julgamento em abstrato, as ações diretas de inconstitucionalidade pra julgar essa questão da segunda… O senhor tem toda razão em trazer nossa atenção, também, pra esse aspecto, Embaixador.

E.S: Certo. Depois, mesmo a Súmula Vinculante pode ser revista.

R.M: Sim.

E.S: Mesmo a Súmula Vinculante pode ser revista. Não é uma Cláusula Pétrea, não é uma questão pétrea como é a questão da Presunção de Inocência.

R.M: Exato. Essa é a contraposição que deve ser feita.

E.S: De modo que é tudo um absurdo que nós estamos vivendo no momento, né? E que, na realidade, foi criado pela própria atuação dos ministros dos tribunais superiores e tudo, que permitiram juízes de primeira instância com toda a sua, a sua… como é que eu diria? sua atitude salvacionista, de que vão “Salvar a Pátria”, e adotarem atitudes totalmente ilegais do início ao fim. De modo que estamos vivendo isso, no Brasil, e vamos ver o que ocorre, né?

R.M: Correto. Embaixador, vamos todos estar atentos ao STF hoje à tarde. E eu comentava aqui, hoje de manhã, Embaixador, depois fora do ar vou comentar com o senhor, que é o seguinte: nós descobrimos, aqui no Duplo Expresso, nós sabemos o quê que é usado pra pressionar a ministra Cármen Lúcia. Aspectos pessoais dela são usados pelos irmãos Marinho, os donos da Globo, pra pressioná-la. Eles usam tesouradas, Embaixador, pra ameaçar a carola, a beata Cármen Lúcia. E nós dissemos aqui que nós somos contra chantagem em geral e, em especial, essa que ameaça o futuro da República de forma que nós nos sentimos obrigados a libertar a ministra Cármen Lúcia dessa chantagem. Se, se confirmar uma tese que está sendo disseminada em Brasília, dando conta de que a ministra Rosa Weber hoje, ela que é contra a prisão em segunda instância, teria se acertado, dizem os rumores, pra alterar o seu voto, nesse caso específico do presidente Lula, e dá um seis a cinco pela prisão pra, na sequência, daqui a meses, quando a Cármen Lúcia sair da presidência, na decisão da ADIN abstrato, voltar ao voto dela e…? O senhor sabe, Embaixador, que o argumento que ela usaria, segundo essa tese, seria justamente de que ela é contra, mas que estaria se submetendo a jurisprudência da Corte. Como o senhor muito bem observou, não é jurisprudência coisa nenhuma. Então, ao se confirmar que houve esse arranjo político de, hoje, derrotar o presidente Lula com essa pressão sobre a Rosa Weber, articulada pela Cármen Lúcia, que é refém de uma chantagem pessoal, nós nos sentimos na obrigação republicana de revelar o teor dessa chantagem para libertá-la. Nós somos contra chantagem e vamos, queremos libertar a ministra Cármen Lúcia dessas tesouradas. Mas, depois, eu comento isso com o senhor fora do ar. Embaixador, o senhor falava aqui com a gente ontem, quando definíamos a pauta, de algo importantíssimo, que há muito tempo nós queríamos discutir aqui no Duplo Expresso, mas não tínhamos tido a oportunidade. O senhor trouxe que é essa questão do escândalo do Facebook com essa empresa Cambridge Analityca, manipulando eleições, manipulando o processo supostamente democrático, Embaixador. Conte pra gente a sua avaliação sobre isso, por favor.

E.S: A minha avaliação é a seguinte, é a de que: em primeiro lugar, toda ideia de que os novos instrumentos da internet seriam instrumentos da população para se livrar da grande mídia e pra se livrar da influência do poder econômico ficam, na realidade, revelados que era tudo uma ilusão achar que existe alguma coisa no mundo que fica fora do poder econômico, que não seja imediatamente absorvido, principalmente quando se torna importante, né? Há uma pressão enorme do poder econômico para controlar o processo político, porque é o processo político que determina as regras do poder econômico, né? Quer dizer, não é o poder econômico diretamente que faz a legislação. Nós temos ontem, por exemplo, um fato, um pequeno fato, aqui no Brasil, mas de que o líder daquilo que no Brasil é chamada a “Bancada da Bala”, isso é, a bancada dos parlamentares que defendem os interesses da indústria que fabrica armamentos (inaudível) foi eleito o presidente da Comissão de Segurança Pública creio que da Câmara, né? Eu li muito rapidamente. Da Câmara ou do Senado, não importa. Quer dizer, o indivíduo que é o maior interessado em defender os inte… a indústria de armamentos se torna presidente da câmara de uma das casas do Congresso que lida com as questões relativas a armamento e desamamento de segurança pública e violência, né? Então, é algo extraordinário. Então, essa questão do Facebook é de que é sabido, se sabe há muito tempo, por um lado, que essas empresas (Facebook, outras…) que elas vendiam os dados, vendiam os perfis para outras empresas. (inaudível – suponho:”facilitou pagando”) e assim que ganha dinheiro. Quer dizer, como na televisão, o indivíduo pensa que vê televisão de graça, né? E não vê televisão de graça. Aquilo ali é tudo financiado pelos anunciantes. Então, o Facebook você não tem acesso a internet de graça. É tudo financiado pela venda… pela venda de espaço e de informações a empresas. Dai o valor extraordinário das ações do Facebook.

R.M: Embaixador, só uma breve observação sobre essa questão. Eu não sei se ai no Brasil já tá disseminada essa prática, mas, aqui na Europa, é muito comum as redes de supermercado e lojas de varejistas terem cartões de fidelidade em que você, a cada compra, ganha pontos. Ai você vai lá pagar, você passa seu cartãozinho e eles te debitam. Pois é. Isso, na verdade, funciona no mesmo sistema que o senhor tá falando. Eles registram os seus hábitos de consumo – isso eu vi aqui em documentários da TV pública francesa. Registram seus dados e vendem depois o seu perfil de consumo pra outras empresas fazerem propaganda não solicitada pro consumidor e tentar captá-lo. Então, realmente, é como o senhor fala, isso… e as pessoas sabem disso, mas preferem ganhar aquele descontinho ali de cinco, dez reais – aqui no caso, dez euros. Aceitam perder a sua privacidade de seus dados. Então, isso é muito importante que o senhor observa.

E.S: Exatamente. Isso do ponto de vista econômico, comercial. E, naturalmente, isso foi levado para o campo político em que os dados das pessoas, suas preferências, inclusive de consumo, seu perfil de amizades, sua… por exemplo, sua compra de livros pela internet através de, vamos supor, de uma empresa como a Amazon significa que tipo de livro aquela pessoa compra, né? E fazem isso através do deplantamento dos dados das pessoas com quem ela se relaciona, com quem ela tem grupos. Quem será dos grupos de amigos? Então, que aparece no Facebook: “Você tem tantos amigos”, né? E ai estimulam as pessoas a fazerem amigos e as pessoas vão revelando as suas preferências, no caso inclusive revelam influências, é… revelam a sua posição política, né? E passam a ser vítimas… Vítimas não. É o objeto de campanhas para formar ou deformar a sua opinião política que é o que essa Cambridge Analytica fazia. Aparentemente, em um certo momento, elas estão vinculadas à campanha do Donald Trump, né? De modo que… E, agora, o Facebook está sujeito, segundo os noticiários, à possibilidade de multa de bilhões de dólares, né? Enquanto isso, e tudo isso aqui passa na imprensa como se aqui fosse um sistema totalmente corrupto e lá fora fosse um sistema absolutamente, é… na realidade, isso fosse um mero acaso. O caso de uma empresa em si.

R.M: Correto. Embaixador, nós devemos lembrar, antes de passar pro próximo tema que o senhor reservou pra falar conosco nessa manhã, que essa Cambridge Analytica já desde o ano passado opera no Brasil, então é certo…

E.S: Já opera no Brasil

R.M: É certo que o mesmo ocorreu no Brasil.

E.S: Tem uma afiliada, no Brasil que, digamos, não é totalmente… eu não vi a comprovação disso, mas que tinha negócios com movimentos de direita, né?

R.M: Exato. Correto, Embaixador. Embaixador, e o senhor queria falar sobre um nome que eu a princípio não percebi a perspicácia do senhor, mas o senhor queria falar sobre Marielle Mendes. Quem é Marielle Mendes, Embaixador?

E.S: A Marielle Mendes é a jovem que foi assassinada, né?

R.M: Eu pensava que o nome dela era Marielle Franco, Embaixador, mas o senhor falou que é Marielle Mendes

E.S: Mas, ela está se revelando um fenômeno semelhante a Chico Mendes, porque está suscitando a atenção de toda a imprensa mundial para a violência contra a mulher, contra os negros, no Brasil, contra os indivíduos que lutam pelos direitos das minorias e que vêm de uma origem social muito pobre, muito difícil, né? E ela entende e é, de uma certa forma, um novo fenômeno Chico Mendes que, quando foi assassinado, no Acre, despertou um movimento internacional, que é o que está ocorrendo agora com a Marielle Franco, né? De modo que ela é capa e página inteira de jornais dos Estados Unidos e tudo, objeto aqui das manifestações mais sórdidas da direita.

R.M: Embaixador, nós que estamos fora podemos atestar isso. Há diversos atos em parlamentos europeus. Inclusive, no Parlamento Europeu, em repúdio e apoio à comunidade, a sua base social que foi atacada, em repúdio a esse atentado, porque isso, como o senhor coloca, deve ser entendido como um atentado político. No Brasil, as pessoas não usaram a palavra, mas nós que estamos fora isso é claríssimo. Poderia, inclusive, ser classificado como um atentado terrorista, porque, quando se usa a violência pra tentar forçar, pressionar a opinião pública, num determinado direcionamento político, isso é um atentado terrorista

E.S: Sem dúvida. É um atentado político, é um atentado que se pode classificar como terrorista, né? Mas, enfim, o atentado terrorista, em geral, ele atinge pessoas indiscriminadamente. Às vezes, com certas características, né? Mas, no caso da Marielle, foi um atentado a pessoa dela, pelo que ela representava, porque ela era uma liderança política já importante, eleita na primeira vez com quarenta e cinco mil votos. Qual é o deputado aí, no país europeu, que tem quarenta e cinco mil votos? Né?

R.M: Exato.

E.S: Eles são eleitos nos distritos com um pequeno número de votos.

R.M: Correto. Eu falava atentado terrorista, porque eu morei anos na Espanha também e uma tática do ETA era justamente assassinatos de políticos do partido popular, que é o herdeiro do Franquismo. E nunca se hesitou, na Espanha… Da mesma característica: alvo certo e descarregar revólver na cabeça. Exatamente igual. Nunca se hesitou em classificar como atentado terrorista.

E.S: Pois é. Pois é. Então, isso foi algo que atingiu em cheio a política do governo Temer de colocar a Segurança Pública como, no Rio de Janeiro especificamente, como o tema principal da política para disfarçar a derrota que tiveram na questão da Previdência Social e que não há a menor dúvida de que a segurança pública, em geral no Brasil, é um tema de grande preocupação da população, né? E que a população tende a revelar essa preocupação e tudo. E isso, então, coloca um pano… Como é que eu diria? Desvia a atenção para problemas como desemprego, que é um problema que atinge muito mais a população do que a segurança pública. As vítimas da segurança pública podem ser centenas de pessoas ou milhares de pessoas, mas o desemprego atinge a milhões de pessoas e de uma forma muito cruel, né? Então, as pessoas não morrem imediatamente, mas o próprio desemprego, ele estimula, certamente, a pequena criminalidade.

R.M: Certamente. E, Embaixador, eu vou repetir aqui algo que o meu companheiro de apresentação, Wellington Calasans , sempre faz questão de ressaltar que a economia do Rio de Janeiro e o desemprego são frutos da destruição da economia do estado pela política econômica, mas principalmente pela Lava Jato, que destruiu a cadeia de óleo e gás, destruiu a indústria civil, né, de construção civil. Então, o Rio de Janeiro que tinha a mais baixa taxa de desemprego, nos anos Lula da Federação, hoje em dia tem a segunda maior taxa de desemprego. Então, a Lava Jato, inclusive um dos motivos pelo qual o Bretas, que é esse subprojeto do Sérgio Moro do Rio de Janeiro, fica mirando a política local pra tentar desviar e dizer que a crise do Rio se deve a desvio de dois por cento em contrato. Quando não, a crise do Rio se dá a destruição da sua economia pelo Bretas e pelo Sérgio Moro, Embaixador.

E.S: Sem dúvida. Não tenho… Estou perfeitamente de acordo com esta análise. É a política econômica que gera o desemprego e que acentua a situação, acentua a insegurança e a criminalidade. Não há a menor dúvida enquanto a isso.

R.M: Embaixador, o senhor sabe que ontem o Jornal Estado de São Paulo publicou em editorial, – veja que inusitado, Embaixador, agora que já pensam eles que pegaram o Lula – publicou em editorial, não foi em página de opinião não, que a Lava Jato precisa acabar. Então, a gente vê que era uma operação dirigida a maior liderança política do Brasil, que agora a direita entende – o Jornal dos Frias sempre representou os interesses da elite brasileira, a elite cafeicultora de São Paulo, os herdeiros dos cafeicultores – dizendo que Lava Jato precisa acabar. Mas, o senhor também queria comentar com a gente, ai pra fechar, já nos aproximamos do final do nosso tempo, o senhor queria comentar um outro editorial de ontem da Folha de São Paulo que criticou os Estados Unidos com relação a sua atuação no Iraque. Algo também inusitado, né, Embaixador? Foi o dia dos editoriais paulistas surpreendentes!

E.S: Pois é. Enfim, então, esse editorial da Folha de São Paulo não é um editorial… É um editorial na barra dos editoriais, mas não é um editorial assinado por aqueles colunistas, não. É um editorial do jornal mesmo sobre o que ocorreu no Iraque com a injustiça da invasão do Iraque, porque aquilo tudo que se acusava o governo do Iraque, primeiro de ligações com Al Qaeda, né? Isso o próprio governo americano depois reconheceu que não havia, né? Da existência de armas de destruição em massa, que não foi encontrada nenhuma arma de destruição em massa e que levou uma divisão entre sunitas e xiitas e eventual ascensão do Estado Islâmico, que agora está sendo destruído pela ação russa, não pela ação americana. Porque a ação americana e a ação ocidental eram de apoio, na realidade, oculto ao Estado Islâmico.

R.M: Correto. Embaixador, o Estado Islâmico, como todo mundo sabe, foi criado pelo serviço secreto de países aliados aos Estados Unidos na região, é… a Arábia Saudita e outras monarquias dali do Golfo Pérsico, da Península Arábica e que recebe apoio logístico, de inteligência e armamento dos Estados Unidos. Então, o senhor tem toda a razão em apontar quem está derrotando o Estado Islâmico é a aliança entre a Rússia, o Irã e o exército Sírio. Tem toda razão, Embaixador.

E.S: Pois é. Então, mas o que é interessante nisso, apesar de serem fatos conhecidos de muitos órgãos da imprensa e etc., é o fato de que, no Brasil, em geral as posições de política externa americana, elas são altamente louvadas, né? Principalmente quando (trecho inaudível) no Oriente próximo com aquele ataque aos governos dos países laicos, dos Estados laicos, não é? E favorável aos Estados mais reacionários, que são monarquias. E dessa vez… Pela primeira vez, pelo menos que eu tenha visto, há um editorial. Não é uma análise de um colunista político, uma opinião de algum especialista, não. É um editorial do próprio jornal e isso afeta muito a imagem dos Estados unidos, mas afeta… deve preocupar especialmente as autoridades de inteligência americanas diante de uma situação, digamos, de rebeldia ou de, sei lá, incompreensão de um órgão importante da imprensa brasileira, que é a Folha de São Paulo, né? E isso preocupa muito, porque um aspecto fundamental de toda participação estrangeira na política brasileira se beneficia através da grande mídia, né? Então, eu incluo grande mídia, porque isso vai pra os jornais, as televisões e pelos… e pela internet mesmo, pela chamada mídia alternativa, que é profundamente influenciável pela opinião dos grandes órgãos, né?

R.M: Correto. Embaixador, só pra fechar esse tema, o senhor ai, com muita propriedade, apontou a aliança dos Estados Unidos, favorecendo geoestrategicamente países religiosos em prejuízo de países laicos, lembrando que esses países religiosos, Embaixador, são Petromonarquias Absolutistas, não são nada democráticas, como dizia os Estados Unidos querem promover democracia pelo mundo, não promove na Arábia Saudita, por exemplo. Eles são violadores contumazes dos Direitos Humanos. Então, isso é um dos maiores atestados da hipocrisia americana na sua política externa. E, pra fechar a participação do senhor hoje, Embaixador, o senhor que é sempre atento à defesa da soberania brasileira falava que queria comentar sobre ainda essa negociação entre a Embraer e a Boing em que a Boing, depois de receber aquela oferta já “terrível” do governo brasileiro de dar a ela 51% das ações, diz que não é o suficiente, que eles querem de 80 a 90% de TODOS os domínios Embraer. Não é essa história de aviação civil não. Eles querem 80 a 90 de TUDO da Embraer, do Jato Cargueiro KC, dos Jatos FX… Eles querem tudo, Embaixador!

E.S: Pois é. Então, isso é que a grande imprensa, naturalmente, naquela política de (trecho inaudível) havia inicialmente falado que haveria uma associação entre a Embraer e a Boing e que a Embraer continuaria com grande participação. Preciso lembrar que a Embraer é hoje, no curso da sua história, um resultado de uma ação do Estado Brasileiro. Primeiro pela criação pela Aeronáutica do Centro Tecnológico da Aeronáutica, a formação de engenheiros aeronáuticos, em que foram aplicados um esforço extraordinário, quando no Brasil, na prática, quase não havia indústria, a partir da Segunda Guerra Mundial, através do famoso Marechal Casemiro, um verdadeiro herói nacional totalmente esquecido, né? E, através desse esforço da Aeronáutica extremamente importante, é que se desenvolveu em seguida a fabricação de aviões, né? Extremamente importante num país com as dimensões do Brasil. O seu espaço, seu espaço não é só espaço aéreo, é o seu espaço territorial para a conexão das diferentes regiões do país. Hoje, quando se deseja ir a um município qualquer e não há aeroporto naquele município, portanto não há aquecimento aéreo, de transporte aéreo, é muito complexo, né? O que, digamos, faz com que, abate as possibilidades de desenvolvimento econômico daquele local né? E o Estado Brasileiro, não só através do esforço da Aeronáutica, mas da participação do BNDES, que financiou com centenas de milhões de dólares, talvez mais de um bilhão de dólares tantos programas da Embraer, né? E depois…

R.M: Embaixador, esse programa do Cargueiro foram bilhões, salvo engano, porque eu li isso, foram três bilhões de dólares do recurso do Estado Brasileiro, Embaixador.

E.S: E que permitiu uma cooperação todo esse esforço do BNDES, não na área só da Aeronáutica, com o acordo com a Suécia, né? E os suecos estão muito preocupados com isso, naturalmente, por causa da tecnologia militar, porque o campo, o comércio internacional de armamentos são altamente sofisticados, é muito disputado por empresas como a FAAB, que é a empresa sueca. E estão muito preocupados com a captura de segredos tecnológicos (palavra inaudível) pela empresa americana, a Boing, né? Então, agora, estão apresentando isso novamente, tentando dizer que a parte militar fica lá separada da parte civil e isso tudo é ridículo. E é preciso lembrar que a indústria bélica de armamentos do Brasil estava sendo estimulada pelo BNDES e pelo Estado Brasileiro pela criação de braços vinculados à produção de defesa em que as grandes empreiteiras como a Odebrecht, chamada empresa Odebrecht Defesa, em associação com pequenas indústrias de alta tecnologia na região de São José dos Campos, com os recursos financeiros e tecnológicos das empreiteiras que estão sendo destruídas pela Lava Jato. Tudo isso é vinculado, né?

R.M: Correto. Embaixador, tem o exemplo da subsidiária, antiga subsidiária da Odebrecht que foi vendida pra interesses estrangeiros, mais precisamente pra interesses israelenses, que era a Mectron, que era uma empresa de ponta fabricante de mísseis balísticos.

E.S: Pois é. Então, está sendo destruído todo o esforço do Brasil, da economia brasileira, através do Estado, de construção de uma forte indústria de armamentos. O que vai ocorrer é que o Brasil, novamente, se tornará um grande importador de armamentos, que serão vendidos pelas grandes empresas americanas, principalmente, né?

R.M: Correto. Embaixador, eu falei que seria a última pergunta, mas Wellington Calasans tem uma pergunta bônus que nos traz de volta…

E.S: Por favor…

R.M: Que nos traz de volta ao início da nossa intervenção que nós falamos sobre a questão do presidente Lula no STF. Pergunta o Wellington Calasans “Como se dará a Luta, Embaixador, caso ocorra uma hipótese – que nós não aceitamos de forma nenhuma aqui no Duplo Expresso – que é caso Lula seja preso, Embaixador?”. Como seguirá a Luta?

E.S: Eu acho que a luta é a mesma sempre no Brasil. Preciso lembrar disso. Nós tivemos uma pequena interrupção no domínio das classes hegemônicas do Brasil, no processo político. Uma pequena interrupção de oito anos, na realidade. Na realidade, oito anos. E isso foi muito ressentido e as classes hegemônicas se articularam desde o início, aliás desde o início da carreira do presidente Lula, para destruí-lo. E, depois com o governo da presidente Dilma, a situação se tornou mais fácil pra eles que foram levando o governo a tomar atitudes políticas que lhes interessavam, como foi a famosa faxina ética e coisas desse tipo, né? E a política econômica contracionista que levou à redução dos gastos do Estado enorme e que levou à grande insatisfação com a própria condução política do Estado, né? Então, a luta é sempre a mesma. É a mobilização das classes trabalhadoras , dos desempregados, dos subempregados, dos pequenos, dos… dos Trabalhadores Sem Terra, dos Trabalhadores Sem Teto e daqueles que defendem os Diretos Humanos de diferentes setores, né? Os movimentos das mulheres, dos negros… para que, no Brasil, se implante um governo que faça, que seja um governo da maioria do povo brasileiro e não um governo da minoria do povo brasileiro. Não é? E essa luta é sempre a mesma! Essa será a luta para a libertação do presidente Lula, será a luta pela vitória nas eleições, não é? E será a luta pelo retorno à Constituição, né? E esse editorial do Estado de São Paulo é muito importante, porque a primeira coisa que não se entendeu, no passado, que era o processo de criminalização da política contra o Partido dos Trabalhadores. A criminalização da política não era contra a política em geral, né? Obviamente, não era. Era contra os partidos progressistas. E é isso que temos que entender que o judiciário é a nossa últi… O Supremo Tribunal Federal é uma instância importante, mas que ela não encerra a luta política, nem a luta judiciária, porque é preciso julgar as Ações de Declaração de Inconstitucionalidade dessas condenações em Segunda Instância. Condenações que levam a perdas dos direitos civis, que é a liberdade e a perda dos direitos políticos, que é, digamos, a suspensão dos direitos políticos por oito anos. Quer dizer, algo que é absurdo! Acho que, na época, os movimentos moralistas não se deram conta que isso tudo era contra, na realidade, os partidos e os políticos progressistas, que foram muitas vezes condenados por motivos ridículos, né? Ridículos!

R.M: Sim. Exatamente. Embaixador, ficaremos todos atentos hoje ao que ocorrerá no STF e eu vou repetir o que nós dissemos. Nós somos contra chantagens em geral, mas especialmente chantagens realizadas que ameaçam a República Brasileira, de forma que nós nos sentimentos na obrigação moral, e até cívica, de libertar a ministra Cármen Lúcia das ameaças relativas a tesouradas que dão em relação a essa carola, a essa beata Cármen Lúcia. Então nós ficaremos atentos e, dependendo do desenrolar, nos sentiremos constrangidos a libertá-la da chantagem que é exercida pela rede Globo em relação a ela. Embaixador, é um…

E.S: Nós temos certeza, eu tenho certeza que a ministra Cármen Lúcia saberá agir como ministra do Supremo Tribunal Federal, acima de toda e qualquer pressão. Essa é que a nossa expectativa de que ela não pode, de nenhuma forma, agir de uma atitude que não seja orientada pela Constituição Brasileira, que é clara nesse termo.

R.M: Correto. Esperemos que a ministra Cármen Lúcia ouça essa lição do senhor que é um homem que dedicou sua vida ao Estado Brasileiro, à construção do Estado Brasileiro. Então, o senhor tem toda a autoridade, toda a autoridade pra trazê-la de volta a esse leito natural que deveria ser onde está a presidente do poder judiciário. Embaixador, é um privilégio enorme nosso tê-lo aqui às quintas-feiras.

E.S: Muito Obrigado, Romulus. E muito obrigado, Calasans, pela oportunidade de debater ai com vocês esses temas e com o público. Muito obrigado.

R.M: Bom dia pro senhor, Embaixador.

E.S: Obrigado. Um bom dia. Tchau.

R.M: Até logo.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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