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(Um) Saldo do Golpe

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Um) Saldo do Golpe

Li hoje aqui no GGN um artigo da Profa. de Direito Constitucional Jane Reis – mais uma Professora da minha UERJ. O artigo intitula-se “O saldo do impeachment é uma democracia deficitária”.

* * *

Se me lembro corretamente ela – como pós-graduanda – oferecia uma disciplina eletiva sobre “Controle de Constitucionalidade” quando ainda estava na graduação.

Infelizmente não fui seu aluno por conflito de horário.

Mas lembro que colegas que cursaram a disciplina comentavam sobre a qualidade do conteúdo. Talvez se queixassem às vezes da quantidade de leituras indicadas pela Profa. Jane.

Coisa de aluno…

E coisa de pós-graduando que oferece eletiva também, encantado com todas as leituras que faz na pós-graduação. Sei disso porque ao meu tempo também “castiguei” alunos da graduação com muita leitura na eletiva que ofereci como parte da formação na pós-graduação.

* * *

Semanas atrás troquei mensagens com a Profa. Jane sobre o golpe no Twitter, juntamente com um jornalista estrangeiro.

Naquela oportunidade recomendei que lesse os diversos posts no meu blog aqui no GGN sobre essa matéria. Já havia reunido então uns cinco ou seis posts de juristas, com artigos inclusive de outros professores da UERJ e até mesmo de estrangeiros, como o Prof. Vital Moreira.

Jane dizia, justamente, que estava escrevendo um artigo sobre o tema. Vejo agora o resultado aqui no GGN.

Ela revelava então uma resistência ao termo “golpe”, preferindo dizer que “apesar de não ser golpe, o resultado não era democrático”, fórmula que fora sugerida pelo jornalista estrangeiro.

Discordei. Para mim (1) é golpe e (2) é não-democrático.

Após nossa breve troca, ela disse que leria os posts no blog.

Não sei se eles contribuíram para o artigo, mas a mim parece que houve uma pequena evolução no seu entendimento de lá para cá.

Pois – mesmo que não use em nenhum momento a palavra “golpe” – a Profa. Jane resume exatamente a mesma ideia.

Como quando diz, p.e.:

Processos de impeachment colocam a dimensão eleitoral da democracia em conflito com juízos políticos que, usados com propósitos insinceros ou para fins espúrios, enfraquecem os próprios pilares constitucionais em que buscam se apoiar. Quando os protagonistas políticos manipulam as engrenagens democráticas de forma irresponsável, não arriscam apenas suas biografias, mas colocam em xeque a própria solidez das instituições

Colocar “em xeque a solidez das instituições” está a apenas um passo de “romper a institucionalidade”, não?

A diferença entre forma e conteúdo é relevante, não é verdade?

Algo que materialmente rompe a institucionalidade deixa de ser uma ruptura porque obedece às formalidades?

Não creio.

Como a Profa. Jane bem sabe, a muito democrática Constituição de 1946 sobreviveu ao golpe de 64 e só foi enterrada três anos depois.

A tese magna do Prof. – e Min. – Barroso é a efetividade das normas constitucionais.

Quantas e quantas Constituições tivemos que não passavam de declarações de boas intenções. Muito bonitas, mas que não tinham quase impacto sobre a realidade do país.

Justamente nosso processo de amadurecimento institucional fez com que parcela cada vez maior dos direitos assegurados pela Constituição passassem a ser efetivos e oponíveis. Sem sombra de dúvida, apesar de seus muitos defeitos, a Constituição de 88 é a que mais longe chegou na perspectiva da efetividade de suas normas.

Travestir um golpe com uma pseudo-legalidade formalística não o faz menos golpe.

“Golpe” é o termo usado na ciência política para referir-se à ruptura institucional, à “mudança das regras do jogo”.

Obedecendo prazos, competências, instrumentos e quóruns – mas falseando o próprio objeto de todo esse processo – acaba-se por mudar as tais “regras do jogo”. Respeitou-se a forma, mas com conteúdo falseado.

Chamo isso de ruptura institucional. E de golpe.

A Profa. Jane Reis chama de “enfraquecimento dos pilares constitucionais”, “manipulação irresponsável das engrenagens democráticas” e de “colocar em xeque a solidez das instituições”.

Concordamos mais do que discordamos, não?

* * *

E por que o título? Por que “um saldo do golpe” em vez de “o saldo do golpe”? O título é evidentemente uma referência àquele adotado pela Profa. Jane em seu artigo (veja abaixo).

A Profa. de direito constitucional trata do saldo do golpe tendo em mente evidentemente a disciplina que ministra.

Neste comentário trato do mesmo tema, mas, talvez por ser internacionalista, faça questão de frisar que se trata de um saldo desse golpe.

Isso porque, além da ruptura institucional e do enfraquecimento dos pilares constitucionais, temos uma inédita degradação do soft power do Brasil e da boa-vontade com que o país contava internacionalmente, o que se traduzia em protagonismo nos diversos sistemas multilaterais, influência diplomática em sua região e mesmo em outras partes do planeta.

Grande parte da boa-vontade de que o Brasil gozava provinha justamente da imagem de uma grande democracia que, mesmo no contexto de país em desenvolvimento, gozava de relativa estabilidade política e institucional. Ademais, a modesta – porém inédita – redução das desigualdades sociais e inclusão de grandes contingentes da população em anos recentes havia projetado o país como uma história de sucesso. Um case a ser estudado para que experiências bem-sucedidas fossem replicadas em outros países em desenvolvimento.

Tudo isso está ameaçado.

Nossa imagem internacional periga regredir àquela de que gozávamos no rescaldo da ditadura… naquele início de governo Sarney.

Tínhamos uma democracia pero no mucho. Um presidente civil com uma ordem constitucional (a de 67-69) que convivia sem problemas com o arbítrio, com ilegalidades.

Não é isso que perigamos passar a ter também com a Constituição de 88 agora?

A imprensa internacional não disfarça o tom de desprezo – às vezes de escárnio – com o que se passa em Brasília. Sou testemunha de que o bem informado público da academia, dos governos e das burocracias das organizações internacionais está a par e acompanha tudo que lá se passa.

Pois bem.

Vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU?

Ha-ha-ha

Ou melhor:

Snif-snif-snif

* * *

Ao artigo da Profa. Jane Reis:

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Do Os Constitucionalistas


O saldo do impeachment é uma democracia deficitária

Por Jane Reis Gonçalves Pereira

Direito e política não coexistem separados por linhas claras. Quando ocorrem crises institucionais, a ambiguidade fica agravada e mais desafiadora. Nesses cenários, as fronteiras imprecisas que separam os dois domínios convertem-se em uma verdadeira zona cinzenta. Isso não quer dizer, todavia, que os juízos políticos sejam espaços vazios preenchíveis por qualquer conteúdo, ou que possam ser empregados de forma descolada dos referenciais de legitimidade democrática.

Nas democracias constitucionais, os resultados das batalhas políticas extraem sua força e solidez do fato de estarem apoiados em estruturas normativas claras e preconcebidas. Esse é o aspecto que permite discernir a política partidária, transitória e de varejo, da política constitucional, que se pretende perene e apoiada em valores comuns. É o ponto que permite identificar se as estruturas jurídicas são apenas aparentes, se são meras embalagens para qualquer conteúdo, ou se efetivamente traduzem um compromisso institucional e ético dos vários setores da sociedade.

O uso enviesado e distorcido das fórmulas e estruturas constitucionais coloca todo o sistema em risco, pois danifica a confiança tanto nos resultados transitórios que vier a produzir, como nos próprios referenciais normativos usados para regrar a luta política. Durante uma crise institucional, uma troca de poder apoiada na aplicação desvirtuada dos instrumentos institucionais deixa os que triunfaram em posição frágil, e, mais grave, compromete a credibilidade do próprio sistema.

No presidencialismo, o espaço reservado para a discussão sobre a qualidade e desempenho dos chefes do Poder Executivo é a disputa eleitoral. O impeachment é um instrumento extremo e excepcional, idealizado para remover governantes que praticaram desvios importantes caracterizados como crimes de responsabilidade. Em uma democracia saudável, é razoável ter a expectativa de que a formulação do juízo político sobre a prática dos crimes de responsabilidade seja pautada por critérios mínimos de integridade, congruência e equidade.

Processos de impeachment colocam a dimensão eleitoral da democracia em conflito com juízos políticos que, usados com propósitos insinceros ou para fins espúrios, enfraquecem os próprios pilares constitucionais em que buscam se apoiar. Quando os protagonistas políticos manipulam as engrenagens democráticas de forma irresponsável, não arriscam apenas suas biografias, mas colocam em xeque a própria solidez das instituições.

Na crise que atravessamos, a prevalência da retórica partidária, o uso de argumentos eleitorais e de fundamentos jurídicos questionáveis, ou puramente formalistas, parecem indicar que o impeachment pode ser o ponto de partida de mais instabilidade. O capital político e institucional queimado pelos vários atores nessa batalha tende a deixar como saldo uma democracia deficitária. Se a credibilidade das ferramentas constitucionais continuar a ser desgastada, como esperar que a Constituição permaneça como referencial comum para arbitrar a luta política?

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Jane Reis Gonçalves Pereira é professora de Direito Constitucional da UERJ. É juíza federal e editora do blog Estado de Direitos.

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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