Rompimento de Barragens no Brasil

Por Paulo César Ribeiro Lima*, para o Duplo Expresso

No setor de mineração, entre todos os rompimentos ocorridos no mundo, é possível que o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, localizada no Município de Brumadinho (MG), ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019, seja o que tenha provocado o maior número de mortes. Em 1973, a mina Córrego do Feijão passou para o controle da Ferteco Mineração e desde 2003 é dirigida pela Vale S.A. – Vale.

Já foram confirmados 65 mortos e 279 desaparecidos em consequência do rompimento dessa barragem. Dessa forma, é possível que a Vale, concessionária da exploração de um bem público, que são as jazidas de minério de ferro, torne-se a campeã mundial em mortes por rompimento de barragem no setor mineral.

Essa empresa também era concessionária da mina de Germano, em parceria com a BHP Billiton, que deu origem à Samarco, onde ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, que provocou a morte de 19 pessoas na comunidade de Bento Rodrigues e entorno. O rompimento da barragem de Fundão foi o maior desastre ambiental do País. Assim, a Vale talvez se torne a grande campeã mundial de acidentes em barragens do setor mineral.

Os desastres de Brumadinho e Mariana mostram a face mais perversa do descaso das autoridades públicas e dos agentes privados que gera a perda de vidas humanas, a destruição de ecossistemas, o soterramento de comunidades e unidades operacionais e a desorganização social e econômica da região e do Brasil.

Esses desastres trazem a público a discussão sobre a segurança das barragens no País, construídas para diversos fins: produção de energia, abastecimento hídrico, mineração, irrigação e controle de cheias. O Cadastro Nacional de Barragens registrava, em 2014, cerca de 1.400 estruturas.

Somente em Minas Gerais, Estado mais afetado pelos desastres de Mariana e Brumadinho, havia 754 estruturas cadastradas. De acordo com o Inventário de Barragens do Estado de Minas Gerais – 2014, 296 estruturas pertenciam à Classe II (médio potencial de dano ambiental) e 231 à Classe III (alto potencial de dano ambiental). Embora 94,3% desses empreendimentos tivessem estabilidade garantida pelo auditor, havia 29 barragens com estabilidade não garantida e 13 não conclusivas.

O Sr. Telton Correa, à época Diretor-Geral do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em audiência pública da Comissão Externa do Rompimento de Barragem na Região de Mariana (MG), em 17 de março de 2016, afirmou que existem 402 barragens inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens. A grande maioria tem risco crítico considerado baixo, porém, há uma expressiva quantidade de barragens de mineração no Brasil com dano potencial considerado alto. A barragem de Fundão, por exemplo, enquadrava-se em categoria de risco baixo e dano potencial associado alto.

Essas classificações foram estabelecidas a partir da Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais e criou o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens.

De acordo com a Lei nº 12.334/2010, a classificação por categoria de risco leva em conta as características técnicas, o estado de conservação do empreendimento e o atendimento ao Plano de Segurança da Barragem. A classificação por dano potencial considera o potencial de perdas de vidas humanas e os impactos econômicos, sociais e ambientais decorrentes da ruptura da barragem. O desastre de Fundão mostrou que o potencial de dano era, de fato alto, mas o risco também, pois a barragem se rompeu. Restava evidente que a Lei n° 12.334/2010 precisava ser alterada de forma significativa com vistas à prevenção de desastres, no caso de barragens.

Na Câmara dos Deputados, foram apresentados dois projetos de lei (PL) no sentido de exigir, pelo menos, a elaboração e implantação do Plano de Ação de Emergência (PAE) de todas as barragens e fortalecer a participação da população potencialmente afetada nas ações de preparação: PL nº 3.775, de 2015, de autoria do Deputado Arnaldo Jordy; e PL n° nº 4.287, de 2016, de autoria da Comissão Externa do Rompimento da Barragem de Mariana – MG.

Essas proposições visavam fortalecer as medidas de prevenção a desastre e de emergência, especialmente no que diz respeito a:

  • inclusão, entre os objetivos da PNSB, de procedimentos emergenciais a serem adotados em caso de acidente ou desastre, entre os quais o PAE e a implantação de sistema de alerta às populações a jusante;
  • garantia de participação das comunidades situadas a jusante da barragem, na elaboração e implantação do PAE;
  • inclusão do PAE entre os instrumentos da PNSB, o qual passaria a ser obrigatório para todas as barragens objeto da Lei e deveria ser elaborado e implantado com a participação de representantes das populações situadas a jusante da barragem e dos órgãos de proteção e defesa civil;
  • definição de conteúdo mínimo do PAE, que deveria ser implantado antes do início da operação da barragem e disponibilizado na internet, além da disponibilidade aos órgãos já previstos na Lei;
  • definição de prazo e de situação extraordinária que requereria revisão do PAE;
  • exigência de instalação de Sala de Situação responsável pelo encaminhamento das ações de emergência em caso de acidente ou desastre e pela comunicação transparente com a sociedade;
  • estabelecimento do PSB como condição prévia para a obtenção de Licença de Operação do empreendimento, que deveria abranger o PAE e os relatórios das inspeções de segurança regulares e especiais, além das informações já constantes na Lei;
  • determinação de que a fiscalização da segurança da barragem contasse, em qualquer caso, com a participação dos órgãos competentes do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, devendo o órgão fiscalizador manter esses órgãos informados sobre os Planos de Segurança de Barragem, bem como informar imediatamente à ANA e aos órgãos de proteção e defesa civil qualquer desconformidade que implicasse risco imediato à segurança ou qualquer acidente ou desastre ocorrido nas barragens;
  • exigência de implantação de sirene de alerta nas comunidades situadas a jusante da barragem e realização periódica de exercícios simulados com essas comunidades;
  • determinação de que o SNISB fosse integrado ao Sistema Nacional de Informações e Monitoramento de Desastres e ao Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;
  • estabelecimento de que a PNSB difundisse cultura de prevenção a acidentes e desastres; exigência de que o empreendedor da barragem reparasse danos civis e ambientais, em caso de acidente ou desastre; permissão de acesso irrestrito do órgão fiscalizador e dos órgãos de proteção e defesa civil ao local da barragem e à sua documentação de segurança;
  • exigência de monitoramento das condições de segurança das barragens desativadas e implantação de medidas preventivas a acidentes ou desastres; e
  • determinação ao Poder Público para que fomentasse, por meio de instrumentos financeiros e econômicos, tecnologias alternativas à disposição de rejeitos em barragens, de menor risco socioambiental.

Desse modo, as proposições imprimem grandes avanços à Lei 12.334/2010, fortalecendo as ações de prevenção a desastres, de preparação da empresa e da sociedade para situação emergencial e de integração dos órgãos fiscalizadores com o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Essas determinações aproximam-se das disposições da Lei nº 12.608, 10 de abril de 2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, cujos objetivos incluem a incorporação da redução do risco de desastre e das ações de proteção e defesa civil no planejamento das políticas setoriais e o desenvolvimento da consciência nacional acerca dos riscos de desastre.

Na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), o Relator, Deputado Stefano Aguiar, concordou com o Deputado Alan Rick, Relator dos projetos de lei na Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), segundo o qual “as proposições ainda precisam ser aperfeiçoadas, em relação à fiscalização das barragens pelos órgãos públicos”.

O Relator na CMADS afirmou que, “conforme salientado por representantes do Ministério Público na Comissão Externa sobre o Rompimento de Barragem na Região de Mariana (MG), atualmente, a fiscalização está baseada principalmente na análise documental. Embora os fiscais não possam prescindir dessa análise, a vistoria deve abranger, também, avaliação de indicadores que comprovem a segurança da estrutura”.

O Substitutivo aprovado na CINDRA consolidou os dois projetos e inseriu dispositivo no art. 5º da Lei nº 12.334/2010, para melhorar as condições de fiscalização da segurança de barragem.

Em 2 de agosto de 2017, o PL nº 3.775, de 2015, com a proposição PL n° 4.287, de 2016, apensada, foi recebido pela Comissão de Minas e Energia (CME), tendo sido designado Relator o Deputado Ronaldo Benedet. Em 13 de dezembro de 2018, as proposições foram devolvidas à CME sem manifestação.

Também é importante mencionar que a Medida Provisória – MPV nº 791, de 2017, que criou a Agência Nacional de Mineração e extinguiu o DNPM tratava de barragens no art. 6º e no inciso V do § 1º do art. 24, nos seguintes termos:

Art. 6º – A ANM poderá credenciar, nos termos estabelecidos em norma específica, pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, de notória especialização, de acordo com padrões internacionalmente aceitos, para expedição de laudos, pareceres ou relatórios que demonstrem o cumprimento dos requisitos e das exigências impostos aos titulares de direitos minerários pela legislação ou pela ANM, inclusive quanto à segurança e à estabilidade de barragens de mineração.

Art. 24 – (…)

  • 1º A fiscalização a que se refere o caput, entre outras atividades, compreende:

(…)
V – as vistorias técnicas presenciais em empreendimentos minerários, inclusive para garantir o aproveitamento racional das jazidas, a segurança técnico-operacional das minas e de barragens e o fechamento adequado das minas; (…)

No entanto, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei de Conversão nº 37, referente à MPV nº 791, de 2017, que deu origem à Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017, que sequer traz a expressão “barragens”. O Relator da matéria foi o Deputado Leonardo Quintão.

Nesse contexto, é importante destacar que o rompimento de barragens não é raro no Brasil. Além dos rompimentos de Mariana e Brumadinho, há inúmeros exemplos recentes de desastres dessa natureza:

  • 05 de fevereiro de 2016: um talude da lagoa da Mineradora Meia Lua se rompeu em Jacareí (SP), resultando no lançamento de rejeitos provenientes da extração de areia no rio Paraíba do Sul. Não houve feridos no local, mas a captação de água foi suspensa em São José dos Campos;
  • 10 de setembro de 2014: rompimento da barragem B1, da Herculano Mineração, em Itabirito (MG), deixou três mortos. A investigação apontou que uma sucessão de erros e a omissão deliberada dos responsáveis da empresa foram as causas para o rompimento;
  • 29 de março de 2014: rompimento de parte da estrutura da barragem da hidrelétrica de Santo Antônio, em Laranjal do Jari (AP), que deixou um funcionário morto e três desaparecidos;
  • 16 de março de 2008: rompimento da estrutura que ligava o vertedouro à represa da Mina Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional, que causou aumento do volume do rio Maranhão e desalojou quarenta famílias;
  • 28 de maio de 2008: rompimento de barragem em Itabira (MG), com vazamento de rejeito químico de mineração de ouro;
  • 10 de janeiro de 2007: rompimento da barragem de rejeitos de lavras de bauxita da empresa Mineração Rio Pomba Cataguases, terceira maior produtora de bauxita do Brasil. O rompimento foi o segundo na mesma barragem, tendo o primeiro, em 2006, atingindo os Municípios de Miraí, Muriaé e Patrocínio do Muriaé, em Minas Gerais, e Laje de Muriaé e Itaperuna, no Rio de Janeiro. No rompimento de 2006, houve interrupção do abastecimento de água no noroeste e no norte fluminenses;
  • 29 de março de 2003: rompimento da barragem de lixívia preta da Indústria Cataguases de Papel Ltda., no Município do mesmo nome, que se espalhou por quase 100 km nos rios Pomba e Paraíba do Sul. O desastre deixou mais de 600 mil pessoas sem água e causou grandes impactos na região; e
  • 23 de junho de 2001: rompimento da barragem da Mineração Rio Verde, em Macacos, Nova Lima (MG), causando a morte de cinco operários e assoreamento de 6,4 km do leito do córrego Taquaras.

Importa destacar, ainda, que o mais grave rompimento de barragem no Brasil, antes de Brumadinho e Mariana, tinha ocorrido em 1986, quando houve o rompimento da barragem de rejeitos da mina de Fernandinho, do Grupo Itaminas, em Itabirito (MG), matando sete pessoas.

Observa-se, então, que desastres com rompimento de barragens são frequentes no Brasil, especialmente aquelas destinadas ao acúmulo de rejeitos.

De acordo com o Professor Aloysio Portugal Maia Saliba, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, que proferiu palestra em audiência pública da Comissão Externa sobre o Rompimento de Barragem na Região de Mariana, as barragens de rejeito da mineração são construídas e, muitas vezes, alteadas ao longo de toda a operação, o que faz com que o controle sobre elas tenha que ser mais rigoroso.

Como apurado na mesma Comissão, existem, hoje, em torno de dez mil concessões de lavra de todos os bens minerais no antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM).

As barragens de rejeitos estão sob a fiscalização desse órgão, mas seu quadro de servidores está muito abaixo do necessário para atender a demanda. O Brasil possui 402 barragens inseridas na PNSB; a grande maioria tem risco crítico considerado baixo, porém há uma expressiva quantidade de barragens de mineração no Brasil com dano potencial considerado alto.

A Lei nº 12.334/2010 obriga a elaboração do PAE apenas para a barragem classificada como de dano potencial associado alto. Sendo assim, nem todos os empreendimentos de barragem estão incluídos na Lei e, destes, nem todos estão obrigados a apresentar o PAE. Este parece ser um ponto frágil da Lei 12.334/2010.

Nos termos dessa Lei, o empreendedor é responsável pela segurança da barragem, aí incluídas as inspeções de segurança.

No que diz respeito à fiscalização, a Lei estabelece, como órgãos fiscalizadores: a entidade que outorgou o direito de uso dos recursos hídricos, observado o domínio do corpo hídrico, quando o objetivo for de acumulação de água, exceto para fins de aproveitamento hidrelétrico; a entidade que concedeu ou autorizou o uso do potencial hidráulico, quando se tratar de uso preponderante para fins de geração hidrelétrica; a entidade outorgante de direitos minerários para fins de disposição final ou temporária de rejeitos; e a entidade que forneceu a licença ambiental de instalação e operação para fins de disposição de resíduos industriais.

O órgão fiscalizador deve implantar o cadastro das barragens e informar imediatamente à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil qualquer não conformidade que implique risco imediato à segurança ou qualquer acidente ocorrido nas barragens sob sua jurisdição.

Os Projetos de Lei nº 3.775, de 2015, nº 4.287, de 2016, e respectivo Substitutivo, traziam avanços à Lei nº 12.334/2010, fortalecendo as ações de prevenção a desastres, de preparação da empresa e da sociedade para situação emergencial e de integração dos órgãos fiscalizadores com o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Essas proposições podem ser consideradas importantes e necessárias ao País. Elas deviam ter sido apreciadas e votadas no Congresso Nacional, e enviadas à sanção do Presidente da República.

Em que pese serem importantes e necessárias, ressalte-se que elas não são suficientes para resolver o problema, caso impere a irresponsabilidade das empresas mineradoras e a omissão dos órgãos públicos.

Comprovada a lavra ambiciosa de uma concessionária de exploração de um bem público, deve haver a caducidade do título de concessão, nos termos do art. 63 do Código de Mineração.

Destaque-se, também, que caiu por terra a tão propalada “eficiência” da Vale após a sua privatização. É hora de se comparar o desempenho da “Vale estatal” com o da “Vale privada”. Será que a “Vale estatal” teria adotado procedimentos de engenharia para prevenir rompimentos como os de Mariana e Brumadinho? Será que a tecnologia de barragens é comparável à tecnologia do Pré-Sal e das refinarias da Petrobrás? A privatização de atividades da Petrobrás pode levar a graves acidentes? A Vale deve ser reestatizada?

O maior desastre ambiental dos Estados Unidos foi consequência do vazamento de petróleo no poço de Macondo, no golfo do México, operado por uma empresa privada: BP; no Brasil, o maior desastre ambiental ocorreu em mina também operada por empresa privada. Seria coincidência?

São importantes questões a serem discutidas no Brasil de hoje, se quisermos um digno futuro para nossos filhos e netos!

 


* Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University (1999), ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às segundas-feiras.

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