A Sagrada Ordem Social Brasileira

Por Henrique Matthiesen*, para o Duplo Expresso

Nada mais divino, sublime, majestoso e sagrado no Brasil do que o seu ordenamento social. Afinal, nossa estratificação, segundo os obtentores do topo da pirâmide social, assim como os da base, seguem os ditames da divindade.

Creem eles que foram abençoados e designados para tal virtuosa colocação social, e que como representantes desta bendita missão agem como templários para sua manutenção; porquanto foram escolhidos, e os não possuidores desta divindade são hereges, indignos.

Astutos, utilizam-se de quatro forças simultâneas deste status corpus: a violência e a brutalidade; a fé e o doutrinamento.

Este sentimento de total crença despossuído de evidências, mas de absoluta confiança na divindade, é sem dúvida a síntese da humanidade em busca de sua imortalidade. Vale lembrar que todas as religiões, sem exceções, baseiam-se na fé para sua perpetuação e manutenção.

No Brasil colonizado pelos portugueses, sob forte influência católica, havia em seus dois desígnios entrelaçados: a empresa colonizadora que gerava lucros à Coroa e o Salvadorismo, que libertava os “selvagens” do inferno.

A catequização – sob o prisma da fé – estabeleceu o conceito secular de uma ordem social imutável, sagrada e divina.

O próprio sincretismo religioso permitido pelos colonizadores, contribuiu para a fecundidade deste controle social baseado na fé e no cabrestamento de qualquer opinião subversiva à ordem.

Doutrinariamente se consagrou que as diferenças sociais não são ações políticas ou fruto da luta de classes, mas um ordenamento social sagrado, onde não se deve contestar; afinal “eu nasci assim; eu cresci assim; eu sou mesmo assim; vou ser sempre assim”.

Embutida em nosso DNA a autoridade senhoril, fomos instruídos à domesticação da aceitação inconteste do que nos é estabelecido; obviamente que por meio das mais atrozes brutalidades, que até hoje são marcantes; assim como nossa passividade em não subverter a ordem.

Composta por quatro escalas, a pirâmide social, no seu topo, é representada pela classe dominante articulada em um patronato moderno e extremamente conservador; o grande capital parasitário associado aos patronatos produtivos rurais e urbanos são os patrocinadores das instituições que os locupletam.

A camada intermediária composta pela classe média do funcionalismo público civil e militar, pelos profissionais liberais e pelos médios proprietários de negócios são os anteparos para os interesses dominantes. Conservadora, carrega todo tipo de preconceito e segregação do DNA tupiniquim.

Já a classe subalterna é formada por uma aristocracia operária, empregada nas indústrias ou nos setores de serviços pertencentes a ordem social sagrada; assalariada e periférica é reprodutora dos preconceitos propagados pelas classes intermediárias.

E por fim temos os oprimidos, os marginalizados e os hereges que estão no subemprego ou no desemprego, os despossuídos de cidadania e de qualquer espécie de direito.

Esta é a ordem sagrada imutável, constituída no Brasil desde sua colonização e que segue o desígnio fatal de uma sociedade desigual, com seus abismos de classes.

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* Henrique Matthiesen tem 42 anos de idade e nasceu em Americana-SP. Atualmente mora em Brasília – DF.
É Bacharel em Direito e articulista em diversos jornais do Brasil. Escreve desde 2001 e tem mais de 1300 artigos publicados sobre, dentre outros assuntos, conjuntura política, literatura, história e cultura geral.

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