Desnacionalizada! – como a Vale (ex-CVRD) se tornou uma empresa estrangeira

O especialista em Minas e Energia, PhD em Engenharia na área do petróleo, Paulo César Ribeiro Lima comenta sobre a “desnacionalização da Companhia Vale”. Um tema tão rico, que o seu comentário acabou dividido em duas partes. Aqui a parte inicial, no Duplo expresso de hoje:

Ribeiro Lima apresenta sua visão sobre o processo. O “discurso oficial” justifica a migração das ações da empresa para o Novo Mercado (Brasil, Bolsa, Balcão) como a adoção de um conjunto de regras societárias, e de governança, além da divulgação de políticas e existência de mecanismos de transparência, fiscalização e controle. Na verdade, o que está em jogo é a perda do poder de veto do Estado brasileiro sobre ela, bem como transformá-la – convenientemente – em uma sociedade sem controle definido. Será que isso interessaria aos brasileiros?

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Nota dos editores: o tema da desnacionalização da Vale foi levantado pioneiramente por nós, em agosto de 2017 (aqui e aqui). De maneira inexplicável, permaneceu até aqui sendo uma pauta exclusiva do Duplo Expresso, sem ser retomada por outros veículos, seja do PIG (Partido da Imprensa Golpista), seja da “Blogosfera (dita) Progressista”. Aliás, vale lembrar que o “press release” dissimulando o golpe foi publicado com destaque ($$$) na Central do Plano B/ Brasil 171:

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“A Vale e o Novo Mercado”
(título original)

Por Paulo César Ribeiro Lima, para o Duplo Expresso

A Vale foi fundada pelo Governo Federal Brasileiro, em 1º de junho de 1942, por meio do Decreto-Lei n° 4.352, e definitivamente em 11 de janeiro de 1943, pela Assembleia de Constituição Definitiva da Sociedade Anônima Companhia Vale do Rio Doce S.A., sob a forma de sociedade de economia mista, com o objetivo de explorar, comercializar, transportar e exportar minérios de ferro das minas de Itabira, e explorar o tráfego da Estrada de Ferro Vitória-Minas, que transportava minério de ferro e produtos agropecuários pelo Vale do Rio Doce, na região Sudeste do Brasil, até o porto de Vitória, localizado no Estado do Espírito Santo.

O processo de privatização da Companhia foi iniciado em 1997. Nos termos do Edital de Privatização da PND-A-01/97/CVRD e da Resolução do Conselho Nacional de Desestatização – CND nº 2, de 5 de março de 1997, a Assembleia Geral Extraordinária aprovou, em 18 de abril de 1997, a emissão de 388.559.056 debêntures participativas, não conversíveis em ações (Debêntures Participativas), com vistas a garantir aos acionistas pré-privatização, inclusive a própria União Federal, o direito de participação no faturamento das jazidas minerárias da Vale e de suas controladas, não valorados para fins da fixação do preço mínimo do leilão de privatização da Vale.

As Debêntures Participativas foram atribuídas aos acionistas da Vale em pagamento do valor de resgate de ações preferenciais classe “B” emitidas, em bonificação, na proporção de uma ação detida pelos detentores de ações ordinárias e preferenciais classe “A”, à época, mediante capitalização parcial de reservas de lucros da Vale. As Debêntures Participativas somente poderiam ser negociadas após prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a partir de 3 meses do final da realização da Oferta Pública Secundária de Ações prevista no processo de privatização.

Em 6 de maio de 1997, foi realizado o leilão de privatização, quando o Governo Brasileiro alienou 104.318.070 ações ordinárias de emissão da Vale, equivalentes a 41,73% do capital votante, para a Valepar S.A. – Valepar, pelo valor de aproximadamente R$ 3,3 bilhões. Posteriormente, o Governo Brasileiro vendeu, ainda, 11.120.919 ações ordinárias representando, aproximadamente, 4,5% das ações ordinárias em circulação, e 8.744.308 ações preferenciais classe “A”, representando 6,3% das ações preferenciais classe “A” em circulação, por meio de uma oferta restrita aos empregados da Vale.

Em 20 de março de 2002, foi realizada Oferta Pública Secundária de Ações de emissão da Vale, na qual o Governo Brasileiro e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES alienaram, cada um, 34.255.582 ações ordinárias de emissão da Vale. A demanda, por parte de investidores no Brasil e no exterior foi substancial, superando a oferta em aproximadamente três vezes, o que levou à venda da totalidade do lote de 68.511.164 ações. Uma parcela de cerca de 50,2% foi colocada no mercado brasileiro e o restante foi vendido para investidores estrangeiros. Posteriormente, em 4 de outubro de 2002, foi obtido o competente registro das Debêntures Participativas junto à Comissão de Valores Mobiliários, permitindo a sua negociação no mercado secundário.

A atual Vale S.A. – Vale é uma das maiores mineradoras do mundo. A Vale tem capitalização de mercado de aproximadamente US$ 67 bilhões, com cerca de 237.000 acionistas em todos os continentes. É a maior produtora mundial de minério de ferro e pelotas de minério de ferro e a maior produtora mundial de níquel. A empresa também produz minério de manganês, ferroligas, carvão térmico e metalúrgico, cobre, e subprodutos de metais do grupo da platina, ouro, prata e cobalto. As ações da Vale são negociadas na B3 – Brasil, Bolsa, Balcão (Vale3), New York Stock Exchange – NYSE (VALE) e Euronext Paris (Vale3).

A Tabela 1 apresenta informações sobre a titularidade das ações da Vale pelos acionistas que detinha em benefício mais de 5% de qualquer classe do capital social em circulação, bem como o total detido de forma agrupada por diretores e diretores executivos, em 31 de dezembro de 2016.

Tabela 1 – Titularidade das ações da Vale em 31 de dezembro de 2016

A Valepar foi constituída em 9 de abril de 1997 exclusivamente para participar como acionista da Vale, da qual era controladora. Em 20 de fevereiro de 2017, os acionistas da Valepar anunciaram proposta de reestruturação, na qual passariam, mediante incorporação da Valepar pela Vale, a ser acionistas diretamente na Vale. A Tabela 2 apresenta as informações relativas à propriedade das ações ordinárias da Valepar, em 31 de dezembro de 2016.

Tabela 2 – Propriedade das ações ordinárias da Valepar

A Valepar foi constituída em 9 de abril de 1997 exclusivamente para participar como acionista da Vale, da qual era controladora. Em 20 de fevereiro de 2017, os acionistas da Valepar anunciaram proposta de reestruturação, na qual passariam, mediante incorporação da Valepar pela Vale, a ser acionistas diretamente na Vale.

A Litel Participações S.A. é uma sociedade anônima, de capital aberto, com sede na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, constituída em 21 de julho de 1995, cujo objeto social é a participação, sob qualquer forma, no capital de outras sociedades civis ou comerciais, com sede no país ou no exterior, como sócio-quotista ou acionista, quaisquer que sejam os seus objetos sociais. A holding é o veículo pelo qual Previ, Petros, Funcef e Funcesp investem na Vale. Em 1º de outubro de 2018, a Previ possuía 80,6% da Litel e 21,33% do capital total da mineradora.

Em 31 de março de 2017, a Valepar S.A. – Valepar controlava 53,9% das ações ordinárias em circulação e 33,7% do capital total em aberto da. Como resultado de sua participação acionária, a Valepar podia eleger a maioria dos conselheiros e controlar o resultado de algumas ações que requeriam a aprovação dos acionistas.

Os acionistas da Valepar celebraram um acordo que regia suas ações na qualidade de acionista da Vale. Esse acordo de acionistas expirou em 9 de maio de 2017, e alguns acionistas da Valepar firmaram um novo acordo de acionistas que entrou em vigor em 10 de maio de 2017.

Esse novo acordo contemplou uma proposta de alteração da estrutura de governança e da celebração de um acordo de acionistas no nível da Vale, vinculativo em relação a 20% de nossas ações ordinárias, o que continuará a dar influência significativa a esses acionistas. O Governo Federal Brasileiro detém 12 Golden Shares da Vale, que lhe confere poder de veto limitado sobre determinadas ações da companhia.

Em 20 de fevereiro de 2017, a Vale comunicou que, para fins do disposto na Instrução CVM nº 358/2002, foi arquivado um novo acordo de acionistas celebrado pela Litel Participações S.A., Litela Participações S.A., Bradespar S.A., Mitsui & Co., Ltd. e BNDES Participações S.A. – BNDESPAR, na qualidade de acionistas da Valepar S.A. para vigorar a partir de 10 de maio de 2017, do término do Acordo de Acionistas da Valepar vigente à época.

O Acordo Valepar, além das regras comuns relativas a voto e direito de preferência na aquisição de ações dos acionistas, dispõe sobre a apresentação pelos acionistas de uma proposta à companhia com o objetivo de viabilizar a listagem da Vale no segmento especial do Novo Mercado da B3 e a transformá-la em uma sociedade sem controle definido.

A proposta consistiu basicamente de:

  • conversão voluntária das ações preferenciais classe A da Vale em ações ordinárias, definida com base no preço de fechamento das ações ordinárias e preferenciais;
  • alteração do Estatuto Social da Vale, nos termos da minuta anexa ao Acordo Valepar, para adequá-lo às regras do Novo Mercado; e
  • incorporação da Valepar pela Vale.

Os detentores de American Depositary Shares – ADS representativas das ações preferenciais classe A da Vale, ADSs preferenciais, poderiam aderir à conversão voluntária, caso em que receberão American Depositary Shares representativas das ações ordinárias da Vale, ADSs ordinários.

O novo Estatuto Social da Vale estabelece:

  • o mínimo de 20% do Conselho de Administração será composto por conselheiros independentes;
  • a alienação de controle societário assegurará tratamento igualitário àquele dado ao acionista controlador alienante a todos os acionistas titulares de ações ordinárias mediante oferta pública de aquisição de ações ordinárias – OPA;
  • nenhum acionista ou grupo de acionistas poderá ser titular de ações da Vale em quantidade igual ou superior a 25% do total das ações ordinárias de emissão da sociedade ou do capital total, excluídas as ações em tesouraria, sob pena de ter que realizar OPA para os demais acionistas titulares de ações ordinárias;
  • solução de conflitos por meio de arbitragem perante a Câmara de Arbitragem.

A Vale informou que por conta da adesão de mais de 54,09% das ações preferenciais classe “A”, excluídas as ações em tesouraria, de emissão da companhia à conversão voluntária prevista na proposta de reestruturação societária, foi aprovada em Assembleia Geral Extraordinária da Valepar, realizada em 14 de agosto de 2017 a incorporação desta pela Vale. Em virtude dessa incorporação, os acionistas da Valepar passam a deter participação direta na Vale, tendo sido a Valepar consequentemente extinta.

A Vale informou ainda que, conforme previsto na proposta, a Litel Participações, a Bradespar, o BNDESPar e a Mitsui & Co. celebraram, nesta data, Acordo de Acionistas da Vale, vinculando 20% das ações ordinárias de emissão da companhia, com prazo de três anos.

Em 22 de dezembro de 2017, a Vale anunciou que suas ações passariam a ser negociadas no segmento especial de listagem da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão denominado Novo Mercado, que possui um padrão de governança corporativa diferenciado. A listagem nesse segmento especial implica a adoção de um conjunto de regras societárias, e de governança, além da divulgação de políticas e existência de mecanismos de transparência, fiscalização e controle.

A migração para o Novo Mercado, em conjunto com a conversão das ações preferenciais classe “A” em ordinárias já realizada, segundo a Vale, reforçam o compromisso com elevados padrões de governança corporativa, além de trazer benefícios aos acionistas com uma estrutura societária simplificada e com uma maior liquidez das suas ações. A Tabela 3 mostra a composição acionária da Vale em 31 de outubro de 2018.

Tabela 3 – Composição acionária da Vale em 31 de outubro de 2018

A Figura 1 apresenta a composição acionária da Vale hoje em dia.

Figura 1 – Atual composição acionária da Vale

O Governo Federal do Brasil, detentor das Golden Shares, tem poder de veto sobre:

  • alteração da denominação social;
  • mudança da sede social;
  • mudança do objeto social relativa à exploração de jazidas minerais;
  • quer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações.
  • qualquer modificação de quaisquer dos direitos atribuídos por nosso Estatuto Social à ação preferencial de classe especial;
  • liquidação da empresa;
  • qualquer alienação ou encerramento das atividades de uma ou mais das seguintes etapas dos sistemas integrados de nossa exploração de minério de ferro: jazidas minerais, depósitos de minério, minas; ferrovias; portos e terminais marítimos.

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Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia Mecânica pela Cranfield University (1999), ex-consultor legislativo do Senado Federal e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às segundas-feiras.

 

 

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