O petróleo no Brasil e a importância do refino para a Petrobras

Por Paulo César Ribeiro Lima*, para o Duplo Expresso

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A história do petróleo no Brasil é marcada por diferentes períodos institucionais. O período de 1864 a 1938 foi marcado pela livre iniciativa. Nesse período, foram feitos alguns levantamentos geológicos e selecionadas algumas áreas exploratórias. A primeira sondagem profunda foi realizada entre 1892 e 1896, no Município de Bofete, Estado de São Paulo.

Em 1938, houve a nacionalização das riquezas do subsolo brasileiro e a criação do Conselho Nacional do Petróleo – CNP. De 1939 a 1953, o CNP foi organizado e integrado. O CNP dinamizou bastante a atividade de exploração de petróleo no Brasil. Assim, após a primeira descoberta comercial em Lobato, em 1939, foram descobertos os maiores campos terrestres brasileiros no Recôncavo Baiano.

O período caracterizado pelo monopólio da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras iniciou-se em 1953 no Governo do Presidente Getúlio Vargas, com a aprovação da Lei nº 2004, e acabou, de fato, em 1997, com a abertura do mercado e com a criação do órgão de formulação de políticas na área de energia e o órgão regulador.

O período de monopólio foi uma fase marcante na história do petróleo nacional pelo fato de a Petrobras ter nascido do debate democrático, atendendo aos anseios da sociedade brasileira e defendida por diversos partidos políticos.

Nesse período, a Petrobras foi implantada, integrada e expandida, com grande sucesso. Até o início da década de 1980, apesar de ter uma produção de petróleo muito abaixo da sua demanda, o Brasil se orgulhava de ter uma capacidade de refino superior às suas necessidades de derivados. Foi construído o parque brasileiro de refino, constituído por 14 refinarias, sendo 12 pertencentes à Petrobras.

Desde a sua criação, a história da Petrobras foi marcada por dificuldades, mas também por perseverança e sucesso. Ao iniciar suas atividades, a empresa dependia, quase que exclusivamente, da importação de materiais, equipamentos, serviços e recursos humanos especializados. Não havia no Brasil grande experiência na indústria petrolífera. A dependência externa em um setor estratégico era, assim, um fator crítico. Mas a dificuldade serviria como desafio.

Nesse contexto, a Petrobras acabou atuando como indutora da formação de mão de obra qualificada e de desenvolvimento de produtos e serviços em território nacional, tornando-se, dessa maneira, verdadeiro epicentro de progresso tecnológico e produtivo no Brasil. A indústria petrolífera brasileira acabou sendo grande impulsora de um projeto de desenvolvimento industrial que tinha como elemento central as políticas setoriais de substituição de importações, estratégia de enfrentamento ao processo de industrialização tardia.

Constitucionalmente, a Petrobras manteve-se como executora do monopólio estatal do petróleo nas atividades de exploração, produção, refino, transporte e comércio exterior até a promulgação da Emenda Constitucional nº 9, de 1995, que alterou o art. 177 da Carta Magna. Com essa promulgação, a União passou a poder contratar com empresas estatais ou privadas essas atividades, observadas as condições estabelecidas em lei.

Em 6 de agosto de 1997, foi publicada a Lei nº 9.478, que estabeleceu o regime de concessão nas atividades de exploração e produção, além de instituir o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP. Essa Lei representou o fim do monopólio da Petrobras e o estabelecimento da concorrência a partir do regime de concessão.

Após a descoberta da província do pré-sal, portadora de gigantescas reservas petrolíferas, o Congresso Nacional, a partir de iniciativas do Poder Executivo, decidiu alterar o marco legal da exploração e produção nessa província e em outras áreas estratégicas. Foi introduzido o modelo de partilha de produção, nos termos da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, e criada uma nova empresa estatal chamada Pré-sal Petróleo S.A. – PPSA. Essa empresa pública, criada por meio da Lei 12.304, de 2 de agosto de 2010, tem como principal objetivo gerir os contratos de partilha de produção e de comercialização da parcela da produção de propriedade da União.

Nesse modelo, as empresas participantes das licitações tinham que constituir um consórcio com a Petrobras, no qual a União será representada pela PPSA. A Petrobras tinha que ter participação de, no mínimo, 30% no consórcio vencedor. A União também poderá contratar diretamente a Petrobras para a pesquisa e posterior produção do petróleo, sem necessidade de licitação.
Esse modelo foi alterado a partir da promulgação de Lei nº 13.365, de 29 de novembro de 2016, que retirou essa obrigatoriedade, mas manteve o direito de preferência para a Petrobras ser operadora e ter 30% em cada consórcio.

O setor de refino pode ser dividido em sete etapas. A primeira etapa consistiu na inauguração de seis refinarias (Manguinhos, Rlam, Recap, RPBC, Reman, Reduc). Até o domínio da operação, foi uma etapa de grande aprendizado. Na segunda etapa, houve um aumento significativo da capacidade de processamento de petróleo, com a busca da autossuficiência. Foram construídas seis novas refinarias (Lubnor, Refap, Regap, Replan, Repar, Revap) e feitas ampliações nas refinarias existentes. A terceira etapa, por sua vez, teve como característica a otimização dos processos de refino.

A quarta etapa, iniciada na década de 1990, caracterizou-se pela retomada do crescimento do consumo de derivados e o consequente aumento de sua importação. Nessa etapa, a prioridade de investimentos foi dada à área de exploração e produção – E&P. A capacidade de refino da Petrobras estabilizou-se em cerca de 1,9 milhão de barris por dia desde a década de 1980, quando a última refinaria foi inaugurada (Revap).

A quinta etapa caracterizou-se pela decisão política, em 2005, de se construir novas refinarias no País. A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, com capacidade de 230 mil barris por dia, teve iniciada sua operação, com o primeiro trem de refino, em dezembro de 2014; o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj, no Estado do Rio de Janeiro, cujo primeiro trem, com capacidade de 165 mil barris por dia – mbpd, entraria em operação em 2016.

Também estava prevista a construção da Refinaria Premium I, no município de Bacabeira, no Estado do Maranhão (MA), com capacidade para processar aproximadamente 600 mbpd, com dois módulos de cerca de 300 mbpd, sendo que o primeiro entraria em operação em novembro de 2018 e o segundo, em janeiro de 2029. Foi prevista, ainda, a construção da Refinaria Premium II, no município de São Gonçalo do Amarante, no Estado do Ceará (CE), com capacidade para processar aproximadamente 300 mbpd, que entraria em operação em março de 2019.

A sexta etapa, a partir da reestruturação do Programa de Desinvestimentos – Prodesin em 2012, caracterizou-se pela redução dos investimentos da Petrobras. Na área de refino, foi suspensa a finalização do Comperj e cancelados os projetos das refinarias Premium I e Premium II. Decidiu-se, também, pelo foco na área de E&P e pelo aprofundamento do plano de desinvestimento.

A sétima etapa, iniciada em 2018, caracteriza-se pela proposta de privatização das refinarias das Regiões Nordeste e Sul e pela parceria entre a Petrobras e a China National Oil and Gas Exploration and Development Company – CNODC, subsidiária da China National Petroleum Corporation – CNPC, para finalizar o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj.

Em 27 de abril de 2018, a Petrobras informou sobre duas oportunidades de desinvestimento referentes à alienação de participação em refino e logística nas Regiões Nordeste e Sul. Entretanto, em razão da decisão cautelar do Ministro Ricardo Lewandowski, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5624-DF, foram suspensas as privatizações das Refinarias instaladas nessas Regiões.

O modelo previa a criação de duas subsidiárias, uma reunindo ativos da Região Nordeste e a outra reunindo ativos da Região Sul. A Petrobras pretendia vender 60% da participação acionária em cada uma dessas novas subsidiárias.

Como a venda de 60% representa a perda do controle acionário, essa venda está suspensa, mas se a Petrobras quiser privatizar esses ativos basta alterar esse modelo. A Estatal poderia simplesmente vender essas ativos com base na “Nova Sistemática”, determinada pelo Tribunal de Contas da União – TCU, por meio do ACÓRDÃO Nº 442/2017 – TCU – Plenário.

O TCU julgou inconstitucional o Decreto nº 2.745/1998, que estabelecia as bases da “Antiga Sistemática” de desinvestimentos da Petrobras, por regular matéria reservada à lei stricto sensu.
Da mesma forma, considera-se inconstitucional e ilegal o ACÓRDÃO Nº 442/2017 – TCU – Plenário, uma vez que, assim como o revogado Decreto nº 2.745/1998, trata de matéria reservada à lei.
Com relação à parceria no Comperj, uma vez quantificados os custos e benefícios, pretende-se formar uma Joint Venture (JV), que será responsável pela conclusão do projeto e pela operação da refinaria, com 80% de participação da Petrobras e 20% da CNPC.

Os desinvestimentos em refino parecem distanciar a Petrobras de seu objeto social, que integra diversas atividades produtivas. O objeto social da Petrobras é explicitamente expresso na Lei nº 9.478/1997:

Art. 61. A Petróleo Brasileiro S.A. PETROBRAS é uma sociedade de economia mista vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que tem como objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte de petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas, de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como quaisquer outras atividades correlatas ou afins, conforme definidas em lei.

Do ponto de vista da empresa, a maior diversificação de atividades, seja horizontal ou vertical, está associada a vários benefícios. Pode ocorrer aceleração do ritmo de crescimento da empresa com ampliação para novos mercados, reduzindo o risco vinculado ao ciclo de produto de cada mercado, bem como desenvolvimento em direção a mercados com maior potencial de expansão. A redução do risco permite maior estabilização de ganhos no longo prazo. A diminuição e internalização de custos de transação, como, por exemplo, na incorporação de atividades a montante ou a jusante, como o refino, é característica muito benéfica.

A diversificação pode beneficiar o incremento na eficiência técnica e produtiva, por meio de maior eficiência na alocação de recursos, via exploração de economias de escala e escopo, além da geração de novos produtos e inovação e de aumento nas competências gerenciais. A eficiência pode ser aumentada também pela criação de sinergias: comerciais, com a utilização comum de canais de distribuição e de quadros de administração de vendas; operacionais, pelo uso mais intenso de instalações e pessoal, com o aproveitamento de vantagens de curvas de aprendizado comuns; de investimentos, pelo uso conjunto de plantas industriais, repartição de estoques e de transferência de pesquisa e desenvolvimento de um produto para outro; e de administração, relativa à experiência acumulada com situações estratégicas, organizacionais e operacionais.

A Petrobras, como empresa estatal com participação estratégica em todo o território nacional, proprietária e operadora de oleodutos, gasodutos, terminais, refinarias, fábricas de fertilizantes e unidades petroquímicas, pode ser desintegrada.

Essa desintegração não se mostra estratégica nem para a Petrobras nem para o Brasil. Ela representaria o fim do principal projeto nacional, criado em 1953, por iniciativa que contou com o apoio de amplos segmentos sociais e políticos do País.

* Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e Ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às segundas-feiras.

 

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