Sobre militares no Brasil | A fala do professor Piero Leirner

Transcrição da fala do profº Piero Leirner no Duplo Expresso de Domingo em 14/10/2018) pelo Coletivo Vila Mandinga

  • “A fala do professor Piero Leirner é o que de mais interessante e importante encontramos até hoje sobre militares. Deve ser ouvido, visto, transcrito, impresso, lido, discutido, de cabo a rabo, em todo o Brasil, em todas as frentes. Principalmente a parte sobre o projeto do golpe militar já estar em construção há muito tempo”.

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Epígrafe

‘Mas o que a experiência e a História nos ensinam é que as nações e os governos jamais aprenderam qualquer coisa na História e jamais agiram de acordo com regras que dela poderiam ter derivado. Cada período apresenta características tão peculiares, atravessa condições tão específicas que decisões terão de ser tomadas, mas somente poderão ser tomadas no período e a partir dele’ (HEGEL, Filosofia da História em alemão. À margem, Lênin anotou: ‘Muito sagaz’; ‘penetrante e muito sagaz’, Collected Works, vol. 38, Londres, 1961, p. 307. In: FEYERABEND, Against Method: Outline of an Anarchist Theory of Knowledge (1975), port.  Contra o Método(1977), Introdução, p. 20, nota 4).

 

Entreouvido na Vila Mandinga:

A fala do professor Piero Leirner é o que de mais interessante encontramos até hoje sobre militares no Brasil. Está no “Duplo Expresso de Domingo” do dia 14/10/2018, em https://youtu.be/sHWj_vcfih4.
O programa deve ser ouvido, visto, transcrito, impresso, lido, discutido, de cabo a rabo, em todo o Brasil, em todas as frentes. Mas a parte sobre “o projeto do golpe militar já estava em construção há muito tempo”, começa no minuto 35’, mais ou menos, com introdução de Romulus Maya.

Adiante transcrevemos a fala do prof. Piero C. Leirner, depois de umas linhas recolhidas por aí, e metemos lá algumas perguntas. Se o professor nos responder, será lindo.

A transcrição ajudará os que, como nós, ensinamos palavra escrita. O que, repentinamente e contra nossa vontade, nos tornou extraordinariamente modernos e (sub)versivos.

 

 

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Longa Introdução

Dois projetos-de-lei de Bolsonaro, em 2017 são sobre o Whatsapp e a operação da Internet no Brasil. Estão tramitando. Podem ser lidos emhttps://goo.gl/vTZbZP e em http://www.camara.gov.br/sileg/, integras/1532722.pdf.
Encontrei essa notícia pesquisando no Google sobre “Bolsonaro Whatsapp”, que me levou a uma matéria que citava um tuíte do jornalista Leandro Beguoci (não sei quem é), de 7 de outubro de 2018 às 12h54, que está em https://twitter.com/leandrobeguoci/status/1049025068532203520 , que fala de Whatsapp, embora só no material citado, e onde se lê:

“Eu li quase todos os projetos de lei do Bolsonaro como deputado. E percebi que, em 2017, dois projetos destoaram da sua atuação parlamentar.”

Comecei a pesquisar “Bolsonaro Whatsapp”, porque li no Facebook que Steve Bannon trabalharia na campanha de Bolsonaro. Bannon é marketeiro de Trump, de LePen e de Salvini, dentre outros reacionários entreguistas americanófilos brilhantemente capitalistas pró-capital inteligentes (não é o caso de Bolsonaro). Mas Bannon é inteligente, como se comprova aqui em Breitbart BRASIL e aqui, em Breitbart original; e conhecido ex-editor-chefe de Breitbart (universal), como “o mago das fakenews.
Quem diz “mago das fakenews” diz “jornalista empregado ou patrão de mídia-empresa”; ou diz “jornalista empregado ou patrão de mídia-empresa e mestre manipulador das ‘redes’ ditas sociais, que nada têm de sociais porque são empresas privadas que, por definição não visam a nenhuma democracia e só visam ao lucro. – Mas, sim, há blogs que visam a alguma democracia, mas esses não são usados com interesse de lucro, nem por interesse jornalístico e só, só por interesse político.
Steve Bannon inclui-se em todas essas categorias com certeza. Menos provavelmente, tenho de declarar, na parte de ele se interessar exclusivamente ou primordialmente em algum lucro. Talvez não se interesse por dinheiro. Primeiro, porque é riquíssimo. Segundo porque o mundo está cheio de fascistas sinceros, fascistas que sinceramente creem nos feitiços do capital e da propaganda de repetição, os quais converteriam qualquer fascista do bem ou do mal, em soldado do bem.
Alguns desses fascistas são muito brilhantemente inteligentes e muitos sinceros (como Georges Soros, pra citar um dos melhores: “Eu estudava filosofia. Estava procurando a verdade e achei o dinheiro. Não foi culpa minha” [Roda Viva, George Soros, 18/6/2007, transcrição da Fapesp]).
A bancada de Roda Viva, naqueles idos, incluía gente realmente interessante, como o profº Luiz Belluzzo [aqui em cópia], o único, lá, que sabia, como nós aqui em casa, que Karl Popper, guru intelectual de Soros, escreveu em 1993/94 um livrinho intitulado Televisão: um perigo para a democracia. profº Beluzzo até levou o livrinho para lá. Nesse livrinho lê-se (tradução portuguesa):

KARL POPPER:

“A proposta que aventei não tem apenas um carácter de urgência, corresponde também a uma necessidade absoluta do ponto de vista da democracia. Eis, resumidamente, a razão: a democracia consiste em submeter o poder político a um controle. É essa a sua característica essencial. Numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora, a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal; pode mesmo dizer-se que é potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus. E será assim enquanto continuarmos a suportar os seus abusos.

A televisão adquiriu um poder demasiado vasto no seio da democracia. Nenhuma democracia pode sobreviver se não se puser cobro a esta omnipotência. E é certo que se abusa deste poder hoje em dia, nomeadamente na Jugoslávia, mas esses abusos podem ocorrer em qualquer sítio. O uso que se faz da televisão na Rússia é igualmente abusivo. A televisão não existia no tempo de Hitler, ainda que a sua propaganda fosse organizada sistematicamente com um poderio quase comparável. Com ela, um novo Hitler disporia de um poder sem limites.

Não pode haver democracia se não submetermos a televisão a um controle, ou, para falar com mais precisão, a democracia não pode subsistir de uma forma duradoura enquanto o poder da televisão não for totalmente esclarecido. De facto, os próprios inimigos da democracia apenas possuem uma débil consciência desse poder. Quando tiverem compreendido verdadeiramente o que podem fazer com ele, utilizá-lo-ão de todas as formas, inclusivamente nas situações mais perigosas. Mas então será tarde demais. É agora que devemos tomar consciência desse risco e submeter a televisão a um controle através dos meios que indiquei.

Os ‘democratas’ de 2018 falam de “regulação dos meios de comunicação”, mas o espírito deles não é melhor e dificilmente seria pior, que o de Popper. Se Bannon conhece a ferramenta Internet e sabe usá-la, como Popper conhecia a ferramenta TV, e como Soros conhece ferramenta ONG e o poder do dinheiro e todos esses também sabem usar tudo isso, a culpa pode ser de qualquer um, menos de Bannon, que sabe e diz de Soros que é “um mal, mas uma ideia brilhante” e que ensinou o italiano Salvini, direitaço, da Liga Norte, a dizer: “Queremos uma Itália em que Soros nunca ponha os pés”.

Outro bannonista italiano diz da sua posição política:

“Significa duas coisas: uma reação contra a globalização e dar o poder ao povo, tirando-o das elites. Não se trata de ir contra os ricos, e sim contra a corrupção do Estado, contra oestablishment. Os pobres não são pobres por culpa dos ricos, mas por culpa das leis. A elite não deve usar o Estado para seus interesses. Tem de ficar claro: o populismo de Trump e Bannon não se baseia em uma dialética marxista. É mais parecido com o american way (o jeito americano)”.

Não sei se perdi alguma coisa, mas isso é mais libertário que o PT-Jurídico, no Brasil do golpe, em 2017-2018.

Outro fato: Steve Bannon é marketeiro político, como se diz no Brasil, mas não é apenas mais um perfeito imbecil das ‘kumunicações’, como são a maioria dos marketeiros no Brasil, muitos dos quais formados na ECA-USP, como eu, lato sensu.

Bannon tampouco é marketeiro como os marketeiros tucanos, sociológicos e também liberais fascistizantes, muito por sincera convicção liberal fascistizante, muito também para saldar dívida pessoal, grana mesmo, porque devem tudo que hoje têm e são à tucanaria golpista de FHC, Aluysin, Serra e aos ex-PFLs e ex-DEMs aos quais prestam serviços.

Se o projeto político de Bannon for liberal fascistizante, isso não o tornará pior, na comparação com os brasileiros, porque o projeto dos marketeiros brasileiros também é liberal fascistizante.

Mas no caso do projeto dos marketeiros brasileiros o projeto é liberal fascistizante por ignorância e por efeito da dependência, não por inteligência e por efeito de projeto liberal imperialista, como o de Bannon. E nada muda, mesmo que Bannon diga que seu projeto seria  liberal.

Meu amado professor Roberto Schwarz talvez dissesse que Bannon é marketeiro liberal fascistizante ‘de primeira mão’. E que Lavareda e que-tais são marketeiros liberais-fascistizantes “de segunda mão”, como o são também muitos dos marketeiros petistas. E que por isso a ideologia de Bannon engana muito mais perfeitamente que a ideologia dos panacas das ‘kumunicações’ à brasileira, sejam tucanos, pefelês, “Podemos” ou petistas, ou nada, ou a Marina Silva.

Por isso também acho que se pode dizer que Lavareda e demais marketeiros liberais fascistizantes, das ‘kumunicações’ à moda USP-UDN, são o tal “escravo feliz” como li que Joaquim Nabuco escreveu sobre escravos ‘de literatura’; e também são o “desterrado na própria terra” de que falou Sérgio Buarque.

Com o que se pode dizer que esses marketeiros liberais fascistizantes de segunda mão à moda Lavareda (sociológico) e os demais marketeiros jornalistas liberais fascistizantes ativos no Brasil-2018 para eleger Bolsonaro, “o Nada”, são, pode-se dizer, escravos E desterrados na própria terra E felizes.

Tudo, até aqui, é resultado de trabalho coletivo, sobre o que aprendemos de nosso amado professor Roberto Schwarz, em “As ideias fora do lugar”, que se lê em https://goo.gl/nrnbnT, 1º capítulo do livro Ao Vencedor As Batatas“, São Paulo: Duas Cidades, 1992, 4.ª ed., onde aprendemos muito mais que isso aí. Aqui é só o começo.

Tudo isso considerado, então, já sabíamos em 2018 que, se Bannon estaria na campanha de Bolsonaro, o Whatsapp também estaria – porque ‘as redes’ – como era a TV nos anos 90, que Popper guru de Soros denunciou, mas não derrotou – são hoje item inafastável das campanhas liberais fascistizantes em geral que visam a uniformizar discursos e opiniões e análises e ‘jornalismo’ e os ‘mercados’; e das campanhas de Bannon, em especial. Por isso tanta coisa começou quando pesquisamos “Bolsonaro Whatsapp” no Google.

O golpe jurídico-militar-midiático & CIA no Brasil, em 2016, começou a ser preparado com certeza antes de 2014. Porque em 2014 Bolsonaro já estava em ação, por exemplo, na Academia Militar de Agulhas Negras, Rezende, RJ, onde já era aclamado “Líder! Líder!”. Veja e ouça em https://www.YouTube.com/watch?v=MW8ME9S87SI. Formandos da AMAN são o crème de la crème da elite militar do Brasil, dos quais 70-80% são filhos, netos, bisnetos (se não são, é questão de tempo, porque logo haverá até tataranetos de militares, os quais, nos EUA, são numerados e “encorajados a se desconectar da tecnologia e conectar-se à família”).

Sobre militares no Brasil, o que aprendemos até hoje de mais interessante aprendemos do professor Piero Leirner, da UFSCar [1], colaborador regular de “Duplo Expresso” – o melhor programa sobre a realidade política brasileira hoje no ar, no mundo.

O programa é diário, ao vivo às 6h, horário de Brasília, e todos os programas anteriores podem ser encontrado em http://duploexpresso.com/ E aos domingos há “Duplo Expresso de Domingo”, de debates, às 16h.

Duplo Expresso é coordenado por vários brasileiros que vivem longe do Brasil: um na Suíça, um na Suécia, uma na França, um outro em Portugal e a produtora em algum local do Brasil. Todos aí se dedicam apaixonadamente ao nobre trabalho de ajudar as pessoas a construir pensamento progressista e a se engajar em lutas políticas civilizacionais, socialistas, comunistas e libertárias, não a construir pensamento de repetição que só existe para engajar as pessoas à força em mercados, seja como consumidoras, seja como mercadorias.

Não deve surpreender ninguém que todos que trabalham com Duplo Expresso – colunistas, produtores, correspondentes e públicos assistentes saibam mais de Brasil que toda a ‘mídia’ brasileira e seus ‘intelectuais’ serviçais mestres, doutores e pós-doutores acocorados somados.

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Apresentação

A fala do professor Piero Leirner de que aqui se trata – o que de mais interessante e importante encontramos até hoje sobre militares – encontramos no “Duplo Expresso de Domingo” do dia 14/10/2018, que se encontra em https://youtu.be/sHWj_vcfih4
O programa deve ser ouvido, visto, transcrito, impresso, lido, discutido, de cabo a rabo, em todo o Brasil, em todas as frentes. Mas a parte sobre “o projeto do golpe militar já estava em construção há muito tempo”, começa no minuto 35’, mais ou menos, com introdução de Romulus Maya. 
Essa é a fala que aqui transcrevemos, inteira, e distribuímos aos que, como nós, precisam de palavra escrita. 
O professor Piero Leirner começa a falar em 42’23”. Parem tudo e ouçam lá, em https://youtu.be/sHWj_vcfih4, enquanto leem aqui (e podem corrigir a transcrição, trabalho pelo qual agradecemos, se nos mandarem a versão corrigida). 

Prof. Piero Leirner: [42’43”] “Chamou-me atenção, li na reportagem [q Romulus mostrou na introdução, traduzida ao port. em GGN], que a fonte [anônima] diga lá que os militares brasileiros se considerem tratados como ‘cidadãos de segunda classe’, vamos dizer assim.

Não exatamente a instituição ter perdido prestígio. É verdade que caiu um pouco depois da ditadura, mas recuperou-se. Mas os militares realmente ficaram com uma sensação de que tinham prestígio social muito baixo, na comparação com o que fora nos anos 50s e 60s, até 70s.

Lembro claramente – minha pesquisa com os militares começou nos anos 90.– Eu terminava de conversar com um general, alto escalão, que foi chefe de gabinete do Geisel. Acabava a entrevista, nos despedíamos, e ele ia embora de ônibus, pra casa dele, no Rio de Janeiro. Claramente eram pessoas que viviam em condições bastante diferente de algumas elites que ascenderam ao poder depois do período de redemocratização.

Mas é fato, sim, que os militares se fecharam muito, depois da abertura [risos]. A instituição militar sempre é muito pouco aberta à sociedade civil. E isso vem da própria socialização deles, desde lá, de cedo, sujeito para entrar no corpo de oficiais tem de fazer EsPCEx, entra praticamente com 14 anos no Exército. A maioria dos que entram são filhos de militares. Na última pesquisa que vi, a taxa de endogenia era coisa de 70, 75% dos novos oficiais, são filhos de militares. Tudo isso gera uma composição complicada.

Mas, sim, a articulação em torno do Bolsonaro eu detectei pela primeira vez em 2014, a partir de uma coisa muito, muito particular, que foi um vídeo, que o filho do Bolsonaro publicou no YouTube, de Bolsonaro presente numa cerimônia de formatura da AMAN.

A Academia Militar das Agulhas Negras, Rezende, RJ, é equivalente ao nível universitário. Sujeito entra como aspirante a oficial, depois q se forma na AMAN, depois de quatro anos, entra para a carreira militar. A AMAN é a base de toda a socialização entre os militares. Lá se cumprem todos os ritos de passagem, formam-se os grupos, as panelas, ali se encaminham para a Arma na qual farão carreira, Artilharia, Infantaria, Cavalaria. É lá que os cadetes vão às festas, aos bailes…

Bolsonaro é do Vale do Ribeira, SP. Entrou para a EsPECex, em Campinas, na adolescência, e depois foi para Rezende. Formou-se na AMAN na turma de 1977, é da Artilharia. Curiosamente, a turma de 1977 é a que tem hoje, acho, quatro, talvez cinco, generais de quatro estrelas, quer dizer, do alto comando. Significa que todos esses são companheiros de turma, amigos de sala de aula, de Bolsonaro. São turmas de 300, 350.

O que interessa observar é que é lá, naquelas turmas, que se forma uma camaradagem que dura o resto da vida. É um laço absolutamente orgânico, muito forte. Porque desde cedo é construída, mediante uma série de cerimônias, rituais e outros mecanismos simbólicos, a ideia de que existe um mundo lá de dentro, separado do mundo ‘lá de fora’, que eles chamam “dos paisanos”.

Romulus [46’01”]: Na AMAN [lê-se na matéria do jornal] é onde o Bolsonaro queria explodir a tal da bomba, quando ele fazia protestos…

Prof. Piero Leirner: Não, não. Não foi na AMAN. Foi quando ele já estava na EsAO, que é um grau depois, quando ele já estava como capitão. É a escola que habilita para qdo sujeito for major fazer a ECEME, que é, digamos a ‘pós-graduação’, acho que hoje o MEC considera equivalente ao mestrado (tenho de confirmar).

Romulus: Ok. Então não ali, mas noutro lugar, consolidou-se uma imagem de insubordinação do Bolsonaro. Mas a matéria do jornal argentino diz que essa imagem teria sido superada, que o comando das FFAA teria superado essa resistência inicial ao nome do Bolsonaro, e acabaram aceitando [Bolsonaro] como cavalo, para a volta, para a reabilitação das FFAA para a vida política.

Prof. Piero Leirner [47’04”]: Sim. E nisso concordo totalmente com o que diz o informante [anônimo] do jornal argentino. Seja ele das FFAA ou não, acho que sim. A minha percepção vai muito por aí.

Romulus: Antes disso, você falava que seu alerta tocou, quando você viu o vídeo… Porque não é coisa anódina. Ninguém chega numa formatura da AMAN daquele jeito, sem autorização do comando…

Prof. Piero Leirner[47’39”]: Isso. O comando levou Bolsonaro, sim, até os cadetes. E ele fez um discurso de palanque, diante de um grupo de mais ou menos 100, 150, não sei, mas eram muitos, gritando “Líder! Líder!” Não é secreto. Está no YouTube. É só procurar “Bolsonaro AMAN 2014”.

Com toda a certeza ele lá estava com anuência do comando da Academia, numa formatura muito solene à qual, geralmente, comparece o presidente da República. E nessa ocasião Bolsonaro diz, em discurso, que em 2018 ele vai chegar lá, para endireitar o país. E há um clima de efervescência em torno dele, lá.

É um vídeo curto, mas ali já se nota que o Exército, nessa hora, permitiu, respeitada toda a cadeia de comando, que uma pessoa fizesse palanque naquela solenidade. Quer dizer: a política [eleitoral] entrou ali. Pra mim estava mais que evidente.

Vi aquilo e pensei “como pode? O comandante não vai desautorizar isso?! Dilma não vai ficar sabendo?!” Foi pra mim um sinal de alerta, que mostrou que Dilma estava absolutamente desconectada do que estava acontecendo entre os militares do país nessa época. Pra mim ficou absolutamente claro ali que ela estava vivendo numa espécie de realidade paralela. Ninguém deixa os militares fazerem uma samba daqueles [interrompido].

Romulus [59’30]: (…) Prof. Leirner, você estava falando do relacionamento das FFAA… O que mudou, como pergunta aí o Felipe Quintas, a ponto de termos FFAA entreguistas? Como se deu esse ‘alinhamento’ das FFAA do Brasil, ao que se chama ‘ocidente anglo-sionista’? Será alguma venda casada, que exige abrir mão do nacional desenvolvimentismo? Explica pra gente.

Prof. Piero Leirner [1h00]: Antes, deixe-me fazer uma ressalva [sobre algo dito antes, que se compreenderá a seguir]. Quando fiz meu doutorado [2001], acho que o [general] Villas Boas ainda não era general, nem coronel. Eu não convivi, exatamente, com ele, como você disse. Mas, sim, passei pelo comando dele na Amazônia. Quem o conhecia melhor era uma aluna minha que pesquisava naquela época. Eu tive contato com outros comandantes em São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, com outros dois generais que passaram por lá, pesquiso lá há cinco anos, mais, desde 2010.[2]

Para falar do que você perguntou, deixe-me regredir um pouco, para uma coisa de que já falamos, pra vocês entenderem um ponto.

Já nos anos 90, com essa questão da queda do prestígio dos militares, muitos generais, quando saíam da carreira, começaram a se agregar em institutos, como o Instituto Liberal, em São Paulo, e outros think-tanks que ainda eram muito incipientes, estavam em formação, como o protoplasma do que é hoje esse Instituto Millenium e coisas desse tipo. Isso ainda engatinhava. Mas lembro do seguinte: todos eles tomaram um tombo muito grande com o Collor. E a conversa naquela época, nos anos 90, era que era inadiável construir-se um projeto para o Brasil.

Um dos problemas porém era que a esquerda era muito pouco permeável.

De fato, que eu me lembre, nos dois anos que frequentei a Escola de Comando do Estado-maior do Exército, a única pessoa da esquerda que ia lá era o José Genoíno [1h02’08”]. Ele tinha uma interlocução e teve durante algum tempo. Acho até que durante o governo Lula, foi tudo bem.

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VILA MANDINGA:
Perqunta-se ao profº Piero Leirner: Como foi o relacionamento do Ministro da Defesa Aldo Rebelo, com as FFAAs? 
Aldo Rebelo foi ministro da Defesa de Dilma, de 2/10/2015 a 12/5/2016. Veio depois de Jacques Wagner e antes de Raul Jungman. 

Um dos meus alunos, a quem pedi que visse para mim alguma coisa sobre Aldo Rebelo – comunista e membro do Comitê Central do PCdoB, e ministro da Defesa naquele momento, a quem as três forças armadas prestaram continência –, notou e anotou o seguinte:

“Na cerimônia de posse, o ministro Aldo Rebelo usou gravata similar à que o presidente Lula usou dia 10/5/2017, no 1º depoimento como réu da operação “lava jato” ao juiz Moro. Dado que se sabe desde Freud que não há coincidências, o que a história estará dizendo à história?”

Imagem esq: Posse de Aldo Rebelo como ministro da defesa em 8 de agosto de 2015 | Imagem dir: primeiro depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro em 30 de novembro de 2016

Passo adiante, aí, essa brilhante pergunta, que só surge quando se entrega a gestão das pesquisas a gente LIVRE para pensar e surpreender-se, em espírito de realmente fazer aumentar o conhecimento humano, sem indução – lição que aprendi de Karl Popper, em livro A Lógica da Pesquisa Científica (1934), 60 anos antes do livrinho sobre TV, e teoria epistemológica que, em matéria de potência criativa e revolucionária só perde para Contra o Método, de Paul Feyerabend, aluno de Popper, de onde extraí a extraordinária epígrafe (de Hegel, comentada por Lênin) que escrevi lá no começo só para guardá-la onde eu possa encontrar mais facilmente…

Resposta: Sei do que vi pela imprensa. AR sempre se esforçou muito para agir como ventríloquo do Exército. Entrou de cabeça nos temas morais, associados ao identitarismo. Eu não sei como era visto lá dentro, mas minha impressão é que parecia uma nota de R$ 3,00. Isso que ele sucedeu J. Wagner, que sucedeu Celso Amorin. Amorin era um excelente quadro, e Dilma queimou ele colocando o sujeito para apagar o fogo da Comissão da Verdade. Então você percebe que ela foi indo numa direção suicida, cada vez se afastando mais e achando que isso ia sair barato. Sempre me perguntei por que não se colocou um militar, que realmente entende do riscado, e que tivesse trânsito com gente civil, das universidades, sei lá. Alguém nessa posição poderia muito bem fazer a ligação necessária entre o Planalto e os militares. Tenho a impressão que hoje estaríamos dormindo melhor se a Dilma não tivesse criado essa tensão.

Outro aluno, mais jovem, perguntou, pergunta que também repasso: 

“E onde já se viu, no mundo, Forças Armadas que deixam a Polícia Federal prender um Almirante? Digno Almirante Othon que, consta, chegou a puxar a pistola pra resistir, matar e morrer, mas foi contido e desarmado, não sei por quem, parece. Prefiro Stálin, que mandaria essa Polícia Federal congelar dez anos na Sibéria, e fazia respeitar as FFAA, stalinistas, sim, mas nada é perfeito”. Certíssimo!

Resposta: Mas o que eles poderiam fazer? Othon estava na reserva, e a trinca PF-MPF-TRF4 estava com “aquela bola toda”, certo? Poder mesmo, do mesmo tipo que hoje é acionado pela entourage de Bolsonaro, ameaçando a tudo e a todos, e ninguém faz nada. Agora, a Marinha ficou tão absolutamente calada em relação a isso que fica difícil ter uma ideia do que se passou. O que vemos são apenas os resultados: o ProSub afundou, e isso não deve trazer nenhuma satisfação a eles.

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Prof. Piero Leirner[1h02”33’] Mas durante o governo Dilma começou a acontecer um dos eventos que precipitou que, em 2014 as coisas fossem galvanizadas em torno do Bolsonaro, com uma guinada efetivamente à direita: Dilma iniciou os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade [‎18/11/2011]. Esse movimento gerou grave ressentimento, muito grande, nas FFAA, no Exército, especificamente.

Não vou discutir se há ou não razão em se ter uma Comissão Nacional da Verdade. Acho, sim, que isso tudo teria de ter sido passado a limpo logo depois da transição, no início dos anos 85s, começo de 1990. Mas não é isso que interessa aqui. O que quero dizer é que, definitivamente, a pessoa errada [1h03’23”] pra precipitar esses trabalhos, era a Dilma.

Com aquele movimento, ela conseguiu jogar todas as FFAA no campo da direita, e de graça, sem ganhar nada com isso, e perdendo muito. Porque até então eles estavam bastante bem, eu acho, durante o governo Lula.

A atitude da Dilma começou a produzir uma espécie de reação em cadeia lá dentro, que culminou no lançamento daquele manifesto [1h03’59”] contra a Comissão Nacional da Verdade. E a Dilma mandou retirar o manifesto de todas as páginas da Internet, de associações e clubes militares. Isso gerou um contramanifesto. Quem pesquisar, verá que esse contramanifesto está hospedado naquela página do Coronel Ustra. E continua lá estão hoje (minha última contagem é de março) assinaturas de [1h04’28”] 130 e poucos generais e 870 coronéis. É muita gente. Ali um sentimento de antiesquerda começou a se (re)formalizar.

O segundo ponto é que quando essa brecha se abriu, evidentemente, aqueles think-tanks que já tinham algum acesso, entram de sola num trabalho de construção de uma espécie de hegemonia gramsciana em torno dos militares, especialmente esses que estavam lá no Rio Grande do Sul.

Quem pesquisar verá que grande parte da equipe do Bolsonaro hoje são militares gaúchos [1h05’18”].

Você, Wellington, fica se perguntando sobre o Romero Jucá [1h05’23”]. Quer saber qual foi o papel dele nessa história, no meu ponto de vista? [1h05’28”]. Ele está lá, por Roraima. Muito ligado àqueles arrozeiros gaúchos que foram atores centrais numa ligação com o Exército quando houve o problema da implantação da reserva Raposa Serra do Sol ali com os ianomâmi – um dos primeiros embates entre o Exército e o governo, acho que ainda era governo Lula.

Romulus [1h06’01”]: “Sim, governo Lula. Ministro da Justiça era Tarso Genro.”

Prof. Piero Leirner: [1h06’04”] Ali o Heleno começou a bater de frente com o governo do PT. Porque os militares achavam que ia rolar uma espécie de balcanização do estado de Roraima, que permitiria uma fragilidade geopolítica qualquer lá, que tornaria vulnerável aquela faixa de fronteira.

E essa discussão sobre a soberania da Amazônia começa a aproximar e juntar blocos que estavam mais ou menos dispersos por outros cantos. Isso quer dizer o quê? [Conta nos dedos] Quer dizer (1) liberais fazendo lobby e se juntando aos militares; (2) a expansão do agronegócio gaúcho e sua zona de influência chegando até os militares; (3) a teoria da soberania nacional ameaçada pela cobiça internacional; (4) o problema da Comissão da Verdade… São coisas que aparentemente não têm conexão, mas que vão se juntando e se cruzando e formando uma espécie de caldo ideal para que aparecesse essa figura do Bolsonaro [1h07’12”].

E também explica que os militares simplesmente tenham passado o rodo sobre o problema de o Bolsonaro ser um insubordinado, expulso do Exército e começarem a se organizar em torno desse sujeito.

Romulus [1h09’35”] (…) Mas como saímos daquele momento em que os generais não querem internacionalizar a Amazônia, para hoje, com Bolsonaro dizendo que, sim, tem de internacionalizar a Amazônia, que precisamos de ajuda para explorar a Amazônia?

Prof. Piero Leirner [1h09’46”]: Minha teoria vai para outro canto. Para mim, Bolsonaro é uma máquina de disparar contradições. Com certeza vocês já perceberam: tudo ali é dito pela manhã e desdito à tarde, falado e desfalado ao mesmo tempo. Mas isso é parte da estratégia de campanha. É o que se faz em Operação Psicológica: você cria essa completa ausência de referências, pessoas ficam desnorteadas e, depois, ele vem como o elemento que vai restabelecer o controle e a ordem. A ideia é simples. Em termos militares é sempre assim: você cria o caos, depois você vem com o braço forte e a mão amiga que cria a ordem que vai salvar desse caos. Só que você passa a ideia de que outras forças produziram o caos. Ele faz mais ou menos isso.

As pessoas simplesmente apagaram da memória que ele falou que ia vender a Amazônia. Apagaram da memória que ele bateu continência para a bandeira norte-americana. Há fotos para quem queira ver. É realmente estranho. Porque a dinâmica parece ter surtido efeito extraordinário e para todos os lados: a esquerda cai na esparrela, a direita cai na campanha, a imprensa cai na campanha. No Brasil, só cinco seis vozes que estão vendo tudo isso. Esse Duplo Expresso é uma delas, que veem o que de fato está acontecendo, fazendo leitura correta da situação. Isso, pra falar do problema da campanha. Porque a questão da Amazônia é super complicada [1h11’16”].

Porque efetivamente tinha esse negócio que vinha de um problema de não entregar a Amazônia, dos grandes que cobiçavam. Eles até adaptam a história militar pra reconduzir a leitura interna disso [1h11’39”], por exemplo, começam a falar a partir dos anos 90, quando começa a haver a ideia de que a Amazônia seria um teatro de operações; e Guararapes vira a principal referência de formação do Exército, da nacionalidade, querem levantar o mito de que as três raças se uniram lá para expulsar o inimigo que era uma potência estrangeira.

Podem ver. Até os anos 90, Guararapes era evento como qualquer outro. De repente passa a ser o grande evento. Eles mudam o Dia do Exército, para o dia 19 de abril, para falar de Guararapes. Há toda uma construção simbólica que se dá em torno disso. De um ponto em diante, os militares ligam uns pontos, juntam A com B.

Quem vai fazer a internacionalização da Amazônia? Primeiro eram as ONGs, financiadas pela Noruega, que aparecia como mais ou menos ligação das grandes potências, depois muda, não sei o quê, mas é tudo ameaça. Por exemplo, aparece a China, projetos de mineração chineses, petrolíferas da Noruega. Até que as coisas começaram de fato a acontecer. Vejam no governo Dilma: Campo de Libra. Quem foram os grandes ganhadores do leilão de Libra? Noruega e China. Aí os militares começam a acordar, o olho deles [dos militares] começa a abrir. Começam a acordar: aqui tem alguma coisa errada. Claro.

A que tradição vamos nos alinhar? À China? Ou à tradição ocidental à qual pertencemos? Acho que houve um cálculo aqui, de escolher [entre aspas] “o menos pior para nós”. [interrompido]

Romulus (1h14”05’) (…) A matéria do jornal argentino que estamos comentando elogia Macri e diz esperar que Bolsonaro leve o Brasil para o mesmo caminho. (…) Impressionante, além de tudo mais, também, é que absolutamente não se discuta coisa alguma nesse campo, nem na campanha eleitoral nem na mídia. De modo geral, o debate no Brasil é sempre ‘autóctone’, todos tendendo a ver o Brasil como uma ilha. Nesse caso, além do desinteresse pelo cenário internacional, nesse caso há ainda uma vontade dos meios, no Brasil, de esconder. OK. Mas no Brasil, nem a esquerda fala da Argentina!

Prof. Piero Leirner [1h26’06”] Para mim, também, fiquei com uma interrogação. O silêncio sobre a situação da Argentina. A matéria do jornal argentino tem muita coisa que acho que não encaixa. Acho que muitos militares devem estar dizendo “Vamos ver depois como ficará isso aí”.

Até onde me lembro, todas as resoluções de planos estratégicos para o futuro – e já era ponto de vista muito solidificado dentro do exército –, é que no plano geopolítico o Brasil deveria adotar postura multilateral com muitos parceiros diversificados aqui e ali, nunca estabelecer uma dependência de um bloco ou de um parceiro só.

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VILA MANDINGA:
Pergunto ao prof. Piero Leirner: Mas o general Golbery tinha, parece, em 1953, projeto de “ancorar o Brasil ao mundo desenvolvido”, os EUA. Por exemplo:

“(…) o Brasil parece estar em condições superiores, pela sua economia não competitiva, pela sua larga e comprovada tradição de amizade, e sobretudo, pelos trunfos de que dispõe para uma barganha leal – o manganês, as areias monazíticas, a posição estratégica do Nordeste e da embocadura amazônica com seu tampão da Marajó – de negociar uma aliança bilateral mais expressiva, que não só nos assegure os recursos necessários para concorrermos substancialmente na segurança do Atlântico Sul e defendermos, se for o caso, aquelas áreas brasileiras tão expostas a ameaças extracontinentais, contra um ataque envolvente ao território norte-americano via Dakar-Brasil-Antilhas, mas uma aliança que, por outro lado, traduza o reconhecimento da real estatura do Brasil nesta parte do Oceano Atlântico, posto um termo final a qualquer política bifronte e acomodatícia em relação a nosso país e à Argentina, ambas nações, por exemplo, igualmente aquinhoadas, contra todas as razões e todas as evidências, em armas de guerra naval” (GOLBERY, 1952. “O espaço brasileiro” I. In: Geopolítica e Poder, p. 41, na Internet, itálicos meus).

Quando isso viraria, se virou “nacional desenvolvimentismo”, para acabar com Bolsonaro prestando continência à bandeira dos EUA?!

Resposta: Mas o que era o mundo em 1950, 1960? Era um ou outro, certo? Não tinha a opção clara do “multilateralismo”. Isso começa a aparecer mais na década de 1970… Nixon na China, descolonização da África. Pode ver que o Golbery depois desenvolve aquela teoria da “sístole e diástole”, contração e expansão. Ele, e o General Meira Mattos já esboçavam a ideia de uma projeção subcontinental via Amazônia e atlântico Sul. Isso me parece algo afinado ao Lula, não? Foi um período excelente de casamento entre uma geopolítica e uma política de defesa, penso eu. Todo ele desperdiçado depois, e caindo em um buraco negro agora.

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[1h27”54’] Em termos do que seria nossa projeção de poder, é muito difícil não notar, por exemplo, que a missão de paz no Haiti – quando o Heleno inclusive se consagra como comandante de tropa, enfim, não só como teórico, porque ele, enfim, tem trajetória brilhante nas escolas militares, mas foi lá, comandou e tal. – Mas o que era o Haiti, naquela época? Era o Brasil fazendo projeção de poder [brasileiro] em cima de Cuba! Estavam vendo que o negócio no Haiti estava desmantelando, e o Brasil estava chegando junto, ali, na porta de entrada pra Cuba.

Que significa você instalar uma brigada inteira num lugar como São Gabriel da Cachoeira, lugar no meio do nada, ali, na Cabeça do Cachorro na Amazônia? Significa o Brasil fazer projeção de poder ali, no Calha Norte. É Andes, é Caribe, é chegar em toda aquela região. Projeção de poder do Exército do Brasil.

Mas então, de repente, todo esse discurso [1h28”05’] todo, tudo muda. Antes, Cuba, Venezuela, sim, eram lugares onde evidentemente o Brasil estava a fim de entrar ali, como uma potência mediana, vamos dizer assim, e fazer, digamos, a intermediação, ou a regulagem da inserção dos militares brasileiros digamos, no sistema mundial [perto da linha do Golbery? Ou não?]. E aí… Pára tudo.

Voltando a esse negócio da China, começa a ficar um certo pavor de o país estar ficando talvez dependente demais das relações com a China. Principalmente a partir dos vários projetos de infraestrutura em que a China estava entrando, na eletricidade, petróleo e outros projetos, medo de o Brasil ficar endividado com a China, a ponto de não poder se livrar deles nunca mais.

Agora, por que esse guinada pró EUA? [1h2855”] Bom… Aí pode ser um pouco do cacife que o Bolsonaro adquiriu?.. Os militares podem ter pensado, “ok, é o que temos por enquanto”. OK. [Mas combina muito bem com o ‘projeto’ aliancista golberysta… Ou não?]

Mas eu não vejo o Mourão, por exemplo, com o mesmo discurso pró-EUA que o Bolsonaro tem [e Golbery tinha]. Talvez esteja enganado. [interrompido]

Prof. Piero Leiner [1h31”55’] Nesse plano de uma grande política, sim, concordo [que Bolsonaro seria um ‘cavalo’, só prô começo] Mas, eu sou antropólogo, vocês sabem. E não dá pra tirar da conta o fato de que o Bolsonaro vai promover uma política de extermínio de populações indígenas. E essa é uma conta com a qual a gente não vai poder viver. Não falo só de populações indígenas, nem falo de identitarismo. Há aí um problema muito real.

Mesmo que Bolsonaro ‘não dure no poder’, mesmo que seja só ‘um cavalo’, temos de pensar se ele não durará o tempo necessário para fazer esse tipo de serviço…[1h33”42]

Porque não é só o cálculo geopolítico e das potências e da economia. Os militares têm um problema de ordem moral, digamos, dos costumes e da gerência das populações que é muito complexo. E há caras que estão a fim de fazer uma limpeza no terreno, sim.

Por tudo isso, acho que temos de ter uma certa cautela, de não operar só com oposições binárias.

Temos um lado, sim, onde está toda a ala problemática do PT que, enfim, permitiu, claro, que se concretizasse toda essa meleca. Mas a coisa pode pesar pro lado deles [dos militares] [1h33”31’]. Porque, do meu ponto de vista, a gente está realmente ameaçado, numa série de campos. Muito complicado. [interrompido]

[2h00”05’] Prof. Piero Leirner [Rômulus pergunta sobre algo que o professor disse em programa anterior, sobre “…a chave para conseguir não eleger Bolsonaro é desconstruir a Lava-jato…”] Ah, sim, mantenho isso, mantenho sim. Mais do que nunca. Não só pelos motivos q vocês levantaram, que mostra que as bases reais e materiais de todo o problema estão associadas à Lava-Jato, mas principalmente porque todo o problema simbólico poderia ser resolvido. Não se pode dizer “facilmente resolvido”, mas poderia, sim, talvez, ser resolvido.

Única coisa certa, que não se pode negar, é que é absolutamente inócuo bater no Bolsonaro. É totalmente sem efeito. Porque o Bolsonaro é discurso vazio.

Penso naquele filme “Muito Além do Jardim”, em que um cara que passou a vida na frente da tv, sem contato com o mundo real, só fala linguagem vazia e metafórica, só clichês, é tomado por gênio e eleito presidente dos EUA. Bolsonaro é parecido com isso. Nada cabe nele [nada o descreve consistentemente, de modo a ser possível pensá-lo e, assim, de modo a ser possível desconstruído (o semioticista de plantão cá da VM)]. O que se pode fazer?

É preciso entrar em algum elemento lateral que tenha raízes na vida real e dá sustentação ao discurso dele [2h01”20’]. O que o discurso dele faz é colar a corrupção ao PT no poder. Que elemento fez essa cola? O Moro.

É preciso desconstruir o Moro, pra desconstruir o Bolsonaro. Sem essa ponte, é absolutamente ineficaz bater no Bolsonaro, em termos de campanha. Minha impressão é que a próxima pesquisa virá ainda mais trágica. Porque a estratégia dos petistas não vai funcionar nunca. Enquanto não pegarmos a Lava-Jato e mostrar que aquilo foi farsa do começo ao fim [nada funcionará]. Façam videozinhos didáticos.

Porque tudo que nós, aqui na bolha, vemos com tão absoluta clareza, não aparece na televisão. Povo não sabe de nada disso que, aqui, é normal, assunto de conversa. O povo não vê Sergio Moro de black-tie, ele e a mulher, chiques pra caramba, em festinhas, desfilando com Dória, pra cima e pra baixo. O povo não sabe. Essas imagens só circularam em sites de esquerda.

Desconstruir a Lava-Jato era vitalmente decisivo. Mas me parece que tá muito problemático para o PT atacar a Lava-Jato e livrar-se dela. Nesse ponto subscrevo a tese de vocês [que o PT jurídico armou uma cama de gato pra Lula e Dilma e todos].

Fim da fala do prof. Piero Leirner, dia 14/10/2018. MUITO OBRIGADO!

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[1] Piero de Camargo Leirner  – Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH). Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1991), mestrado em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (2001). Atualmente é professor associado IV da Universidade Federal de São Carlos. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em antropologia da guerra e em sistemas hierárquicos, atuando principalmente nos seguintes temas: hierarquia, individualismo, estado, guerra e militares. Desde 2013 também realiza pesquisa no alto rio Negro, sobre hierarquia em sistemas tukano (Fonte: Currículo Lattes).

[2] Como se lê na nota acima, o prof. Leirner “Desde 2013 também realiza pesquisa no alto Rio Negro, sobre Hierarquia em Sistemas Tukano (Fonte: Currículo Lattes)”.

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