O mal que ela nos faz

Por Pedro Augusto Pinho*, para o Duplo Expresso

No recente artigo – Moinhos de Vento ou Reflexões sobre a Eleição de 7 de outubro de 2018 – referi-me ao triunfo do sistema financeiro internacional, a banca, em colocar temas irrelevantes para a discussão política nesta eleição.

Mas não aprofundei esta ação de mudar o foco e mesmo o entendimento das verdadeiras questões nacionais.

Denomino “pedagogia colonial” esta desinformação, entranhada no conhecimento e no imaginário de todos os brasileiros, ricos e pobres, populares ou da elite.

Aspectos da Pedagogia Colonial

O maior sociólogo brasileiro vivo e dos maiores de todos os tempos, Jessé Souza, nos ensina que dois crimes são cometidos a todo momento, nas ruas, na imprensa, no convívio dos brasileiros: o ódio ao pobre e a criminalização da igualdade.

O ódio ao pobre é resultado da escravidão que jamais deixou de existir no Brasil.
A academia, as esquerdas políticas e intelectuais, com as exceções costumeiras, nunca fizeram a leitura autônoma da sociedade brasileira, o que dirá do Estado Nacional.

João Fragoso, desta magnífica geração que está redescobrindo o Brasil Colonial, afirmou que a história daquela época, a que sempre tivemos, foi uma cópia dos relatos estrangeiros e das limitadas referências memorialistas.

O grande sociólogo contemporâneo, Pierre Bourdieu, construiu sua grande contribuição à ciência sociológica não pela ideologia mas pela pesquisa, pela investigação empírica.

O Brasil não é somente mal conhecido, ele é deformado pela pedagogia colonial. Esta que coloca a corrupção, por exemplo, como o grande problema brasileiro. Se assim fosse os Estados Unidos da América (EUA), onde tudo, literalmente tudo, é resolvido pela quantidade de dinheiro envolvida, não teria alcançado seu poder econômico e militar.

A grande inimiga do conhecimento, que se adquire pela emoção mais do que pela razão, é a mídia, a televisão que no Brasil é um quase monopólio da Rede Globo. O mal que esta exclusividade faz ao País é visto no atraso social, cultural e também econômico e tecnológico em que vivemos.
Procurarei discorrer sobre alguns aspectos desta forma de levar a pedagogia colonial aos lares de toda a Pátria Brasileira.

Classes em nossa sociedade

Os marxistas, em geral, colocam a questão econômica e social como resultado da luta de classes, única forma de superar as desigualdades. Creio ser uma visão um tanto simplificada de uma realidade muito mais rica e complexa. É do que tratarei, desvendar esta sociedade, com o inestimável auxílio de Jessé Souza.

A sociedade brasileira tem, considerando as rendas, conforme dados de 2016 do IBGE, três estamentos sociais: a classe dos 1%, a elite; as classes médias, 16% e os pobres, os que vivem com renda inferior ao salário mínimo, 83%.

O que mais diferencia as classes médias dos pobres não é, no entanto, o rendimento, é o acesso ao conhecimento, a reprodução de um tipo de julgamento, de conceitos e classificações. Este conjunto está esplendidamente descrito em “La Distinction: critique sociale du jugement”, de Pierre Bourdieu (Les Éditions de Minuit, 1979).

Como concluiu, com sabedoria, Jessé Souza, o que mais ameaçou e colocou a classe média contra a política de aumento de renda e de oportunidades para a classe pobre, projeto de Lula, foi a entrada destes na Universidade. A condição de absorver os conhecimentos que distinguiam pobres de ricos; muito mais do que a frequência aos shoppings e aeroportos.

Os pobres passariam a ter os recursos que os fariam entender a diferença do gosto bárbaro do gosto “puro”, como trata Bourdieu.
A classe média é heterogênea, mas seus membros, na grande maioria, tratam-se como capitães-do-mato, na defesa dos 1% e na opressão e desinformação dos 83%. São os juízes, os militares, os fiscais, os empregadores e os intelectuais, que dão, com suas palavras e ações, a garantia das pós-verdades, das farsas e fraudes que confundem a população.

O ódio ao pobre vem da escravidão racial. Diz o imenso pensador, pedagogo, antropólogo Darcy Ribeiro: “A luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional. Nela se viu incorporado à força. Ajudou a construí-la e, nesse esforço, se desfez, mas, ao fim, só nela sabia viver, em função de sua total desafricanização”.  E, ainda: “As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa. A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão” (O povo brasileiro, Companhia das Letras, 1995).

Ataque midiático

Destruir a capacidade de refletir sobre si mesmo, seu futuro, é o objetivo colonial que a Globo coloca 24 horas no ar.

De acordo com Jessé Souza, o grande ataque midiático foi na criminalização da igualdade. Esta igualdade de acesso aos bens materiais, mais evidentes, mas, muito mais grave e profundo, na igualdade de se conhecer, se entender como pessoa e não um objeto de trabalho com a força, não com o cérebro.

Vem daí a necessidade de estar constantemente ofendendo, desconstruindo qualquer trabalho, qualquer criação de pobres, pretos e brancos, tão pobres que parecem pretos.

Haiti
(de Caetano Veloso e Gilberto Gil)

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados.

Jamais construiremos, com a Rede Globo impune e poderosa, uma Pátria Soberana, de cidadãos livres e conscientes, de si e dos outros.

O ódio puro, não a ideias, ideologias, a desvios de conduta, simples pretextos, o ódio é dirigido a pessoas: pretas, pobres, desvalidas.

Na Alemanha, o nazismo não começou contra os judeus, mas contra os deficientes físicos e mentais. É história. Pesquisem, averiguem.

Onde nos levará a mídia televisiva no País?
Qualquer resultado neste segundo turno será igual, se forem mantidos os privilégios da mídia televisiva e radiofônica, se não forem regulados os limites desta ditadura e de seu protetor, o judiciário.

O ódio ao Lula não se deve ao vermelho do PT, à corrupção em seu governo, à presença de pobres em supermercados, mas na abertura das universidades aos pobres e pretos, às cotas, à possibilidade de sair da influência da Globo. O que mantém o relativo poder dos capitães-do-mato do século XXI.

*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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