Regime Temer perde a lanterna nas profundezas do pré-sal, mas a luz ainda existe

Por Paulo César Ribeiro Lima

Análise da Cessão Onerosa e do PLC nº 78, de 2018

A Lei nº 12.276/2010 autorizou a União a ceder onerosamente à Petrobras o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural em áreas não concedidas localizadas no Pré-sal. A estatal tem a titularidade dos volumes de petróleo e gás cedidos pela União, sendo o exercício das atividades de pesquisa e lavra realizado apenas pela Petrobras, por sua exclusiva conta e risco, nos termos do Contrato de Cessão Onerosa.

O Projeto de Lei – PL nº 8.939, de 2017, de autoria do Deputado José Carlos Aleluia, que deu origem ao PLC nº 78, de 2018, em tramitação no Senado Federal, modifica a Lei nº 12.276/2010 e permite que a Petrobras negocie e transfira a titularidade desse Contrato, desde que seja preservada uma participação de, no mínimo, 30%.

Essa proposição é uma afronta ao art. 4º da própria Lei nº 12.276/2010 e ao ato jurídico perfeito que é próprio Contrato de Cessão Onerosa, que estabelecem inequivocamente que apenas a Petrobras será a cessionária. A Cláusula Trigésima desse Contrato estabelece essa intransferibilidade.

Na sua justificação, o autor do PL nº 8.939, de 2017, argumenta haver interesse da União, enquanto sócia controladora da Petrobras, em fortalecer a estatal com vistas a dotá-la de recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e que representam considerável potencial de rentabilidade.

Importa ressaltar que os investimentos na área de exploração e produção, com destaque para as áreas da cessão onerosa, foram o principal motivo do endividamento da Petrobras. Existe um tempo de plantar e um tempo de colher. E a colheita já começou com a entrada em operação, no dia 24 de abril de 2018, do primeiro sistema definitivo de produção em área da cessão onerosa, por meio da unidade estacionária de produção P-74, que é um navio de produção do tipo FPSO (floating, production, storage and offloading), instalada de no campo Búzios.

Para o segundo semestre de 2018, a Petrobras prevê a entrada em operação dos FPSOs P-67, P-68, P-69, P-75 e P-76. É quase um FPSO por mês e nada menos do que 750 mil barris por dia de capacidade instalada. Somados com as duas unidades de produção do primeiro semestre, a capacidade de produção instalada pela Petrobras em 2018 deve ser superior a 1 milhão de barris por dia.

Em razão de não haver o pagamento de participação especial, a produção sob o regime de cessão onerosa deverá proporcionar um grande aumento na geração de caixa da Petrobras. Em 2022, a receita líquida da Petrobras apenas com a produção de cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia sob o regime de cessão onerosa será de US$ 15,7 bilhões ou R$ 58 bilhões, utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,7 Reais por Dólar. Nos anos seguintes, a receita líquida anual será ainda maior.

Conclui-se, então que é desprovida de qualquer justificativa técnica a Petrobras transferir a titularidade dessas áreas, como proposto pelo texto original do PL nº 8.939, de 2017.

Outros graves pontos foram acrescentados a essa proposição nos temos do PLC nº 78, de 2018, relativos aos excedentes da cessão onerosa e ao fim das licitações nas principais áreas do Pré-sal.

Com relação aos volumes recuperáveis excedentes ao Contrato de Cessão Onerosa, eles podem chegar a 15 bilhões de barris de óleo equivalente. Considerando que são recursos já descobertos e comerciais, a oferta desses volumes demandará a contratação de inúmeras unidades de produção no curto prazo, que podem gerar importante retorno para a sociedade, desde que a participação governamental seja elevada.

Para o país, seria muito melhor que não houvesse licitação dos excedentes da cessão onerosa. Nesse caso, o Estado poderia contratar a Petrobras como prestadora de serviços de operação e produção dos excedentes da cessão onerosa; poderia celebrar um contrato de parceria com a Petrobras, em um modelo semelhante ao da Noruega; ou poderia contratar a Petrobras, sob o regime de partilha de produção, com um excedente em óleo da União igual ou maior que 60%.

No entanto, o PLC nº 78, de 2018, determina que os excedentes da cessão onerosa sejam licitados sob o regime de partilha de produção, mas sem estabelecer uma política de excedente em óleo mínimo para a União, sem dispor sobre uma política de conteúdo local e sem determinar que um campo tenha um único operador, o que pode gerar graves problemas técnicos.

A produção dos excedentes da cessão onerosa por outras empresas petrolíferas, que não a Petrobras, vai reduzir muito a participação governamental na renda petrolífera, mesmo que haja o pagamento de bônus de assinatura de R$ 80,5 bilhões, cujo objetivo é exclusivamente reduzir o déficit fiscal causado por renúncias tecnicamente injustificáveis.

O art. 1º da Lei nº 13.586, de 2017, por exemplo, permite que, genericamente, “importâncias aplicadas” nas atividades de exploração e produção possam ser deduzidas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Assim sendo, somente os royalties do Pré-sal podem gerar uma perda de arrecadação desses tributos da ordem de R$ 1 trilhão, sem atualização a valor presente.

Com relação aos bônus de assinatura, eles podem ser de R$ 80,5 bilhões somente no ano de 2018, apenas pela licitação dos excedentes da cessão onerosa. Se esse valor for deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, como permitido pelo art. 1º da Lei nº 13.586, de 2017, haverá uma renúncia fiscal de R$ 27,2 bilhões.

Além dos royalties e bônus de assinatura, outras deduções podem ser feitas, tais como: ativos referentes a plataformas e equipamentos arrendados, determinados custos de exploração e avaliação, gastos com encargos financeiros e os impairments. Dessa forma, R$ 1 trilhão é uma estimativa conservadora de potencial renúncia fiscal.

Dessa renúncia de R$ 1 trilhão, R$ 735 bilhões são relativos ao IRPJ e R$ 265 bilhões relativos à CSLL. A potencial renúncia fiscal de IRPJ poderá ter grande impacto nas receitas de Estados e Municípios, pois parte desse tributo é transferida para esses entes federativos, em razão do art. 159 da Constituição Federal.

Da renúncia de R$ 735 bilhões, 46% são perdas de arrecadação de Estados e Municípios e 3% são perdas referentes a programas das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Desse modo, a perda direta de Estados e Municípios seria de 46% de R$ 735 bilhões, o que corresponde a cerca de R$ 338 bilhões.

Dessa potencial perda de arrecadação de R$ 338 bilhões de todos os Estados e Municípios, R$ 158 bilhões seriam perdidos pelos Estados e R$ 180 bilhões seriam perdidos pelos Municípios. Da perda de arrecadação de todos os Estados, de R$ 158 bilhões, 49% seriam perdidos pelos Estados da Região Nordeste, o que representa uma perda de R$ 77,4 bilhões.

Da perda de arrecadação dos Municípios brasileiros, de R$ 180 bilhões, 86,4% são perdas dos Municípios do interior; 10%, das capitais; e 3,6%, dos Municípios destinados à Reserva. Assim sendo, dessa perda de arrecadação total de Municípios de R$ 180 bilhões, 86,4% seriam perdidos por todos os Municípios brasileiros do interior, o que corresponde a R$ 155,5 bilhões. Todos os Municípios do interior da Região Nordeste perderiam uma arrecadação de 34% de R$ 155,5 bilhões, o que corresponde a uma perda de R$ 53 bilhões.

Da perda de arrecadação total de Municípios de R$ 180 bilhões, 10% seriam perdidos por todas as capitais brasileiras, o que corresponde a R$ 18 bilhões. Todas as capitais da Região Nordeste perderiam uma arrecadação de 48% de R$ 18 bilhões, o que corresponde a uma perda de R$ 8,6 bilhões.

Outro grave dispositivo do PLC nº 78, de 2018, diz respeito à alteração da Lei 13.303/2016 para que se elimine a exigência de que a Petrobras, na condição de operadora em consórcios, realize suas contratações por meio de licitação pública. O Relator na Câmara dos Deputados citou que o modelo adotado pela indústria petrolífera adota uma modalidade equiparada ao convite.

Por todas essas razões, a única alternativa tecnicamente correta é a rejeição do PLC nº 78, de 2018.

 

*Paulo César Ribeiro Lima é PhD em Engenharia pela Universidade de Cranfield, Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal e Ex-Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. É comentarista do Duplo Expresso sobre Minas e Energia às terças-feiras.

 

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