Churchill, a luta contra o inimigo maior e uma cláusula pétrea

Por Yorkshire Tea, para o Duplo Expresso

Em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Winston Churchill, então Primeiro Ministro do Reino Unido (1940-1945), não hesitou um instante em apoiar Stalin e a União Soviética, quando a Rússia foi invadida pela Alemanha, durante a Operação Barbarossa (junho-dezembro de 1941).

Churchill, é bom lembrar, tinha verdadeira ojeriza ao comunismo. Algo reiterado no discurso transmitido pela BBC, em 22 de junho de 1941, no qual informava à população britânica da invasão alemã e explicava os motivos que o levaram a apoiar a Rússia:

“Não há ninguém que tenha sido um oponente mais constante do comunismo do que tenho sido nos últimos vinte e cinco anos. Não negarei uma palavra sequer do que disse a respeito disso. Mas tudo isso vira pó ante o espetáculo que agora se descortina.”¹

Na véspera desse discurso, após um jantar em Chequers, a residência de campo oficial do Primeiro Ministro britânico, numa conversa com seu Secretário Particular (Private Secretary²), Jock Colville, Churchill proferiu uma frase que – como tantas outras frases famosas – ficou mais conhecida por suas várias versões apócrifas (“Contra Hitler, eu me aliaria ao diabo.”, “Contra Hitler, iria até o inferno.”, etc.). Na verdade, o que ele disse, conforme registrou em uma de suas obras mais famosas (citando as memórias do próprio Jock Colville), foi o seguinte:

“O meu objetivo é um só: a destruição de Hitler. Assim, a minha vida é bem menos complicada. Se Hitler invadisse o inferno, eu faria pelo menos uma referência favorável ao diabo na Câmara dos Comuns.”³

E esse entendimento cristalino, essa identificação precisa, do principal inimigo a ser combatido com todas as forças naquele momento e da necessidade imediata e inadiável de aliar-se taticamente ao “inimigo do meu inimigo”, aparece com toda a força em vários trechos do discurso acima referido:

“Temos apenas um objetivo e um único propósito, inquebrantável. Estamos determinados a destruir Hitler e qualquer vestígio do regime nazista. Disto, nada nos desviará – nada… Qualquer pessoa ou Estado que lute contra o nazismo terá a nossa ajuda. Qualquer pessoa ou Estado que marche com Hitler é nosso inimigo. Isso vale não apenas para Estados organizados, mas para todos os representantes daquela raça vil de Quislings⁴, que se prestam a servir de agentes ou ferramentas do regime nazista contra seus compatriotas e contra os países onde nasceram… Esta é a nossa política e esta é a nossa palavra. A consequência disso, portanto, é que daremos toda ajuda que pudermos à Rússia e ao povo russo. Apelaremos a todos os nossos amigos e aliados em todas as partes do mundo, para que adotem a mesma iniciativa e a persigam, como faremos com todo o empenho e firmeza, até o fim.”⁵

Guardadas as devidas proporções, estamos passando por circunstância semelhante. Acima de tudo, precisamos saber identificar claramente o inimigo maior, além de seus aliados táticos e estratégicos. Igualmente importante é a identificação de quem são os nossos aliados táticos e estratégicos. A partir daí, devemos traçar os próximos passos.

Compartilho a crença de que, neste momento, o nosso maior inimigo é a Juristocracia, que inclui, além de seus representantes, aliados táticos e estratégicos (o sistema financeiro, o cartel midiático liderado pela Rede Globo e o deep state norte-americano). A nossa luta sem quartel deve ser contra esse inimigo maior e seus aliados, sejam eles quem forem, estejam eles onde estiverem.

E por que motivo a Juristocracia seria o nosso maior inimigo? Porque ela se posiciona como um verdadeiro Poder Moderador, que pairaria acima de tudo e de todos, decidindo o que pode e o que não pode, de acordo com seu entendimento e interpretação muito particulares da lei e do Direito. Tal como os aiatolás iranianos, os aiatolás togados não estão sujeitos ao controle democrático, ao escrutínio popular.

Ora, um dos princípios democráticos mais básicos é justamente o direito de o eleitor escolher livremente, por meio de votação direta e secreta, realizada a intervalos regulares, seus representantes. Por piores que estes sejam, de tempos em tempos, eles obrigatoriamente colocam a “cara pra bater” e precisam sair atrás de votos. Em suma, são escolhidos pela população.

Independentemente de partido, os políticos assim sufragados não estão ali por obra e graça de um processo do qual o eleitor esteja alijado, do qual não participe. Estão ali somente porque foram escolhidos pela população. Os políticos, portanto, constituem o poder com voto. Em última análise, são obrigados a prestar contas e a dar satisfação a seus representados de quatro em quatro anos (ou de oito em oito, no caso dos Senadores).

Já os representantes da Juristocracia – cujo núcleo principal é formado por promotores, juízes, desembargadores e ministros – não foram eleitos nem estão sujeitos ao escrutínio popular. São alçados a seus cargos por meio de concursos públicos, em relação aos quais não há a menor ingerência por parte da população. Jamais estão sujeitos às urnas. Jamais. Formam, assim, o poder sem voto. E, sabemos muito bem, juízes não prestam contas nem dão satisfação a ninguém, a não ser – muito raramente – a seus próprios pares. Na maioria das vezes, nem isso.

Desde o início da Lava Jato, este último grupo – os não eleitos – vem tentando colocar o cabresto no grupo dos eleitos. Em outras palavras, estamos falando de verdadeiros aiatolás togados, que, como seus congêneres iranianos, querem se posicionar acima de tudo e de todos, decidindo – segundo critérios particulares e absolutamente ilegais – quem pode e quem não pode ser candidato, quem pode e quem não pode ser eleito, quem pode e quem não pode ser empossado, quem pode e quem não pode exercer mandato. Enfim, destruindo a Democracia.

Pior! Muitos dos “luminares” do poder sem voto desconhecem – ou fingem desconhecer – princípios básicos do Direito. Algo que, definitivamente, causaria a reprovação de qualquer estudante de Direito. O maior exemplo disso, neste momento, é a discussão de algo que jamais deveria ter sido motivo de discussão: o respeito ou não a uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988.

Para quem desconhece o significado da expressão “cláusula pétrea” (afinal de contas, ninguém é obrigado a saber), eis a definição do Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa:

c. pétrea
Rubrica: termo jurídico.
dispositivo constitucional que não poder ser revisto

Não poder ser revisto significa que não pode ser modificado, alterado, deturpado, mudado ou adulterado. Em outras palavras, qualquer tentativa de interpretação que divirja de seu significado concreto é nula. Nula. Não tem valor. Não serve. Não presta. Enfim, é proibida.

E de qual cláusula pétrea estamos falando? do inciso LVII do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988. E o que diz esse inciso?

“Ninguém será considerado culpado ate o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”⁶

Esse é um dos pilares sobre os quais se assenta uma das principais garantias individuais de todas as Democracias: a presunção da inocência. Isto é, todos são inocentes até prova – e não ilações nem delações – em contrário. E essa condenação deverá ser confirmada até o último grau de recurso. Isto é, quando não houver mais a possibilidade de recorrer (apelar) da sentença e de conseguir revertê-la. Somente aí é que alguém pode ser considerado culpado de alguma coisa.

Em outras palavras, o único motivo pelo qual Lula está pedindo um HC (habeas corpus) é porque um direito constitucional (que não é só dele, mas de todos nós, não importando a nossa orientação política) está sendo violado. E quem está violando esse direito? Os juristocratas. Os aiatolás togados. Os expoentes do Partido Sem Voto. E, à frente desse grupo, neste momento, está seu maior representante: o ministro do STF Luis Roberto Barroso. Ele encarna em sua figura o principal inimigo a ser combatido. Se conseguirmos destituí-lo (removendo-o do cargo de ministro do STF), daremos um forte golpe contra os juristocratas e defenderemos efetivamente a Democracia.

Não se enganem: os juristocratas querem acabar com a política, querem acabar com o voto, querem acabar com a Democracia. Eliminando-a ou esterilizando-a, não interessa. O ponto é que, se os juristocratas atingirem seus objetivos, o verdadeiro poder – o poder legitimado pela votação popular, livre, direta, secreta e realizada a intervalos regulares – perderá qualquer razão de ser.

E o que Churchill tem a ver com isso?

Por isso, é urgente que façamos como Churchill, que, em função da luta maior, do entendimento de quem era o principal inimigo, deixou de lado sua repulsa em relação à Rússia e ao comunismo e adotou a necessária e fundamental postura pragmática de aliar-se taticamente ao “inimigo do meu inimigo” naquele momento. Sempre com o objetivo maior: derrotar o inimigo principal.

Cabe a nós conseguirmos superar as nossas reservas – naturais e mais do que justificadas – em relação aos políticos golpistas (eles jamais deixarão de ser isso), pois, neste momento, eles representam o campo da política, o campo do poder com voto. Neste momento, os políticos golpistas são para nós, o que a Rússia foi para Churchill: aliados táticos contra um inimigo maior. No caso de Churchill, Hitler e o nazismo. No nosso caso, a juristocracia e seus aliados.

 Notas:
[1] No original: “No one has been a more consistent opponent of Communism than I have for the last twenty-five years. I will unsay no word that I’ve spoken about it. But all this fades away before the spectacle which is now unfolding.” Trecho de “The Fourth Climacteric” (O Quarto Climatérico), discurso proferido na noite de 22 de junho de 1941, transmitido pela BBC, que pode ser ouvido aqui: https://www.youtube.com/watch?v=yhqLrZURkMQ. Fonte: https://www.nationalchurchillmuseum.org/the-fourth-climacteric.html

[2] Trata-se de um cargo do serviço público britânico. O private secretary é um funcionário público que, como o nome diz, trabalha como secretário para o Primeiro Ministro, Secretários de Estado ou Ministros. Fonte: https://tinyurl.com/ycyqoa59

[3] No original: “I have only one purpose, the destruction of Hitler, and my life is much simplified thereby. If Hitler invaded hell, I would make at least a favourable reference to the devil in the House of Commons.” Fonte: The Grand Alliance: The Second World War, Volume 3, Winston Churchill, Rosetta Books, p. 331

[4] Referência a Vidkun Quisling, líder do partido fascista norueguês União Nacional (Nasjonal Samling) e chefe do governo norueguês (1942-1945), durante a ocupação nazista. Seu nome virou sinônimo de traidor. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vidkun_Quisling

[5] No original: “We have but one aim and one single, irrevocable purpose. We are resolved to destroy Hitler and every vestige of the Nazi regime. From this nothing will turn us – nothing… Any man or State who fights against Nazism will have our aid. Any man or State who marches with Hitler is our foe. This applies not only to organized States but to all representatives of that vile race of Quislings who make themselves the tools and agents of the Nazi regime against their fellow-countrymen and against the lands of their births… That is our policy and that is our declaration. If follows therefore that we shall give whatever help we can to Russia and the Russian people. We shall appeal to all our friends and allies in every part of the world to take the same course and pursue it, as we shall faithfully and steadfastly to the end…”

[6] Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html

Yorkshire Tea é leitor e colaborador do Duplo Expresso.

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