Avaliação do primeiro debate da Band
Por Gustavo Galvão*, para o Duplo Expresso
Comentário geral
Fiquei impressionado com a pobreza do debate. Isso só fez destoar a ausência forçada e ilegal do ex-presidente Lula. A lei eleitoral obriga que haja igualdade entre os candidatos na cobertura da imprensa e nos debates que ela promove.
Não podemos nem culpar os candidatos pela miséria do debate, porque essa pobreza é culpa da limitação do modelo escolhido pela Band. Um minuto e pouco para responder e 45 segundos para réplica e tréplica é tempo insuficiente para desenvolver qualquer ideia, por mais simples que seja.
O máximo que se consegue fazer é obrigar os candidatos a repetir frases decoradas e preparadas pelos seus marqueteiros para caber em uma janela de poucos segundos.
Apesar de todos os candidatos serem pessoas inteligentes, esse formato não pode exibir o melhor de cada um. Algumas respostas foram muito gerais e vazias. Pareceram velhas promessas que não possuem nem substancia para depois serem cobradas e muito menos credibilidade.
Nesse formato, quem mais se destacou foi o Cabo Daciolo, que saiu do quase anonimato para a fama em poucos segundos. O interessante é que ele inclusive teve coragem de tratar de temas polêmicos e importantes como o fato do Brasil ser o único país que não possui voto impresso nas urnas eletrônicas para tornar o processo eleitoral transparente. Ele teve o mérito também por defender a auditoria cidadã da dívida, da nossa querida Maria Lúcia Fattorelli. Uma medida que foi importante no primeiro governo Vargas para tirar o Brasil da crise de 1929-30 e que está na Constituição de 88, mas nunca colocada em prática.
Depois ele resolveu se desmoralizar de vez como candidatura séria ao dizer que estávamos em processo avançado para implantação de um plano para acabar com as fronteiras na América do Sul e implantar a URSAL – União das Repúblicas Socialistas da América Latina. Eu acho que os militares norte-americanos devem ter pesadelo com isso todo dia, o que pode explicar de onde veio a ideia. Mas não é que é uma boa ideia? Pena que não tem nenhum apoio.
De qualquer forma, pode ser uma boa ideia para o Temer. Talvez sirva de boa desculpa para ele dar um novo golpe e não sair em janeiro de 2018 para a cadeia, como parece ser a aposta dos justiceiros da polícia e do Ministério Público. Eu duvido muito. A turma do judiciário já deve estar negociando uma boa escapada para o Temer. Será que esse aumento de 16% já é parte do pagamento?
Cabe salientar que temas fundamentais não foram nem tocados, como por exemplo, a entrega do pré-sal pelo governo Temer, o tema mais importante do Brasil hoje.
As perguntas e respostas foram superficiais e em muitos casos só me lembro que passou um sentimento de vergonha alheia, do conteúdo me recordo muito pouco.
Toda esse modelo favoreceu principalmente o candidato Alckmin, que pode exibir seus muitos anos de treinamento em debates eleitorais, sua equipe de marketing mais cara e sua superficialidade não pode ser destacada frente a uma superficialidade geral. Ademais a certa sensação de que estávamos assistindo um tipo de zoológico antropológico de tipos humanos favorece o candidato engomadinho e “treinadinho” do PSDB.
A única pergunta que achei que valesse fazer um comentário específico foi a primeira sobre o emprego, mais pela importância do tema e pelo fato de todos terem exposto ali sua posição ideológica através dessa pergunta do que da profundidade das respostas. E friso, a falta de profundidade não é culpa dos candidatos, em pouco mais de um minuto não é possível aprofundar nada.
Pergunta (Ricardo Boeachat):
Se eleito, que primeira medida tomará para estimular a contratação de trabalhadores? Como essa medida será implementada? E a partir de quando? E de onde virão os recursos para que ela seja bem-sucedida?
Álvaro Dias
O primeiro a responder foi Álvaro Dias. Quem não o conhece deve ter ficado surpreso pelo fato do candidato ter ocupado todo o tempo da resposta com autoelogios sem nada dizer sobre como iria resolver o problema do emprego no Brasil.
Daciolo
Não me lembro o que disse. Não deve ter sido algo muito impressionante.
Marina
Marina falou a palavra mágica dos neoliberais, disse que ia resgatar o emprego com “credibilidade” frente aos mercados.
Bolsonaro
Disputou com o Alckmin e Meirelles quem tinha o discurso mais favorável aos mercados financeiros. O excesso de autoelogios do Álvaro não permitiram que ele entrasse nessa disputa.
Bolsonaro disse que ia abrir ainda mais a indústria brasileira para a concorrência estrangeira.
Disse também que o emprego ainda era caro para as empresas por excesso de direitos dos trabalhadores.
Eu achava que a Reforma Trabalhista do Temer tinha acabado com todos os direitos trabalhistas, mas vejo que o Bolsonaro tem uma boa lupa e ainda consegue achar mais direitos para exterminar.
Isso só reforça a sensação que sempre tive de que ele nunca entrou nessa eleição para vencer, mas só para mobilizar um bando de ressentidos com a própria vida para entrega-los prontos a alguém nas eleições ou em algum projeto político “não eleitoral”…
Não custa lembrar que as mulheres são mais de 50% da população, assim como os negros e pardos. Homens brancos são 25% e desses boa parte é de esquerda, ou homossexual, ou humanista, ou inteligente, classes que o Bolsonaro normalmente agride. É impressionante que atinja 15% das intenções de votos. Tudo indica que Alckmin deve ocupar seus votos.
Boulos
Boulos falou corretamente sobre a revogação das medidas do Temer. Falou também em acabar com os privilégios. Concordo, mas o tempo limitado realmente não permitiu que desenvolvesse melhor suas ideias nessa área.
Meirelles
Alguém disse na internet hoje que ele parece aquele personagem ganancioso do desenho o Gato de Botas.
Ou ele é doido ou tem alguém o enganando muito bem para fazê-lo acreditar que pudesse ter carisma e credibilidade para passar de 1% dos votos, especialmente levando em consideração que ele foi o Ministro da Fazenda do Temer, o governo mais impopular da nossa história.
O engraçado é que ao contrário do que esperávamos, ao invés de fazer como Bolsonaro e Alckmin repetindo servilmente o que os banqueiros gostam de ouvir, o banqueiro Meirelles, resolveu elogiar a si mesmo quando foi presidente do Banco Central de Lula, atribuindo a si próprio os méritos sociais do governo Lula, assim como, seu papel “decisivo” nos supostos méritos que ninguém vê do governo Temer.
Ele realmente não tem respeito a quem dedicou seu tempo a ouvi-lo. Em outra pergunta ele tenta atribuir a si próprio o sucesso do Bolsa Família. Eu raramente vi algo tão ridículo e hipócrita, porque ele foi o maior erro do governo Lula, quase afundou a economia com seus juros altíssimos, inclusive durante a crise de 2008. Crise que só foi uma “marolinha” em razão do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica refinanciarem as empresas endividadas que quebraram por causa da especulação suicida com dólar incentivada pelo Banco Central de Meirelles. Além disso, é ridículo se vangloriar de qualquer coisa feita pelo governo Temer.
É o fundo do poço o velho MDB que lutou contra a ditadura e que construiu a constituição cidadã transfigurada por esse governo Temer, ser representado por essa candidatura. Ao menos lembrou ao Alckmin que o PSDB falava que o bolsa família era “bolsa-esmola” e que o bolsa família “escravizava” as pessoas. Alckmin ficou bem constrangido, porque estava dizendo que achava o Bolsa Família um ótimo programa e que até iria aumenta-lo…
Geraldo Alckmin
Alckmin eliminou do vocabulário a palavra Temer. Pela forma como falava deu a entender que se perguntássemos a ele qual sua opinião sobre Temer, ele diria que nunca ouviu falar dessa pessoa. Se você duvidasse, eu tive a impressão que ele diria ainda que nunca apoiou o governo Temer, que quase toda base de apoio parlamentar do Temer não está apoiando ele hoje e que seu programa de governo é muito parecido com o programa do governo Temer, a tal “Ponte para o Futuro”.
Cabe salientar que pelas promessas que fez no debate, ele nunca foi governador e nem fez as mesmas promessas antes.
Alckmin começou falando que para gerar emprego tem que primeiro oferecer “confiança” para o mercado através de ajuste fiscal. Mais do que Temer e Meirelles já ofereceram? Ele quer aprofundar a gestão econômica do governo Temer…
Disse ainda que reduziria mais as despesas públicas para zerar o déficit em 2 anos. Ele está propondo o mesmo que tentaram na Grécia e que destruiu sua sociedade e o que foi feito no Brasil durante o governo Temer-Meirelles.
A meta de déficit público para este ano é de 160 bilhões. Alckmin promete zerar esse déficit em 2 anos reduzindo as despesas. Ou é uma mentira que algum marqueteiro contou pra ele e ele ingenuamente acreditou ou mostra que o candidato também perdeu a sanidade. Todo o orçamento federal de saúde pública, que é claramente insuficiente, é de 119 bilhões e da educação é de 89 bilhões.
Como o candidato vai cortar 160 bilhões, 2 vezes todo o orçamento federal da educação, se a maior parte dos gastos são juros, amortização da dívida pública, aposentadorias e salários de servidores?
O Estado brasileiro já não consegue mais prestar serviços de saúde, a educação está caindo aos pedaços e o candidato promete cortar gastos que são 2 vezes superiores a todo gasto federal em educação. Se não fosse aquela cara de engomadinho que nunca ri que ele tem eu diria que a promessa dele era uma piada.
Como o Bolsonaro, Alckmin também prometeu abrir mais a indústria brasileira para a concorrência da importação de produtos estrangeiros para gerar empregos. Mas nenhum dos dois explicou como se faz essa mágica de gerar empregos aumentando as importações. Só se for em outros países.
No final, ele solta demagogia dizendo que vai aumentar salários e melhorar educação básica, pesquisa e inovação. Como, se quer cortar gastos e investimentos público em um valor 2 vezes maior do que todo orçamento federal para educação?
Ciro
Ciro foi quem melhor respondeu sobre a questão do emprego. Ele disse que vai aumentar o consumo das famílias, provavelmente através do crédito ao consumo porque disse que iria tirar 63 milhões de pessoas do SPC – Serviço de Proteção ao Crédito. A ideia é boa, mas ele não teve tempo de explicar.
Disse também que iria descartelizar os bancos, que no Brasil realmente agem em cartel, fixando sem concorrência, por conluio, as taxas de juros a valores que podem chegar a inacreditáveis 400% ao ano. Não explicou como. Nem daria tempo de fazê-lo.
Disse que faria política industrial e comercial ativa.
Concordo. Mas realmente vamos ter que esperar o horário eleitoral para saber como, porque o modelo do debate não foi feito para aprofundar nada. Acho difícil que algum eleitor possa ter esclarecido suas dúvidas pelo debate da Band. O debate só aumentou as dúvidas sobre o porquê de Lula não ter podido participar.
*Gustavo Galvão é economista pela UFMG, doutor em economia pela UFRJ, funcionário do BNDES, assessor parlamentar e comentarista de economia do Duplo Expresso.
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