O que “até um cego vê” no Brasil da hipocrisia que “funciona normalmente”

Da Redação do Duplo Expresso,

“Se a vida te dá um limão, faça uma limonada”. Ou, quem sabe, até mesmo uma caipirinha. Falar isso é fácil. Por isso mesmo não cansamos de repetir tal dito popular, não é mesmo? Contudo, lograr lidar – com leveza – com algo como, por exemplo, uma deficiência, congênita ou adquirida, não é para qualquer um. Muitas vezes a mera resignação diante de tal sina já representa o resultado de um enorme esforço. Não por acaso a Bíblia usa como metáfora para anomalias físicas a figura de “cardos e abrolhos”. Ou seja, plantas encontradas em climas áridos, recobertas de espinhos.

Bem, pode até ser. Afinal, ninguém pode negar o quanto espinhos têm o potencial de ferir. No entanto, sequer é necessário sair do deserto bíblico e chegar a um jardim à francesa para encontrar, tais quais as rosas que nesse último abundam, flores que não encantam APESAR de, mas, justamente, encantam COM todos os espinhos que lhes dão sustentação:

 

Criar limonada do limão, fazer espinhos florescerem…

Não é para qualquer um.

Quem poderia falar um pouco disso é o mais novo comentarista do Duplo Expresso, Leonardo Lobo. Notem bem: foi ele próprio, que não enxerga, quem escolheu para nome do seu comentário semanal (coisas que) “até um cego vê”.

Sim, um “cego”.

E não um “deficiente visual”. Ou, mais eufemisticamente ainda (para quem?), uma “pessoa portadora de necessidades especiais”. Demorou, mas finalmente saímos do excesso do politicamente correto discursivo dos anos 1980 e 90 que, com tais floreios, preocupava-se mais em não ferir suscetibilidades das pessoas “normais” (sic) do que propriamente a daqueles que tal excesso visava a “descrever” (mas não tanto assim que chocasse, não é mesmo?).

Hoje, de forma genérica, diz-se “pessoa com (uma!) deficiência”. Para referir-se a quem, certamente, não é “(de todo!) deficiente”. E, no particular, o “cego” volta a ser simplesmente… “cego”.

Quem tem de remover quaisquer resquícios de estigma associados a essa palavra é quem com ela se incomoda ao ouvi-la. Não é o cego quem tem que facilitar a sua própria aceitação diluindo, escondido embaixo de eufemismos, aquilo que ele é. Ao contrário, quem tem que fazer esforço educativo – i.e., se necessário – somos nós próprios, os (ditos) “normais”.

Essa mensagem política, forte, é bem ilustrada pela exibição, sem concessões, de uma réplica gigante da estátua retratando a artista plástica Alison Lapper, grávida, na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos de Londres (2012), apresentada pelo saudoso físico Stephen Hawking:

[Romulus Maya: vi – e me encantei – ao vivo no estádio]

*

Nota: quem estava na barriga de Alison ao tempo da escultura em mármore de Carrara, de Marc Quinn, já cresceu:

*

Bem-vindo ao Duplo Expresso, Leonardo!

Conta pra gene, então, o que “até um cego vê”!

 

Leonardo Lobo é músico, professor, ativista político e colaborador do Duplo Expresso.

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