“Depois da movimentação de Trump, cada um faz seu próprio jogo”

Da Redação do Duplo Expresso

Depois da movimentação de Trump, cada um faz seu próprio jogo¹
Eduardo J. Vior, 12 de maio de 2018, Tiempo Argentino

A decisão dos Estados Unidos de abandonar o acordo nuclear com o Irã provocou uma série de reações nos países envolvidos, algumas inimagináveis.

“Quando o gato sai, os ratos fazem a festa”, diz o velho ditado. Ao cumprir, na terça-feira passada, sua promessa eleitoral de retirar os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã assinado em 2015, o Presidente Donald Trump apostou que, durante o período até a conclusão de um novo pacto, as relações de força no Oriente Médio se manteriam equilibradas, mas não imaginou que o vácuo deixado por Washington seria imediatamente preenchido por outros atores do drama regional.

Na quinta-feira, Israel lançou cerca de 60 mísseis contra supostas infraestruturas iranianas em território sírio. O ministro da Defesa israelense, Avigdor Lieberman, exigiu, logo em seguida, que o presidente sírio, Bashar al-Assad, “expulsasse os iranianos”.

De acordo com o Ministério da Defesa da Rússia, o ataque envolveu 28 aviões israelenses F-15 e F-16, que lançaram mísseis ar-terra contra diferentes regiões sírias. Além disso, Israel também disparou 10 mísseis terra-terra das colinas de Golã. Mais da metade dos projéteis foi interceptada pela defesa antiaérea síria. O ataque ocorreu em resposta aos disparos, na quarta-feira, de pelo menos 20 mísseis contra uma dúzia de alvos israelenses no Golã sírio, ocupado desde 1967.

Tel Aviv acusou o Irã de ter realizado esse ataque em resposta ao bombardeio israelense na última terça-feira. Assim que Trump anunciou a saída do acordo nuclear, aviões israelenses atacaram o que supostamente seria um comboio militar iraniano a oeste de Damasco. Na quinta-feira, Teerã negou qualquer responsabilidade no ataque às posições israelenses, uma versão confirmada por diferentes fontes sírias consultadas para esta nota. Segundo eles, o ataque contra as posições israelenses no Golã foi realizado pelo 137º Regimento da 7ª Divisão do Exército Árabe Sírio (EAS), que disparou 27 mísseis. Além disso, Israel não teria atingido nenhum alvo iraniano, mas todos sírios.

O ataque sírio representa um salto qualitativo, já que, pela primeira vez desde 1978, Damasco se atreve a atacar Israel e o faz com sucesso. O EAS perfurou a defesa antiaérea no Golã e demonstrou sua porosidade. Damasco liderou o ataque sozinho, embora em consulta com Teerã, mas não com Moscou. Israel sabe disso, mas insiste em afirmar que atacou alvos iranianos, porque precisa de uma guerra com o Irã que envolva os EUA e seus aliados árabes e não quer reconhecer sua vulnerabilidade.

O governo Assad arriscou muito ao atacar o território ocupado por Israel, mas lhe pareceu necessário como um prólogo para a recuperação no sul e sudeste do país das províncias de Deraa e Kuneitra, ainda nas mãos de terroristas. Quando suas forças se aproximaram do sopé do Golã, a possibilidade de confrontos com Israel era grande, algo que os sírios quiseram evitar com essa advertência.

Em Damasco ninguém se ilude. Os sírios sabem que Benjamin Netanyahu está prestes a ser indiciado por corrupção e que está desesperado para provocar uma grande guerra com o Irã.

Sem dúvida, a Síria reconhece a importância da Rússia na derrota da agressão estrangeira. No entanto, Assad não quer ser um espectador dos acordos feitos por Putin e sabe que este é o melhor momento para atacar um inimigo politicamente fraco, a fim de negociar mais tarde. Washington, por sua vez, sabe que o Irã cessou a produção de armas atômicas em 1988, por motivos religiosos, mas agita o fantasma do temor nuclear, para forçar uma negociação envolvendo os mísseis iranianos de médio alcance e as intervenções externas de Teerã.

Com a saída norte-americana do acordo nuclear, Trump quer impor a seus interlocutores na região um novo acordo que lhe permitirá recuperar o papel de arbitragem que os EUA já tiveram por lá, mas superar o choque provocado por sua decisão, encontrar uma nova agenda de diálogo e concluí-lo com sucesso levará muito tempo, durante o qual o entrecruzamento dos interesses dos atores intervenientes poderá causar um desastre.

 


* Eduardo Jorge Vior é graduado em História pela Universidad de Buenos Aires (1977), mestre em Ciências Políticas pela Ruperto-Carola-Universität Heidelberg (1984), doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2011) e doutor em Ciências Sociais pela Justus-Liebig-Universität Giessen (1991). Ex-professor adjunto da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA –, na área de Ciência Política e Sociologia. Ele comenta regularmente no Duplo Expresso às quintas-feiras abordando as complexas ligações que envolvem as nações-irmãs Brasil e Argentina com seus vizinhos no Cone Sul.

1 Este texto foi publicado originalmente em espanhol na imprensa argentina e traduzido por Ana Tomazini.

 

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