Por que a Europa teme as “Novas Rotas da Seda” patrocinadas pela China

Por que a Europa teme as “Novas Rotas da Seda”
Por Pepe Escobar, no Asia Times
25/4/2018
Traduzido pelo coletivo Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:
Enquanto Temer, o Usurpador, destrói o Brasil e discursa a favor de “livre comércio” [só rindo!] com a direita chilena, a China constrói pontes, estradas, portos, estaleiros, conexões high-tec e –
como no verso do grande João Cabral de Melo Neto – “tece uma manhã”.
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Começou como um escândalo de pequenas proporções – considerando-se o ciclo de noticiário pós-verdade, 24 horas, sete dias por semana. Dos 28 embaixadores de países da União Europeia em Pequim, 27 – única exceção foi a Hungria – assinaram um documento interno em que criticam as Novas Rotas da Seda como ameaça não transparente ao livre comércio, que supostamente favoreceriam conglomerados chineses e a concorrência não equânime.

O documento foi vazado primeiro para o respeitado jornal do empresariado alemão Handelsblatt. Diplomatas da União Europeia em Bruxelas confirmaram para Asia Times a existência do documento. Até que o Ministério de Relações Exteriores da China acalmou a turbulência, dizendo que Bruxelas já explicara tudo.

Na verdade, trata-se de nuances. Quem conheça o quanto a eurocrática Bruxelas é disfuncional sabe que não há política comum da União Europeia para a China – e, por falar disso, a UE tampouco tem política para a Rússia.

O documento interno menciona o quanto a China, pelas Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) está “perseguindo objetivos políticos domésticos como a redução do excesso de capacidade, a criação de novos mercados de exportação e salvaguardando o acesso a matérias primas.”

Claro que há pensamento chinês e argumentos autoevidentes incorporados na ICE, e desde o início – e Pequim jamais negou que houvesse. Afinal, o próprio conceito foi aventado pela primeira vez dentro do Ministério do Comércio, muito antes do anúncio oficial pelo presidente Xi Jinping em Astana e Jakarta em 2013.

As percepções do que seja a ICE variam conforme quase incontáveis latitudes. A Europa Central e a Europa Oriental são mais entusiasmadas – porque a ICE é sinônimo de projetos de infraestrutura muitíssimo necessários. Grécia e Itália também, como noticiou Asia Times. Portos ao norte, como Hamburg e Rotterdam estão realmente configurados como terminais da ICE. A Espanha está muito interessada nos dias vindouros, quando o trem de carga de Yiwu a Madrid rolará sobre trilhos para alta velocidade.

Na essência, tudo se resume a empresas de algumas nações específicas da União Europeia que querem decidir o próprio grau de integração ao que Raymond Yeung, economista-chefe para a China de Australia and New Zealand Banking Group Limited (ANZ), descreve como “o maior experimento econômico da história moderna.”

Atenção a esses engenheiros chineses
O caso da França é emblemático. O presidente Emmanuel Macron – atualmente em ofensiva massiva de Relações Públicas para se autocoroar Rei (não oficial) da Europa – na verdade elogiou a ICE quando visitou a China no início do ano.

Mas, como sempre acontece, a nuança não falta: “Afinal de contas, as antigas Rotas da Seda jamais foram exclusivamente chinesas” – disse Macron em Xian, no Palácio Daming, residência da dinastia Tang, poderoso pilar das Rotas das Sedas por mais de 200 anos. – “Essas rotas”, Macron continuou, “não podem ser vias de uma nova hegemonia, que transformaria em vassalos os países pelos quais elas cruzam.”

Quer dizer: Macron já se preposicionava para dirigir as relações União Europeia-China noutra direção, para longe e além da preocupação número 1 da União Europeia: o modo como os chineses jogam o jogo de comércio/investimento no exterior.

Macron falou muito a favor de a burocracia da Comissão Europeia endurecer as regras anti-dumping contra as importações chinesas de aço, e para forçar que a União Europeia examine todas as fusões e aquisições em setores estratégicos, principalmente as que tenham a ver com a China.

Paralelamente, virtualmente todas as nações da União Europeia – não só a França – querem maior acesso ao mercado chinês. Macron tenta mostra otimismo e repete o mantra – “A Europa voltou” – em termos de competitividade, que mal encobre o medo primordial de que padece a Europa: a evidência de que é a China que pode estar ficando competitiva demais.

A ICE, para Pequim, tem tudo a ver com geopolítica, mas principalmente com projeção geoeconômica – incluindo a promoção de novos padrões e normas globais que podem não ser exatamente as praticadas pela União Europeia. E isso nos leva ao coração da matéria, que não se lê no relatório interno vazado: a intersecção entre a Iniciativa Cinturão e Estrada e Made in China: 2025.

Pequim está dedicada a se tornar um dos líderes globais no campo da alta tecnologia em menos de sete anos. Made in China: 2025 identificou 10 setores – incluindo Inteligência Artificial, robótica, aeroespaço, carros e navios e estaleiros verdes – como prioritários.

O comércio bilateral China-Alemanha, que ano passado chegou a 187 bilhões de euros, é muito maior que China-França e China-GB, cada um desses em 70 bilhões de euros. E, sim, Berlin está preocupada. Made in China: 2025 representa significativa “ameaça” a empresas alemãs top que produzem bens de alta qualidade.

Tudo isso pode virar passado, se a China compra quantidades estonteantes de maquinário alemão – mais os inevitáveis BMWs e Audis. O novo normal aponta para um exército de companhias chinesas escalando em altíssima velocidade a cadeia do valor agregado.

Como disse à Reuters o presidente executivo da Bauer, Thomas Bauer: “[Rivalidade com a China] não será disputa contra copistas. Será disputa contra engenheiros inovadores.”

Navegar a economia azul
O relatório Blue China: Navigating the Maritime Silk Road to Europe [(ing.) China azul: pela Rota Marítima da Seda para a Europa (mapa)] expande, de modo muito útil, o objeto do debate, apontando para como o desenvolvimento da Rota Marítima da Seda pode vir a ser ainda mais crucialmente importante que os corredores de conectividade por terra.

O relatório observa o quanto a Rota Marítima da Seda já afeta a União Europeia em termos de comércio marítimo e construção de navios, e faz algumas perguntas sobre a presença global da Marinha de Libertação Popular. Recomenda que a União Europeia “acompanhe a economia azul da China, como um motor de crescimento e produção de riqueza, e encoraje a inovação, para responder as bem financiadas políticas industriais e de Pesquisa & Desenvolvimento chinesas.”

A “economia azul” aparece fortemente em Made in China: 2025 –, especialmente em termos de inovação na infraestrutura de portos e carga/descarga. A ideia central, do ponto de vista de Pequim, é sempre cortar custos no comércio marítimo – mas isso, claro, sempre dependerá de se os preços do petróleo continuarão a subir, como esperam a OPEP e Rússia.

Hoje, a burocracia da União Europeia tem de estar temerosa, sentindo a possibilidade de acabar prensada entre uma China high-tech e “EUA em primeiro lugar”, de Trump. E até aí ainda nem se leva em conta o inevitável choque geoestratégico entre a Iniciativa Cinturão e Estrada e o “Indo-Pacífico livre e aberto” a ser administrado, em teoria, por EUA, Japão, Índia e Austrália; mais uma patrulha glamourizada no Mar do Sul da China que algum vasto projeto de integração econômica da Eurásia.

Em julho acontecerá uma reunião de cúpula União Europeia-China, e adiante, no segundo semestre, uma cúpula Alemanha-China. Voarão faíscas nada transparentes.

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EXTRA:

Corpo de Guardiães da Revolução Islâmica: no Líbano em 1983, hoje na Síria
28/4/2018, Elijah J. Magnier Blog [trad. ár.-francês de Daniel G., aqui retraduzida pelo coletivo Vila Vudu]

Os EUA têm necessidade de um Irã forte, do qual se servem continuadamente como espantalho, para fazer medo aos países do Oriente Médio, principalmente à Arábia Saudita, aos Emirados e ao Bahrein. O objetivo é fazer medo a esses países do Golfo, para vender armas Made in USA, assim convertendo o Oriente Médio em vasto mercado para as armas norte-americanas.

Fontes diplomáticas confirmam que o Irã jamais declarou guerra à Arábia Saudita nem a qualquer outro país no Oriente Médio – única exceção é Israel. O mundo inteiro sabe que Israel teve a iniciativa dos ataques, ao assassinar físicos nucleares especialistas do programa nuclear, ao violar os espaços aéreos libanês e sírio e, bem recentemente, ao bombardear o centro de comando e controle iraniano na base T4 (utilizada no combate contra os jihadistas), ataque que resultou na morte de sete oficiais iranianos.

Desde o evento da Revolução Islâmica de 1979, o establishment dos EUA precisa de um inimigo fantasma, do qual se servem para ameaçar o países ricos do Golfo. A compra de armas norte-americanas por esses países tem pesadas repercussões sobre a economia dos EUA e lhes assegura importante fonte de renda. Tudo isso repousa sobre a capacidade do Irã para se manter fora da órbita da dominação dos EUA, já há quatro anos.

O Irã age com prudência em seus contatos com as comunidades xiitas que vivem nos países do Golfo, na Arábia Saudita e no Bahrein, por exemplo. Teerã sabe muito bem que qualquer tipo de apoio a essas comunidades gera o risco de provocar repercussões graves para as monarquias na relação com os próprios cidadãos, sob o pretexto de que seriam efeito de ações de um país estrangeiro. O Irã mantém-se especialmente atento nos contatos com os sunitas no Iraque, no Líbano e na Palestina, porque sabe que qualquer conflito entre sunitas e xiitas seria prejudicial para o conjunto do Oriente Médio. Enfim, nem os xiitas nem os sunitas podem eliminar-se uns os outros. Não têm escolha: são forçados a viver juntos numa região que é simultaneamente multiétnica, multiconfessional e laica. São razões suficientes para impedir o Irã de agredir qualquer desses vizinhos, de um lado ou de outro. Ainda mais porque todo o mundo se oporia a qualquer ofensiva similar que viesse a ser planejada, inclusive a Rússia, aliada do Irã.

Por seu lado, Donald Trump diz hoje que “muito países do Oriente Médio não sobreviveriam mais de uma semana sem a proteção dos EUA”. Trump sonha visivelmente com o papel que representa ante o Golfo, ao mesmo tempo amigos e inimigos. Nesse momento, o verdadeiro período vem dos EUA, caso esses países ricos recusam-se a ceder à chantagem de Trump. O presidente dos EUA foi muito honesto quando disse que “Quero dinheiro, dinheiro e dinheiro. Os países do Golfo têm muito dinheiro, e quero esse dinheiro.”

Nas relações com os países do Golfe, Trump lembra um homem sedento que bebe água salgada: quanto mais bebe, mais aumenta a sede. Insatisfeito, apesar das dezenas de milhões de dólares de contratos de armas firmados com os países do Golfe, Trump demanda cada vez mais e mais apoio financeiro. Trump procura assim desesperadamente pintar o Irã como uma fonte continuada de ameaças ininterruptas, para que ele possa insistir em seus objetivos financeiros insaciáveis.

Se se consideram as desculpas no que tenha a ver com a Síria, o presidente dos EUA sempre diz que suas forças estão em campo para bloquear a expansão de Irã e Síria e das relações com o Iraque. Essa afirmação é falsa, dado que, na verdade, é a primeira vez depois de 1979 que Teerã está fisicamente ligada a Bagdá, Damasco e Beirute por via terrestre desde a libertação de Albou Kamal. Consequentemente, a presença de força dos EUA na Síria está longe de se explicar pela presença do Irã ou por alguma ligação com o Irã. Mas é boa desculpa para extrair mais dinheiro da Arábia Saudita, dos Emirados e talvez também do Qatar, mesmo que esses países nada tenham a ganhar.

Trump quer mais dinheiro para reconstruir a cidade de Raqqa – quase completamente destruída pelos EUA. O presidente dos EUA força os países árabes ricos em petróleo a reconstruir a infraestrutura no nordeste da Síria, para que os EUA possam fingir que apoiem a política local. Os árabes são conscientes de que EUA e França (cujas forças aumentam em número no norte da Síria) sairão de lá se ficarem expostos a ataques massivos de insurgentes locais que não deixarão de combater forças de ocupação – como aconteceu no Líbano nos anos 1980s.

Os diplomatas creem que as decisões americanas e israelenses, assim como as atitudes orientadas para os palestinos, jogam a favor do Irã. Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, e as forças armadas de Israel matam cegamente quaisquer civis que se manifestam em Gaza. Ainda mais, ao pôr fim ao apoio financeiro aos palestinos, os países do Golfo jogam numerosos grupos palestinos nos braços do Irã, que continua a ser a única força que jamais, ao longo dos anos, deixou de manter o apoio à causa palestina. Segundo forças diplomáticas, Israel (que se autoproclamou ‘única democracia’ do Oriente Médio) e os EUA devem garantir aos palestinos o direito existencial de viver em paz nas próprias terras e em sua capital; devem garantir também o direito de os refugiados retornarem; para começar, têm de parar de assassinar civis.

Os numerosos dirigentes de Israel que são de origem russa e a importante comunidade russa em Israel não conseguiram persuadir o presidente Vladimir Putin a entrar no jogo político deles. A Rússia quer o fim da guerra na Síria; Israel quer que a guerra se prolongue; e os EUA sopram as brasas sírias, acusando o Irã de tudo que encontrem por lá.

Os USA ainda têm cartas importantes na Síria, que podem jogar, para impedir a unidade do país. Mas Damasco e Irão não ficarão de braços cruzados, nem na defensiva. Por quanto tempo Trump deixará lá forças dos EUA, ocupando uma parte do país? Apesar de suas declarações contraditórias (Sairá? Não sairá?), aceitará ou não que se acumulem baixas pesadas? Mais cedo ou mais tarde, as forças dos EUA serão atacadas na Síria. Nem as forças dos EUA nem da França poderão sair do caminho que estão traçando hoje. E parece que nada aprenderam da história, que continuam a não ver o que houve em Beirute em 1983. Naquele momento, o Irã estava no Líbano. Como, hoje, o Irã está na Síria. *******

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Romulus Maya

Advogado internacionalista. 12 anos exilado do Brasil. Conta na SUÍÇA, sim, mas não numerada e sem numerário! Co-apresentador do @duploexpresso e blogueiro.

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